sexta-feira, 20 de julho de 2012

Os olhos de Anabel


Os olhos de Anabel

CAPÍTULO I

            _ Deseja tomar um copo d’água?
            _ Não sei.
            _ Como não sabe? _ Ele perguntou espantado. _ Deseja ou não?
            _ Está bem. _ Ela disse indecisa. _ Mas só um pouco.
            Ele arqueou as sobrancelhas, como quem não entende nada.
            _ Dois dedos, então?_ Perguntou cinicamente.
            _ Que seja.
            Ela lhe deu um sorriso amarelo.
            _ Gelada ou temperada?
            _ Gelada.
            _ Com cubos de gelo?
            _ Pode ser.
            _ Quantos?
            _ Que importa?
            _ Quantos? _ Ele insistiu.
            _ Apenas um.
            _ Está bem.
            Ele foi até a cozinha e despejou a água num copo e colocou a pedrinha de gelo. Que garota era aquela? Voltou até a sala e lhe estendeu o copo. Dois dedos apenas. Como ela havia determinado.
            Ela pegou a água e começou a beber devagar. O suor ainda lhe escorria pela face. Caminhara no sol e aí estava. E só queria dois dedos de água. Não conseguia entender.
            Examinou-lhe a figura esbelta. Era feia. Não tinha jeito. O cabelo era mal arrumado. As roupas não lhe caíam bem. Era magra demais. Pouco mais que um menino. Faltara-lhe graciosidade.
            Ela pousou sobre ele os olhos, mas desviou por perceber que ele a observava. Os olhos! Aí estava. Era daí que vinha a atenção que ela lhe chamava. Eram verdes, da cor de jade. Não só isso. Eram luminosos, como se tivessem vida própria. Destoavam de todo o resto da figura de poucos encantos. Sobrancelhas perfeitas, cílios longos. Olhos, sobrancelhas e cílios perfeitos, plantados numa figura que desatinava.
            _ Ela se demora? _ Ela perguntou, desejando quebrar o silêncio que se instaurara entre eles.
            _ Não tarda. _ Ele disse enquanto se sentava na poltrona à sua frente. _ Foi na casa de nossa prima deixar um recado. É bem pertinho.
            Ele a havia esperado no ponto de ônibus. Ela se assustara ao vê-lo. Estava quente. Nunca havia estado na casa da amiga antes. Iam fazer um trabalho de escola. A amiga precisara deixar um recado na casa da prima e pedira que ele viesse esperá-la em seu lugar. Ele havia explicado. Dizendo que a irmã não tardava a voltar. Caminharam até a casa. Ele mancava.
            _ O que aconteceu com seu pé?_ Ela perguntou.
            _ Machuquei no jogo de futebol. _ Ele disse.
            Mas ela já sabia. A irmã dele já havia contado. Assim como uma amiga sua do segundo ano, que ela conhecera no ônibus. Ela havia dito para a amiga que ele havia se acidentado e a moça lhe mandara um beijo.
            _ Estimo melhoras. _ Ela havia dito. _ Também Marisa estima. Ela te mandou um beijo.
            _ Como ela sabe? 
            _ Eu disse.
            Pronto. Fora pega em flagrante. Ela já sabia que ele estava machucado e ainda tecia comentários com outras garotas. Já era tão convencido. Precisa de mais? Por que ela não ficara com a boca calada?
            Por sorte chegaram à casa. Ele mandou que ela entrasse. Oferecera a água e fora tão insistente que ela teve que aceitar. Novo silêncio instaurou-se entre os dois. Silêncio desconcertante.
            Ele pegou um jornal que estava na mesinha de centro e começou a folhear. Ela pode observá-lo sem pressa. Era alto, forte, queixo quadrado. Uma mecha de cabelos escuros caía-lhe sobre a testa. Os olhos eram negros como uma noite sem lua.
            Ele percebeu que ela o observava e olhou diretamente  para ela. Ela desviou os olhos rapidamente. Fora pega no pulo do gato. Ele havia percebido que ela o observava detidamente.
            Passeou os olhos sobre os quadros da parede. O que faria agora? Ele percebera que ela estava com os olhos sobre ele. Olhou novamente e ele ainda olhava para ela. Desviou os olhos de novo. O que ele devia estar pensando dela? Examinou os quadros na parede mais uma vez. Era a única coisa que podia fazer. Um deles lhe chamou a atenção.
            _ É Monet? _ Ela perguntou.
            _ Como?
            _ O quadro? É Monet?
            _ O que é Monet?
            Total ignorância! Então ele não conhecia Monet?! Jogos de futebol e garotas. Este era o seu universo. Todas as meninas do colégio se desmanchavam por ele, inclusive ela.
            _ Perguntei se o quadro na parede era de Monet. É um pintor impressionista.
            _ Não sei. Foi mamãe quem comprou em uma loja no centro. Tinha desses aos montes.
            _ É compreensível. É um pintor famoso. Tem muitas reproduções.
            _ Vale muita grana?
            _ O original vale.
            _ Quanto?
            _ Não sei estimar. Na verdade nem tenho certeza se é mesmo uma reprodução de Monet.
            Ela se levantou e caminhou até o quadro. Leu a assinatura. Era mesmo uma reprodução de um quadro de Monet. Ela ganhara um livro sobre pinturas impressionistas  quando fizera doze anos. Lera e relera tantas vezes que ele já estava despencando. Tinha muitas reproduções coloridas.
            _ É mesmo um Monet. _ Ela disse. _ Tem uma assinatura dele aqui.
            Ela apontou com o dedo. Mas ele não olhava para o quadro. Olhava para ela.
            _ Quer mais água? _ Ele perguntou.
            Não estava interessado em pintaras. Não curtia aquelas coisas de meninas.
            _ Não, obrigada._ Disse enquanto se sentava novamente.
            Realmente era feia. Ele concluiu. De que adiantavam os belos olhos e o conjunto de cílios e sobrancelhas que lhe conferiam um certo ar de mistério? Era feia e ponto.
            Das amigas da irmã, era a mais feia. Mas não sabia o que lhe chamava tanto a atenção. Eram os olhos! Só podia ser, porque outro atributo não tinha. Helena, a irmã, era bela. Ele sabia.  A irmã era bela. Uma versão sua em roupas e corpo de menina. Mas não dizia isso para a irmã. Era exibida demais. Não queria que ela ficasse se achando. Além do mais, como todos os irmãos, andavam sempre às turras.
 As outras meninas, não tanto. Mas eram bem bonitinhas. Não faziam feio. Uma delas era quase tão bonita quanto sua irmã. Mas esta era feia. E por que lhe chamava tanto a atenção?
_ Amiga! _ Disse a irmã entrando em casa, com toda sua graciosidade. _ Então já chegou.  
            _ Pensei que não vinha mais, Helena. De tanto que demorou.
            Sentira-se desconfortável com ele na sala. Não tinham sobre o que conversar. Todos aqueles sorrisos que lhe bailavam nos lábios, quando estava na escola, com os amigos, agora desapareceram. Ele era quieto, seco e com aquele olhar que parecia querer ler seus pensamentos. Em que pensava ele? Será que ele sabia? Será que Helena havia lhe dito alguma coisa? E onde estavam as outras meninas que não apareciam?
            _ E as outras? Não vieram? _ Perguntou Helena.
            _ Ainda não apareceram. _ Respondeu Anabel.
            _ Devem chegar já, já. _ Concluiu Helena.
            A irmã já chegara. Não tinha mais razão dele ficar lhe fazendo sala. No entanto, algo o prendia naquele lugar. Tinha uma atração por aquela garota feia e aquilo o amofinava.
            Era capitão do time de futebol da escola. Era bonito e sabia. Todas as meninas se atiravam para ele, inclusive ela. Não era bobo. Percebia no seu olhar que ela estava interessada nele. Mas era tão feia e desengonçada. Não tinha o menor charme.
            Helena já chegara. Era melhor caçar o que fazer.
            _ Vou pro quarto fazer o exercício de matemática. _ Falou para irmã.
            Acenou com a cabeça para a garota e saiu da sala.
            Chegou ao quarto e pegou a mochila para fazer o exercício de matemática. Espalhou o material sobre a cama. Não era difícil. Começou a fazer o exercício. Talvez conseguisse parar de pensar nela.
            Minutos se passaram e não conseguia terminar a lição. O burburinho na sala, agora cheia, entrava pelo quarto. Não que o irritasse. Pelo contrário. Puxava-o como um ímã. Tinha curiosidade de saber quantas e quais delas vieram.
            Como seriam elas sem o uniforme? Será que estavam bonitas?
            Levantou-se e foi buscar um copo d’água. Estava com calor. Sua garganta estava seca.
            Foi até a cozinha. Não sem antes dar uma olhada no que estava acontecendo na sala. Elas estavam debruçadas sobre uma folha de papel pardo. Gesticulavam e falavam sem parar, como um doce bando de maritacas.
            De repente foi descoberto. Uma das amigas de Helena olhou diretamente em sua direção.
            _ Olá. _ Ela disse. _ Pode nos dar uma ajuda?
            Ele sorriu sem jeito. Ficou sem graça de ter sido descoberto.
            _ Venha até aqui. _ Insistiu a garota._ Nós não mordemos ninguém.
            Todas riram, menos Anabel. Laís já estava começando a jogar sua teia. Sabia que a amiga estava interessada nele. Também sabia que Laís tinha muito mais chance do que ela.
            Ele se aproximou timidamente do grupo. Quem o visse assim, não imaginaria quanta desenvoltura ele tinha na escola.
            Ela pegou uma folha de papel branco e escreveu uma frase em letra de forma. Depois repetiu a mesma frase em letra cursiva.
            _ Não conseguimos nos decidir qual das duas letras usar. Qual você acha que ficaria melhor?
            Como se elas precisassem de sua opinião. Sabia que as meninas entendiam muito mais dessas coisas do que os meninos. Mas se pediam sua opinião, não ia desperdiçar a oportunidade de estar com elas.
            Pegou a folha em branco e examinou com ar de quem entendia do assunto. Examinou a letra. Linda! Redonda, feminina, como sua dona.
            A garota esperava por seu veredicto, com um ar atrevido. Era mais bonita que a outra. Se não linda, pelo menos mais feminina. Corpo arredondado e cheio de curvas, pele corada e boca bonita. A voz era melodiosa e agradável. Também, como a outra, parecia estar interessada nele.
            _ Esta. _ Disse ele apontando para a letra cursiva.
            _ Não disse, Anabel? _ Disse ela se voltando diretamente para a outra. _ E você achando que a outra letra ficava melhor.
            Ponto para ela. Pensou Anabel. Ela tinha que ganhar sempre. Não importava o que. Ele estava do lado dela. Percebera como ele olhara pra ela. Como quem avalia bem uma propriedade antes de adquiri-la.
            _ Letras de forma são mais fáceis de ler e deixam o cartaz mais organizado. _ Disse Anabel na defensiva.
            Anabel. Este era seu nome. Não tivera coragem de perguntar à irmã. Seria dar bandeira demais. Pelo menos o nome era bonito. Anabel. Alguma coisa que combina com mel. Talvez fosse uma menina doce e agradável. Não sabia explicar porque se sentia tão atraído por ela.
            _ Mas ele disse que a outra fica mais bonita. _ Disse a dona da letra.
            Parecia haver algum tipo de disputa ali. Ele percebeu. A outra lançava um olhar decidido para Anabel,que continuava acuada, como um leão que perde a presa.
            _ Está bem. _ Disse Anabel, dando-se por vencida. _ Pode começar a escrever.
            Entregou umas folhas amassadas que lhe serviram de rascunho à outra. Folhas essas que Laís recebeu como um troféu. Saíra vencedora em seu embate com Anabel.
            Ela vencera. Pensou Anabel. Dera um jeito de trazê-lo à conversa e tripudiar sobre ela. Que importava um tipo de letra ou outro? Ela só pensava em vencer.
            Ele continuava ali, examinando Laís da cabeça aos pés. Ela o conquistaria. Anabel já sabia. Tudo o que queria, conseguia. Ela sempre repetia que querer é poder. Tanto fazia. Podia ficar com ele. Um garoto como aquele nunca lhe daria confiança mesmo.
            Abriu o livro e recomeçou o resumo.
            Ele continuou mais alguns minutos na sala. Fingia olhar com interesse o que elas faziam. Mas estava examinando todas elas.
            Sete, ao todo, contando com Helena. Anabel, como agora sabia o nome, a moça da letra linda, que agora escrevia muito feliz com um pincel atômico na folha de papel pardo. Uma outra, a mais bonita, que não parecia lhe dar a mínima confiança. Uma pequena, com sardas no nariz e duas outras, um pouco mais velhas, que também não pareciam lhe dar muita atenção.
            Ele se despediu das moças e foi beber um copo d’água. Voltou para o quarto e terminou a lição. Deitou-se de barriga para cima. Não tinha mais nada pra fazer. O burburinho continuava. Como falavam aquelas garotas.
            _ Fernando. _ Chamou Helena da cozinha. _ Venha, que o lanche está pronto.
            Ele chegou até à sala de jantar, que era contígua à cozinha. As garotas já estavam sentadas à mesa. As duas mais velhas ajudaram Helena na cozinha.
            Eles começaram o lanche. A conversa continuava. Laís era o nome da atrevidinha. A mais bonita se chamava Aline. A pequena, não conseguiu descobrir o nome, pois todas a chamavam, pelo sobrenome, Romão, tão masculino para uma garota tão delicada.
            As mais velhas se chamavam Suely e Carmem. Pareciam estar anos luz deles. Eram muito adultas, apesar de não serem muito mais velhas do que ele.
            Uma delas estava noiva e não parava de falar em enxoval e outras coisas relacionadas a casamento.
            Anabel era divertida. Agora percebia. O que lhe faltava em atributos femininos, sobrava-lhe em diversão e entretenimento. Tudo o que ela falava soava como uma piada. Espirituosa, criativa, estabanada, tímida, exibida. Tudo ao mesmo tempo. Gostou dela. Nunca poderia ser sua namorada. Era feia. Mas podia ser sua amiga.
            Relaxou. Podia ser amigo dela. Que tinha? Quem repararia? Era amigo de tanta gente. Quem adivinharia que ele tinha um certo interesse por ela?
            Poderiam rir juntos, conversar. Estava tudo bem.
            Gostou das amigas de Helena. As mais velhas não o interessavam. Estavam praticamente em outro plano.
            Romão também parecia encantada por ele. Mas era quase uma criança. Não valia à pena.
            Laís tinha um olhar sedutor. Com ela talvez pudesse rolar uma paquera ou quem sabe até um namoro. Quem sabe? Namoro não. Se fosse rolar um namoro, a mais indicada seria Aline. Era mais bonita e séria. O tipo de garota que serve para namorar. Também conversou com ele. Não era nenhum bicho do mato. Mostrou-se até amigável. Amigável apenas. Não demonstrava o interesse das outras três.
            Mas Anabel era o mal dos seus pecados. Interessava-lhe a garota. Mas tinha que ser a mais feia de todas? E sendo a mais feia, por que lhe chamava tanto a atenção?
            Imagine andar de mãos dadas com ela no pátio da escola? Levá-la ao cinema? Apresentá-la aos amigos? De jeito nenhum. Não pagaria este mico. Iriam rir dele. Amizade bastava. Ninguém reparava.
            O lanche acabou e as meninas foram embora. O trabalho ficou bom. Laís tinha uma linda letra. Helena o colocou em cima do guarda-roupa. No outro dia o levaria para apresentá-lo ao professor.           








CAPÍTULO II

           
Anabel chegou em casa. Era quase noite. O trabalho demorara um pouco mais do que imaginara.
            Fernando conversara com ela. Fora tão atencioso. É certo que ficaram meio sem jeito enquanto estiveram sozinhos. Não era amiga dele. Não tinham conversa para fluir. Mas na hora do lanche, conversaram bastante. Nunca um rapaz tão bonito lhe dispensara tanta atenção.
            Os rapazes bonitos da escola, conversam apenas com as meninas bonitas. Meninas do tipo de Anabel não lhes atraíam a atenção.        
            Anabel tinha acabado de se mudar. Isso acontecia sempre. Seu pai era militar e viviam mudando de um lugar para outro, feito ciganos. Nem bem fazia amigos e tinha que começar tudo de novo. Aquilo era insuportável para ela.Era estranho cair de pára-quedas numa escola onde todos se conheciam. Ela não conhecia ninguém.
            O primeiro laço de amizade que travou foi com Laís. Sabia que seriam amigas para a vida inteira. Mas Laís era sincera demais pro seu gosto. Muitas vezes a deixava em saias justas. Mas tinha um bom coração. Mentira e falsidade eram palavras que não existiam no dicionário da vida dela. Podia confiar na garota. Viviam aos trancos e barrancos, mas não se largavam.
            Com Helena era mais fácil. Era mais maleável. Era irmã do garoto mais popular da escola, mas não parecia rezar na cartilha deles. Ela podia ficar na turma mais badalada do colégio. No entanto, preferia ter suas próprias amigas e Anabel estava entre elas.
            Logo passaram a sentarem-se juntas. Eram como unha e carne. Amigas inseparáveis. Com a grande vantagem de Helena ser irmã do garoto mais interessante da escola.
            Lembrou-se de um dia em que ele estava jogando vôlei no pátio da escola, na hora do recreio. Anabel atravessou o pátio e bem nesta hora a bola caiu e os dois quase se trombaram. Ele olhou diretamente em seus olhos e ela quase parou de respirar.
            Desviou-se dele sem falar nada. Ele era irmão de sua amiga, mas não era seu amigo. Por que ele tinha olhado dentro dos seus olhos? Será que ele sabia de alguma coisa?
            Mas agora era diferente. Eles haviam conversado. Eram amigos. Amigos? Não tanto. Mas conversaram. Isto era fato.
            Anabel foi dormir e sonhou com ele. Fernando, o garoto perfeito do colégio.
           


No outro dia, acordou inspirada para ir ao colégio. Nunca estivera tão feliz em acordar e ir à escola. Ele estaria lá. Tão lindo.
Na hora do recreio, sentou-se nos degraus do pátio com Romão e Helena. As meninas do segundo ano estavam jogando vôlei. Marisa acenou para ela.
_ Você a conhece? _ Perguntou Helena.
_ Ela pega o mesmo ônibus que eu, algumas vezes.
_ É bonita. _ Disse Helena.
_ É amiga de seu irmão.
_ Quem nesta escola não é amigo do Fernando? Acha que ela gosta dele?
_ Não sei dizer. _ Disse Anabel. Quem naquela escola não gostava do irmão da amiga? _ Talvez tenha algum interesse. _ Completou. 
            _ Como você. _ Disse Romão.
            _ Sem essa, Romão. _ Defendeu-se Anabel. _ Você é quem está interessada.
            _ Não nego. _ Sorriu a menina. _ Mas com você e Laís é diferente. Eu o acho o máximo. Mas não estou apaixonada.
            _ Nem eu! _ Disse Anabel.
            _ Me engana que eu gosto. _ Disse Romão. _ Você e a Laís estão caidinhas por ele.
            _ O que estão falando de mim, aí? _ perguntou Laís, enquanto sentava-se nos degraus. _ Alguém é servido?
            Disse estendendo o saco de pipocas e a garrafa de refrigerante.
            As moças agradeceram, mas não aceitaram.
            _ Estamos dizendo que você e a Anabel estão gostando do irmão da Helena.
            _ Não estamos. _ Disse com veemência, Anabel.
            _ Estamos sim. _ Disse Laís com sua habitual sinceridade.
            Não havia como desmentir. Todos estavam percebendo. Talvez até o próprio Fernando já o soubesse.
            _ Não conte nada para ele, Helena. _ Implorou Anabel.
            _ Não vou contar. _ Disse a amiga. _ Meu irmão já é muito convencido. Não vou ficar enchendo a bola dele.
            _ Não acha que ele já percebeu? _ Perguntou Romão.
            _ Talvez. _ Disse Helena. _ Mas não vou ficar tocando no assunto.
            Estava salva. Pensou Anabel. Pelo jeito, Helena não contaria nada para o irmão. Menos mal.
            A conversa girou sobre outras coisas. Até que Fernando se aproximou. O coração de Anabel disparou. Ele nunca tinha se aproximado do grupinho delas antes.
            _ Olá, meninas. _ Disse sorrindo.
            E se elas contarem para ele? E se Romão abrisse o bocão? Era tão menina ainda.
            Mas ninguém falou nada. Eles ficaram conversando sobre amenidades. Riram, como qualquer grupo de adolescentes.
            Em determinado momento, no meio da conversa, Fernando segurou no braço de Anabel. Foi como se uma descarga elétrica passasse por seu corpo. Mas ele estava relaxado. Nada de mais parecia acontecer com ele. Talvez ela não lhe passasse a mesma eletricidade que ele passava para ela.
            Ela estava enganada em todos os aspectos. Ele não lhe tocara ocasionalmente, como se tocam os amigos. Ele esperou a oportunidade para que isso acontecesse. Queria saber como era tocá-la. O que sentiria com o toque. Preparou-se para isso até que a oportunidade lhe apareceu. No meio da conversa tocou-a e sentiu uma eletricidade debaixo de sua pele, como um fio desencapado. Junto com isso, sentiu um frio na boca do estômago. O que tinha aquela garota para mexer com ele daquele jeito?
            Não se deu por vencido. Não deixou que nenhum músculo de sua face o traísse. Continuou com a respiração normal. Não perdeu o fio da meada do que estava falando. Estava preparado para aquela situação. Só não sabia que ela seria tão intensa.
            Ainda bem que o sinal bateu e eles voltaram para suas salas. Precisava sair de perto daquela menina. Não era garota para ele. Não ele que poderia ficar com a menina do colégio que quisesse.
            Anabel estava feliz. Ele tinha ficado com elas uma boa parte do recreio. Será que agora eram amigos? Sua amizade já lhe bastava. Nunca alguém como ele lhe dera a mínima confiança.
            Era estranho estar perto dele. Ele usava um perfume forte, que lhe entranhava nas narinas, com uma marca que era só dele.
            Anabel cheirou o braço na parte em que ele tocara. O cheiro do perfume ficou impregnado ali.
            _ Olha que cheiro! _ Mostrou para Laís.
            _ O cheiro dele! _ Disse Laís fechando os olhos.
            _ Já está assim? _ Espantou-se Suely.
            _ Ele pegou no meu braço quase sem querer.
            _ Sei. _ Disse Suely com o ar de quem não acredita.
            _ Uma vez ele veio pegar uma régua com a Helena e eu emprestei a minha. Quando ela me devolveu, veio com este cheiro. _ Disse Laís. _ Eu pensei: Que garoto cheiroso!
            Todas riram. Menos Anabel. Estava sem graça por Suely pegá-la em flagrante. E Laís sempre tinha que vir com as delas. Se ele tinha pego em seu braço e nele deixado o seu perfume, não importava, ela tinha conseguido algo primeiro.
            _ Estão perdidamente apaixonadas por ele, Suely. _ Disse Helena balançando a cabeça, enquanto sorria placidamente.
            A professora chegou e a aula começou. A turma não parava de conversar e a aula não parecia fluir. A professora estava visivelmente irritada. Tinha perdido a paciência com os garotos. Algumas meninas também não cooperavam. 
            A professora passou um sabão na turma. Todo mundo foi baixando a bola. A aula parecia não render. A professora continuava irritada, mesmo com a turma quieta e Anabel só conseguia pensar em Fernando. Era melhor prestar mais atenção, antes que sobrasse para ela também.
           
           


















CAPÍTULO III


            As meninas estavam no recreio. Suely chegou suspirando e deu um rodopio. Era engraçado. Geralmente era bem contida e não gostava de se parecer criança como as outras.
            _ Oras, o que aconteceu? _ Perguntou Helena espantada.
_ Hoje vou ver o meu amor. E quero estar tão linda,tão linda, que dentre as outras moças, ele veja que sou a mais bela.
_ Falsa modéstia é bobagem. _ Riu Aline.
_ Mas vocês não se vêem quase todo dia? _ Perguntou Laís.
_ Mas hoje é diferente. _ Explicou Suely. _ Vamos a uma festa. E com a desculpa de que é festa, quero me esmerar na arrumação, que não vai ser para nenhum outro, que não seja ele. Já escolhi com cuidado a roupa, o sapato. Quero que tudo saia perfeito. A maquiagem, o cabelo, as unhas. Quero estar bem linda. Só para o meu amor.
_ O amor é lindo! _ Suspirou Romão enleada.
            _ Então sorrirei para ele. _ Continuou Suely. _ O mais doce dos meus sorrisos e ele sorrirá de volta. Por que também me ama.
            Ele também a amava! Como se pode ter certeza disso? Pensou Anabel. Na certa já devia ter lhe dito mil vezes. Como devia ser bom ser amada por quem se ama e ter a certeza disso.
_O meu amor é o mais belo de todos os rapazes que eu conheço. _ Suely continuava. Parecia que tinha conhecido o noivo no dia anterior. _  É tão lindo. Tudo lhe cai tão bem.
Lindo?! Anabel não achava. Não que o noivo da amiga fosse feio. Já o tinha visto algumas vezes. O Mauro até que era um rapaz bonitinho. Mas Lindo?! O mais dentre todos?! Se ainda fosse o Fernando.
O que Anabel não sabia é que quando se ama, não tem concorrência pra ninguém. O Mauro é o mais lindo para Suely, assim como o Fernando era o mais lindo para Anabel.
            _ Me perco no seu olhar._ Suely estava com os olhos postos no céu azul daquela doce manhã. _ Que é de amor e de admiração. Quando ele pega em minhas mãos, sinto como se o mundo parasse e nada mais existisse em volta. Nada mais que o nosso amor.
            _ Gente, como ela está melosa. _ Disse Aline.
            _ Não conheço ninguém tão lindo quanto o meu amor, meninas._ Disse Suely. _ O seu nome é música para os meus ouvidos.  Hoje vou estar com ele. E já penso nisso pela manhã. E vou continuar de tarde, até que chegue a noite. Então eu o verei. Suspiro de amor, porque amar é a coisa mais linda deste mundo.
            _ Chega de tanto mel. _  Riu Carmem.
            _ É chega! _ As outras concordaram.
            Só Anabel não disse nada. Estava tão espantada com aquilo tudo. Não sabia que Suely sentia tudo aquilo pelo noivo. Sempre parecera tão serena. Achava que sentimentos como aquele fosse coisa de gente mais nova, como Laís e ela. Ou pelo menos que tal sentimento se extinguia logo que se conseguisse obter o amor do ser amado. Que tão logo, descoberto e desmascarado, o amor se tornava pouco mais do que uma profunda amizade, com direito a beijo na boca, é claro!
            Mas parecia que estava errada. Suely parecia ainda apaixonada. Tanto ou mais do que ela.
            Parecia imersa em seus pensamentos. A conversa há muito já mudara de rumo.
            _ Que marca é esta? _ Perguntou Romão para Helena, apontando para sua canela.
            _ Foi um tombão que eu levei. _ Explicou a outra. _ O meu irmão teve até que me carregar no colo, de tanta dor que eu senti.
            Ele tinha força para carregá-la? Espantou-se Anabel. Nunca vira um menino levantar uma garota nos braços. Aquilo parecia coisa de filme.
            _ A marca é muito feia? _ Preocupou-se Helena.
            _ Que nada. _ Falou Suely, com ares de perita em medicina. _ É apenas um arranhão. Nem sei por que seu irmão teve que te carregar no colo.
            Anabel pensou em Fernando a carregando. Devia ser legal. Como naqueles filmes românticos que passam à tarde. Mas Anabel sabia que aquilo não era coisa para ela. Fernando nunca a carregaria nos braços. Ela não era o tipo de mocinha de filme meloso da TV.



































CAPÍTULO IV



A cada dia que passava, Anabel estava mais apaixonada por Fernando. Eles agora se falavam, mas na hora do recreio, ele continuava com a turma dele. A turma dos lindos e poderosos. É certo que nem todos eram lindos, mas alguns deles sentiam-se como se fossem e faziam de tudo para estar naquela turma. Quem eram eles para se acharem tanto? Um bando de súditos de sua alteza. O que mais amofinava Anabel era aquele bando de meninas que ficavam à volta de Fernando.
            Anabel olhou para o quadro mais uma vez. A folha de papel pardo estava fixada e o dever era para ser copiado. Mas ela não conseguia concentrar-se no que estava copiando.
            Estava com tanta fome. Queria que o sinal batesse logo. Iria correndo para a fila da cantina. Não estava animada com o dever. Fazia tudo como um autômato, sem interesse algum. Distraíra-se com um trabalho fixado no mural do pátio e não ouvira o sinal bater. Recebera uma reprimenda da inspetora bem na frente de todos. Que vergonha! Estava irritada. Não gostava de passar por aquele tipo de situação. Ela azedara o seu dia. Estragara tudo. Gostava de tudo tão certinho, que se sentia muito mal quando passava por relapsa.
            Seu estômago dava voltas e a hora não passava. Pouco antes do sinal bater, Laís veio com a bomba.
            _ Disse para o Fernando que eu e você gostamos dele.
            _ O que você disse?! _ Perguntou Anabel assustada.
            _ Isso mesmo que você ouviu. Não gosto de mentiras.
            _ Que mentira? Você até podia ter falado pra ele que você gostava dele, mas não devia ter me colocado no rolo. Você não tinha este direito.   
            _ Agora está feito.
            _ Quando foi isso?
            _ Ontem, na hora da saída.
            _ Não sei por que você fez isso comigo.
            Estava amofinada. Agora ele sabia de tudo. Por que Laís fizera uma coisa daquelas?
            _ Agora é tarde. Já falei e está falado. Não me arrependo de nada do que fiz, apenas do que não fiz.
            _ O que ele disse?
            Apesar de envergonhada, Anabel estava curiosa para saber da reação dele.
            Laís deu um suspiro, como se o que acabara de fazer fosse uma coisa muito legal. Era preciso muita coragem para fazer uma coisa daquelas.
            _ Eu falei tudo pra ele. _ Ela disse sorrindo. _ Mas depois me deu uma vergonha.
            _ Não era pra menos.
            _ Aí eu baixei a cabeça. Então ele segurou no meu queixo para levantá-lo. Então eu ergui a minha cabeça e o encarei. Não sou do tipo que faz ceninha de garota envergonhada.
            O céu fechara de vez para Anabel. Mais essa! Laís tinha o conquistado de vez. Por que ele tentara segurar o seu queixo? Por que queria que ela olhasse para ele? Estava interessado nela. Era claro como água.
            Juntou o material sem falar mais nada com Laís, que naquele momento tinha um sorriso zombeteiro no rosto. Que fome insuportável! Queria sair correndo dali e não ver Fernando e Laís nunca mais. Perdera mais esta. Sobrara outra vez.
            O sinal bateu, finalmente. Foi ao banheiro primeiro. Queria ficar sozinha. Não suportava o fato do Fernando ter sabido que ela gostava dele.
            Se Fernando escolhesse Laís sem saber que ela também gostava dele, tudo bem. Mas sabendo, fazia uma escolha entre as duas. Então ficava com vergonha, porque tinha sido preterida, em relação à outra.
              A fila estava enorme, como sempre. Pegou o lanche e foi se sentar debaixo de um a árvore no pátio. Não queria ficar com ninguém. Seu dia não estava sendo um dos melhores. Comeu de olhos baixos, pensando na vida.
            De repente levantou os olhos e viu que ele estava encostado em um carro, bem na sua frente e olhava para ela. Ele não estava sozinho. Estava abraçado com duas garotas. Uma de cada lado.
            Então ele piscou para ela. Ele piscou para ela? Não podia acreditar! Baixou rapidamente os olhos. Estava morta de vergonha.
            Fernando sorriu. Ela havia baixado os olhos. Que bonitinho! Gostara de saber que ela gostava dele. Era claro que não precisava nem dizer. Estava estampado na cara e nos gestos dela.
            Quando Laís disse que gostava dele, ficou meio sem jeito. Era bom saber que uma menina gostava dele. Mas o que ela queria com aquilo? Ele teria que tomar uma decisão? Mas quando Laís falou que Anabel também gostava dele, tudo ficara mais fácil.
            Se duas amigas gostavam de um mesmo garoto, não se podia decidir por nenhuma delas, porque uma haveria de ficar ferida.
            Gostou de saber que Laís gostava dele. Sentia-se feliz com isso. Mas também gostou, e muito, de saber que Anabel gostava dele.
            Foi para casa sentindo-se meio aéreo. Estava feliz. Duas meninas gostavam dele e uma delas era Anabel. Isto era o máximo!
            No outro dia, estava doido para ver Anabel. Já tinha visto a reação de Laís. Queria ver a de Anabel. Como ela se comportaria? Não a viu na hora da entrada. Na hora do recreio saiu como uma bala. Queria saber como ela reagiria. Mas não daria o braço a torcer. Não queria que ela alimentasse esperanças. Ela não era do tipo de garota que um garoto como ele apresentaria para os amigos. Era feia. Os manos iriam cair em sua pele.
            Márcia e Simone, suas colegas de classe estavam por perto. Puxou um assunto qualquer e saiu com uma de cada lado. Demorou um tempo para que a avistasse debaixo de uma árvore. Estava lanchando sozinha. Isto não era nada comum. Sempre andava com as amigas. Estava absorta e olhava para baixo.
            Ele levou as meninas, sem que elas percebessem, para perto de Anabel. Eles se encostaram em um carro estacionado, bem de frente para ela. Márcia e Simone pareciam não perceber nada e não paravam de tagarelar. Mas ele não ouvia nada. Só pensava em Anabel e que ela gostava dele.   
            De repente ela levantou os olhos. Que olhos! Eram os olhos de Anabel. Não resistiu e piscou para ela.
            Ela não falou nada. Baixou os olhos rapidamente e terminou logo o lanche. Em pouquíssimo tempo saiu dali. O que estava acontecendo? Será que Laís havia mentido?
            Anabel correu para o banheiro. Piscou para ela porque sabia de tudo. E aquelas garotas? Sabia que ela gostava dele e agora queria tripudiar sobre ela. Estava frita.
           

O sinal bateu e Anabel voltou para sala. Tinha um teste para fazer amanhã e todas essas coisas haviam acontecido naquele dia.
            _ Que tal estudarmos juntas para o teste de geografia? _ Perguntou Laís.
            _ Ótima idéia!_ Concordou Aline.
            _ Pode ser na minha casa. _ Disse Helena.
            _ Legal! _ Disse Laís já antevendo a oportunidade de ver Fernando.
            _ Vai querer, Romão?_ Peguntou Aline.
            _ Tô dentro! Não estou entendendo nada desta matéria.
            _ E você, Anabel? _ Perguntou Helena.
            Não sabia se deveria ir. Fernando estaria lá. Não conseguia estudar com gente falando o tempo todo.
            _ Não sei.
            A resposta era indecisa. Ao mesmo tempo em que temia desperdiçar uma tarde de estudo sozinha, o que lhe seria muito mais proveitoso, também pensava em ver Fernando por um pouco mais de tempo.
            _ Vamos, Anabel. _ Insistiu Romão._ O Fernando vai estar lá.
            _ Esta é a ideia. _ Disse Laís cinicamente. _ A Anabel está a cada dia mais caída por ele.
            _ E você não? _ Perguntou Anabel já irritada. Não a perdoara por ter contado para ele.
            _ Mas não minto.
            _ Nem eu sou mentirosa. Só não sei se será uma boa idéia.
            _ Até parece. _ Disse Aline com um sorriso cínico.
            _ Até parece o quê? _ perguntou Anabel.
            _ Que você não está doidinha pra ir também.
            _ Não quero ir. É verdade.
            _ Sei. _ A outra não parecia mesmo acreditar.
            Anabel estava ressentida. E acabou perdendo, como quase sempre acontecia quando entrava num embate com qualquer uma delas. Até mesmo Romão, que era quase uma criança. Era fraca nas argumentações, quando se tratava de ferir alguém com palavras. Faltava-lhe traquejo para entrar numa batalha verbal e sair vencedora. Cedia sempre.

            _ Deixe de bobagens, Anabel. _ Disse Carmem. _ Você vai e pronto! Todas nós vamos. Suely também.
            Estava acabado. Quando Carmem decretava algo, estava decidido. As outras seguiam sem pestanejar.











CAPÍTULO V

           
            Fernando olhou o grupo de soslaio. O que aconteceu? Todas estavam ali, menos Anabel. Da primeira vez que estivera ali, fora a primeira a chegar. Será que não viria?
            Elas não se concentravam no estudo. Jogavam mais conversa fora do que tomavam a lição umas das outras.
            Onde estaria Anabel, que não aparecia? O grupo não era o mesmo sem ela. Era duro admitir, mas sentia sua falta.
            Ficou muito impaciente porque ela não chagava. Acabrunhado, irritado. Por que não vinha? Será que tinha desistido? Por que se importava tanto? Por que essa obsessão? Por que tudo tinha que mudar? Não podia . Não devia. Não era correto. Por que pensar nela? Não era direito. Não podia corresponder às suas expectativas. Por que não deixá-la em paz, como era o correto? Não podia fazê-la sofrer. Seria uma malfade de sua parte. Mas uma corrente magnética estava o arrastando para ela, dia após dia. Sentia isso. Por que ela tinha que aparecer em sua vida? Estava tudo tão bem sem ela. Sabia que aquela história não tinha como acabar bem. 
            Ela chegou depois das outras. Só então respirou tranqüilo. Estava ali. Não tinha esperado em vão.
            _ Veio para o lanche. _ Disparou Aline.
            Todos riram, inclusive ele. Mas Anabel não pareceu achar muita graça.
            Abriu o livro e começou a estudar. O papo continuava. As duas mais velhas, de vez em quando até que tentavam manter o foco. Mas elas mesmas caíam na tentação de uma boa fofoca.
            Só Anabel parecia séria. Não estava com o bom humor costumeiro. Enfiara a cara no livro e não parecia querer conversa. Será que se aborrecera com Aline?
            Como Anabel já sabia, não conseguiu se concentrar nos estudos. As meninas tagarelavam sem parar e Fernando estava lá. Jogando charme para todas, como sempre fazia.
            Sua cabeça começava a doer. Por que não ficara em casa? Teria lucrado muito mais.
            Ele notou que ela estava de mau humor naquele dia. Não estava risonha e falante. Estava séria. Resolveu se aproximar dela.
            _ O que você tem?_ Ele perguntou.
            Ela se assustou com a proximidade. Olhou dentro dos olhos dele. Como ele era lindo!
            _ Nada. _ Respondeu finalmente.
            _ Como nada? Você está diferente.
            _ Apenas com um pouco de dor de cabeça.
            _ Quer um analgésico?
            _ Não precisa. Vai passar logo. É apenas uma preocupação com o teste de amanhã.
            Era claro que estava preocupada com o teste. Mas também estava preocupada com o fato de Laís ter batido com a língua nos dentes. Estava morrendo de vergonha dele.
            _ Precisa relaxar. _ Ele disse com um sorriso. _ Vamos bater um sério?
            _ O que é bater um sério?
            _ Não acredito que você não conhece! É uma brincadeira. A gente fica olhando sério um para a cara do outro. Quem rir primeiro, perde.
            Ela riu. Parecia brincadeira de criança. Tudo bem. Poderia tentar.
            _ Ok. _ Ela disse. _ Pode começar.
            Ficaram olhando um para a cara do outro, sérios.
            Fernando começou a analisar o rosto de Anabel. Não era bonita, com certeza. Mas se perdia naqueles olhos.
Ainda estavam imóveis, olhando um nos olhos do outro, até que seus olhos pousaram em sua boca. Como seria beijá-la?
Anabel percebeu que ele estava olhando para sua boca. Lembrou-se do dia em que Laís gabara-se de que Fernando estava conversando com ela e que então seus olhos foram direto para sua boca. Anabel morrera de ciúmes e agora estava ali, na mesma situação.
Nenhum dos dois ria e a situação começara a ficar desconfortável.
_ Ei, vocês dois! _ Chamou Carmem. _ O que é isso? Um papo pré-beijo?
O rosto de Anabel ficou em chamas. De repente todas pararam com o que estavam fazendo, para observar os dois. Laís fuzilou Anabel com o olhar. As outras tinham um sorriso zombeteiro nos olhos.
_ O garoto está quase beijando a boca da menina! _ Continuou Carmem.
Anabel estava morta de vergonha. Carmem parecia ter a sutileza de um elefante.
Ele se levantou rapidamente. Parecia um menino, pego bem na hora em que ia fazer uma traquinagem. Sorriu sem jeito e saiu da sala. 
            Anabel ficou sem jeito. Mas gostou de ter batido um sério com ele.
            Estava envergonhado. Tivera mesmo vontade de beijá-la. 



























CAPÍTULO VI



            _ Vai à festa da Paulinha? _ Perguntou Helena a Fernando.
            _ Não sei. Acho que não.
            _ Vai. Vai ser legal. O André está a fim da Aline.
            _ Mesmo?
            _ Está quase definido. Esta festa promete. _ A irmã riu._ Vai estar cheia de gatinhos. Estou pensando em levar a Anabel.
            _ Que Anabel?
            Perguntou espantado. Como se existissem duas. Não queria que Helena arranjasse ninguém para Anabel. Ficou meio sem jeito.
            _ Já pensou em apresentar pro Naldo? _ Quis disfarçar. Não queria que a irmã percebesse que ele estava com ciúmes. Nem cabia bem um negócio daqueles.
            _ Sei lá. Pode ser o Tom também.
            _ É. O Tom é um cara legal.
            Mudou de assunto. Aquela conversa não estava agradando.
            De todo jeito. Resolveu comparecer à festa. Queria ver aquilo de perto.
            A Aline e o André trocaram uns beijinhos. Era pena que a garota mais bonita do grupo da irmã quisesse ficar com seu amigo. Tanto fazia. Naquele momento era Anabel que estava o preocupando. Ela apareceu também. Laís e as outras meninas não foram. Já tinham combinado outra parada antes.
            Para sua alegria. Nem o Tom nem o Naldo deram as caras.
            _ Vamos entrar, Anabel? _ Ele perguntou.
            _ Vamos. _ Ela respondeu com presteza.
            Achou que talvez ela não quisesse ficar por que as outras meninas não tinham vindo.
            Helena apresentou Anabel para algumas amigas e uns outros carinhas. Mas não pareceu dar em nada. Ela acabou ficando sozinha. Achou que devia ficar perto dela. Afinal, era seu conhecido. Mas ficou com vergonha. E se pensassem que ele estava querendo alguma coisa com ela? Seria o fim de sua reputação.
            A festa estava mesmo caída. Ele e Helena acabaram voltando cedo. Anabel e Aline foram juntas. Despediu-se dela com uma sensação de dívida. Podia ter dado mais atenção para ela. Todo mundo ia achar normal. 


             No outro di, não a viu na hora da entrada. Que pena. E se ela faltasse naquele dia? Ficou esperando ansioso pelo recreio. Mas Anabel não estava junto das outras meninas. Ficou de mau humor. O que tinha demais aquela garota para o deixar assim?
            Já tinha perdido as esperanças, quando a viu junto de Helena na hora da saída.
            _ Vamos dar um pulo na lanchonete pra tomar um suco. _ Disse Helena. _ Quer vir também?
            _ Ok. _ Concordou displicentemente. Não queria dar bandeira.
            Anabel e Laís sorriram para ele.
            Se Anabel tinha achado que ele não lhe dera atenção na festa, tinha perdoado. Que bom. Não queria que ela ficasse com raiva dele.
            Eles foram caminhando. Alguns colegas seus se juntaram ao grupo. Deixou que as meninas caminhassem na frente. Não queria ficar correndo atrás delas.
            Quando chegou. Elas já estavam sentadas. Caminhou para o balcão para fazer o pedido. Quando olhou para o grupo, viu que ela estava olhando para ele. Sorriu para Anabel e ela sorriu de volta.
            Acabou sentando em grupo separado. Os colegas acabaram indo embora. Algumas meninas do grupo de Helena também já haviam ido. Sentou-se na mesa delas e acabou puxando papo com Anabel. Precisa se redimir do que fizera com ela na festa.
            Ele perguntava coisas que ela prontamente respondia. Tinha desejo de saber mais coisas sobre ela.     
             O grupo se dissipou e ele e Helena também foram para casa.
            Quando estavam sozinhos, a irmã disparou.
            _ Não sei pra que levar a Anabel pra arranjar namorado em festa. Tem gente pra ficar com ela lá na escola mesmo.
            Ficou amofinado e nem teve o que responder. Entendeu a indireta. Na verdade, direta. Não sabia que as pessoas já estavam percebendo. Achava que era tudo muito natural. Não sabia que seus sentimentos estavam à mostra. Se alguém soubesse que estava interessado nela, sua reputação estaria arruinada.
            E se Helena começasse a espalhar? E se tudo chegasse aos ouvidos de seus amigos? Anabel sua namorada? Aquilo estava fora de cogitação. Não poderia mesmo. Nenhum de seus amigos jamais teria imaginado uma coisa daquelas. Era o capitão do time de futebol. Era veterano e estava cercado de garotas. Não podia ser namorado dela. Não mesmo. Precisava se afastar dela, antes que fosse tarde. Mas será que teria forças?
            _ Deixe de bobagens, Helena._ Cortou a irmã. _ Sabe que com a Anabel não rola.
            _ Sei. – Disse a irmã ironicamente. Mas ela não tocou mais no assunto e ele achou melhor que aquilo morresse ali mesmo.





















CAPÍTULO VII


            O trabalho não parecia render e ninguém parecia estar querendo fazer nada. Só conversa e mais conversa.
            Carmem e Suely estavam bufando. Às vezes se perguntavam o que estavam fazendo naquele grupo de meninas tão desmioladas. Só pensavam em meninos e nada mais.
            Laís e Anabel estavam como duas abelhas em volta de uma mesma flor. Fernando estava manipulando as duas. Como elas não percebiam? Ora dava atenção para Anabel, ora para Laís. E vez por outra voltava também sua atenção para Aline. Mas esta não parecia querer entrar no páreo. Romão até tentava jogar sua rede, mas não recebia nenhuma atenção do rapaz. Ela era muito jovem.
            Está moscando.  Pensou Carmem.Em um ou dois anos desabrochava. E ficaria melhor do que qualquer uma delas. Melhor que Aline, talvez não. Mas com certeza melhor do que Laís e principalmente Anabel. Não sabia o que Anabel fazia para despertar a atenção do garoto mais cobiçado da escola. Ele era capitão do time de futebol. E estava lá, se desmanchando em atenções com ela. Não conseguia entender o que se passava na cabeça dos garotos. Mas o que estava fazendo não era certo. O que ele queria? Montar um harém? As meninas eram muito jovens para perceber esse tipo de coisa. Alguns rapazes pareciam que eram movidos por olhares melosos de meninas. Se era isso que Fernando queria. Ali tinha de sobra.
            _ Viu o jogo de futebol hoje? _ Ele perguntou para Anabel.
            _ Não. Estava estudando.
            Ele sabia que ela não assistira ao jogo. Sentira sua falta.
            Ela riu.
            _ Do que você está rindo? _ Ele perguntou, sorrindo também.
            _ De nada.
            _ Ninguém ri de nada.
            Ri sim. Eles eram muito jovens para saber que os enamorados riem de nada. Anabel estava enamorada de Fernando, todo mundo sabia. Fernando estava enamorado de Anabel, mas não sabia ou não queria saber.
            De repente ele a pegou no colo. Ela se assustou. Parecia coisa de filme. Lembrou-se do dia em que Helena falou que Fernando a pegara no colo. Imaginou que o mesmo poderia acontecer com ela. Estava acontecendo agora. Mas estava tensa. As meninas olhavam espantadas. Ficou com vergonha.
            _ Me coloca no chão, Fernando. _ Ela falou. _ Você vai me deixar cair.
            _ Tá toda dura. _ Helena riu.
            E estava mesmo. Morria de vergonha.
            _ Me coloca no chão, Fernando!
            Fernando atendeu ao seu pedido e a colocou no chão. Mas pegou o seu pé e ficou passando uma pena na sola.
            _ Pare com isso, garoto. _ Falou Anabel.
            _ Já para o seu quarto, garoto. _ Disse Carmem. _ Se continuar aqui, ninguém faz nenhum trabalho hoje.
            Ele saiu rindo, mas não foi para o quarto. Foi para a varanda. Não sabia por que, mas tivera uma vontade irresistível de pegá-la no colo. Era esguia, menos pesada que Helena. E muito mais interessante que a irmã. Pelo menos para ele. Qualquer amigo seu diria que estava ficando doido se fizesse uma comparação dessas e Helena saísse perdendo.
            Anabel estava nas nuvens. Ele a pegara no colo, como fazem os galãs com as estrelas de cinema, nos filmes românticos. Anabel se sentia muito feliz.
            Suely e Carmem colocaram ordem na bagunça e elas finalmente pareceram produzir alguma coisa. 
Estava na hora de ir embora. As meninas já estavam no portão. Anabel correu. Fernando ainda estava sentado na varanda.
            _ Tchau. _ Ela disse para ele.
            Ele sorriu.
            Quando ela passou, ele segurou a sua mão.
            _ Solta. _ Disse Anabel.
            Mas a vontade que tinha era que ele não largasse.
            Laís a fuzilou do portão. De onde estava, só dava para ver as pernas de Fernando e as mãos que não largavam a de Anabel.
            Fernando percebeu que Anabel estava preocupada com as amigas. Então resolveu lhe pregar uma peça.
            Balançou as pernas e gritou para que as meninas escutassem:
            _ Me solta, Anabel. Me solta.
            Mas era ele quem não largava Anabel.
            _ É mentira dele. _ Ela gritou para as meninas.
            Carmem riu com gosto. Sabia que era uma brincadeira. Mas Laís não achava a mínima graça. Continuou olhando Anabel com a cara amarrada.
            Que importava? Anabel estava feliz. Muito feliz. Imaginou como seria bom se aquilo não fosse uma brincadeira. Que ele quisesse a beijar de verdade.
            E ele queria mesmo. Tinha vontade de puxá-la pra si e beijá-la. Mas não tinha coragem. Anabel acabava com suas defesas. Tinha medo de se entregar.
            Como seria beijá-la? Já beijara tantas outras garotas antes. Era apenas mais uma. E estava ali, na sua frente. Pronta para ser beijada. Por que não tinha coragem?
            Ela puxava a mão, mas ele sabia que ela não queria partir. Se beijasse Anabel, teria que se decidir por ela. E como Laís ficaria? Eram amigas.
Sua mão se afrouxou e Anabel libertou-se. Ela foi embora. Tremia, mas estava feliz.
_ Anabel. _ Riu Carmem. _ O que você estava fazendo com o Fernando?
_ Nada. _ Disse a garota enleada. _ Era brincadeira dele.
_ Quem não viu? _ Alfinetou Laís.
Estava irritada. Se Anabel estivesse no lugar dela, também estaria. Era melhor não ficar colocando lenha na fogueira.
Todos os progressos de Laís com Fernando, eram contados para Anabel, nos mínimos detalhes. Mas quando era a vez da outra, a coisa mudava de figura. Que importava? Ainda sentia a pressão das mãos de Fernando nas suas. Seria tão bom se ele sentisse por ela o mesmo que ela sentia por ele.
Mas os sentimentos de Fernando eram confusos. Enquanto Anabel espalhava aos  quatro ventos, ele ficava na dele. Não queria que ninguém soubesse. Era uma coisa só dele.  




CAPÍTULO VIII


           
Elas estavam na sala de aula. Laís trouxera novamente o caderno de perguntas, o mesmo que respondera logo no início do ano. Anabel folheou o caderno. Algumas outras meninas tinham respondido o caderno. Anabel reconheceu o seu nome. Virou a folha. A próxima pergunta era sobre a idade. Ela tinha respondido a lápis. Sua idade fora alterada com a caligrafia de Laís.
_ Por que você mudou a minha idade? _ Perguntou Anabel, um pouco desconfortável com a intromissão.
_ Por que você não tem mais quinze anos, tem dezesseis e eu não gosto de mentiras no meu caderno.
_ Mal eu não menti. Tinha quinze anos quando respondi.
Laís balançou os ombros, não se importando muito com a opinião de Anabel.
Anabel continuou examinando o caderno. O que mais Laís havia alterado? A próxima pergunta era: “Você gosta de algum menino?” . “Sim.” Era a resposta, com a letra de Anabel. Virou a outra folha. “Qual é o nome dele?” . “Renan.” Fora a resposta de Anabel. Mas ao lado do nome Renan, Laís tinha acrescentado o “ou Fernando”.
Aquilo soou mal para Anabel. Era como se gostasse de dois meninos e tanto fazia um como outro. Mas qualquer um que olhasse aquele caderno, veria que a letra não era de Anabel. Laís não tinha o direito de fazer aquilo. Nem sempre a relação das duas era fácil, Laís muitas vezes falava coisas que feriam Anabel. Com Helena costumava ser mais fácil. Mas em outras vezes era tão amiga, com uma generosidade bem maior que a da própria Anabel.
Continuou folheando o caderno. A próxima pergunta era: “Quantos anos ele tem?” . “Vinte e dois.” Respondera Anabel. E não havia mais nenhuma intromissão de Laís. Esta era a idade de Renan na época, Fernando ainda tinha dezessete. Vinte e dois anos, como Renan era velho. Só agora percebia. Mas que diferença fazia? Ele nunca falara com ela. Nem mesmo sabia de sua existência.
Lembrou-se do dia em que ele lhe cumprimentara com um aceno de cabeça. Talvez este tenha sido o único dia em que não lhe parecera invisível. Achou que não ia suportar nunca mais vê-lo, quando saíram de Juiz de Fora para voltarem pro Rio.
_ Não quero voltar, papai. Tenho os meus amigos aqui.
_ Lá é o nosso lugar, Anabel. O nosso porto seguro. Não quer ficar perto de sua avó? Dos seus primos?
Tinha saudade dos primos. Da avó. Mas passava tanto tempo fora que não sabia que tinha um porto seguro. Na verdade achava que era um barquinho com uma pequenina vela, que era levado de um lugar a outro, ao sabor do vento.
As outras páginas continuavam intactas. Mas quis ler todas elas. Lembrar-se de Renan. Achava que nunca iria esquecê-lo. Mas Fernando tomara o seu lugar, e de uma maneira tal, que era se como aquele caderno tivesse sido respondido há mil anos atrás.

      
           
            Mais um trabalho na casa de Helena. Mais uma vez Fernando às voltas com as meninas.
            Anabel estava entretida fazendo um resumo. Laís, a dona da caligrafia mais irritantemente perfeita, fazia um dos seus belos desenhos em uma folha de papel pardo. Se era pra escrever, chamavam Laís, que tinha a letra mais bonita. Se era pra desenhar, chamavam Laís, que sabia desenhar com um pé nas costas.
            Em dado momento viu Fernando pegar o caderno de perguntas que Laís deixara displicentemente no sofá da sala. Anabel arregalou os olhos. Ele iria ler o que Laís colocara no caderno.
            _ Laís. _ Avisou Anabel alarmada. _ Fernando pegou o seu caderno.
            _ E o que é que tem?
            _ Ele vai ler. _ Disse Anabel num sussurro.
            _ Não tenho medo da verdade.
            Ele já estava lendo. Não havia mais o que fazer.
            Anabel também respondera o caderno, ele constatou. Era a participante número nove. Virou a folha. Então ela gostava de um menino. Não precisava de lupa, para saber quem era. Ele sorria interiormente. Na verdade, sorria por fora também. Renan ou Fernando? Quem era aquele tal de Renan? Não era da escola. Não conhecia ninguém com aquele nome. Como ela gostava de dois caras ao mesmo tempo? Mas as letras eram diferentes. Ela escrevera Renan, outra pessoa escrevera Fernando. Conhecia aquela letra bonita. Era a letra de Laís. Será que Anabel gostava mais do outro cara do que dele? Será que Anabel gostava do outro cara e não dele? Ela “parecia” gostar dele, mas nunca dissera isso. Fora Laís quem dissera. Será que entendera tudo errado? Será que estava fazendo papel de bobo?
            Virou a folha.
_Vinte e dois anos?!_ Falou alto sem perceber.
Anabel ouviu. Ele estava lendo as perguntas que ela respondera. Vinte e dois anos era a idade de Renan. Então ele se interessava sobre o que ela fazia. Então ele tinha ciúmes. Se tinha ciúmes é porque se importava. Ficou aliviada por saber que Laís não alterara as demais perguntas. Era bom ele saber que ela não estava com os quatro pneus arriados por ele. Mas estava. Renan era uma página virada em sua vida.
Fernando continuou lendo as respostas de Anabel. Nada sobre ele. Apenas o outro cara. “Ele também gosta de você?”. “Não.” “Vocês já se beijaram.” “Não.” “Já beijou alguém?” “Não.” A cada pergunta respondida, Fernando ia ficando cada vez mais aliviado. Não tinha sido nada. O cara não gostava dela. Não a beijara. Ela nem tinha sido beijada por ninguém. Poderia ser o primeiro a beijá-la. Estava tão caída por ele que não faria a menor objeção. Mas não tinha coragem. Não era daquele tipo de cara que usa uma garota só pra se sentir o maioral. Respeitava os sentimentos dela. Não queria feri-la.
Fechou o caderno. Nada mais o interessava ali.
Olhou para Anabel. Ela estava olhando pra ele. Olhos tão verdes e lindos, misteriosos, tão diferentes do resto. O que tinham aqueles olhos que prendiam tanto a sua atenção?

 
           




CAPÍTULO IX


            Estavam quase no final do ano. A professora pediu que fizessem algo para ajudar o próximo.
            _ Podemos fazer uma gincana para angariar alimentos. _ Opinou Suely.
            _ Ótima idéia.
            _ Podemos entregar no orfanato aqui perto. _ Disse Marcelo, o menino mais inteligente da classe.
            _ Boa, Marcelo. _ A turma concordou.
            _ A gente pode organizar brincadeiras e peças de teatros. _ Animou-se Laís.
            _ Boa. _ A turma concordou.
            Os meninos quiseram organizar campeonato de futebol, jogo de damas e outros esportes. O grupo de Anabel ficou com a peça de teatro. Logo toda turma estava empenhada nisso.
            O problema era que o grupo de Anabel era composto só de meninas. Elas haviam escolhido um conto de fadas e todo conto de fada que se preze tem um belo príncipe. Mas nenhum menino topou pagar este mico com elas, de modo que ficaram numa sinuca de bico.
            _ A gente pode se vestir de menino. _ Opinou Anabel.
            _ Nada a ver. _ Retrucou Aline.
            _ Podemos fazer uma participação especial. _ Opinou Laís.
            _ Boa! _ disseram em coro.
            Inclusive Anabel, que achou a solução perfeita.
            _ Quem? _ Perguntou Helena.
            _ Adivinha? _ Perguntou Laís com um sorriso significativo.
            _ Nem pensar. _ Disse Helena, entendendo o recado. – É claro que o meu irmão não vai querer pagar este mico.
            _ É claro que vai.  _ Disse Romão. – É só você pedir pra ele.
            _ Não vou mesmo. _ Disse Helena.
            _ Eu peço, então. _ Disse Anabel. Já amando a idéia de participar de uma peça que tivesse Fernando como príncipe. Escolha melhor não haveria.
            As meninas não fizeram muito caso de toda esta cara de pau de Anabel de fazer Fernando participar de uma peça de contos de fada.
            _ Temos que pedir a professora primeiro._ Disse Suely.
            A professora não fez nenhuma objeção e ficou acertado que convidariam Fernando.

            No outro dia, Anabel estava sentada de cabeça baixa e quando levantou-a viu Fernando e Helena em pé. Eles não a tinham visto e ela os chamou. Em todo este ano, nunca tinha dado com os dois no ônibus. Eles costumavam ir de carona com o pai para a escola. Na volta, às vezes tomava o mesmo ônibus  com Helena, mas com Fernando, nunca.
            Eles começaram a caminhar para a escola. Era hora de fazer o pedido. Anabel caminhava no meio. De um lado ia Fernando e do outro Helena.
            Helena colocou a mão no ombro de Anabel e esta colocou a sua no ombro de Fernando.
            _Temos que te fazer um pedido. _ Disse Anabel.
            Ela colocou a mão em seu ombro e ele sentiu um certo estremecimento. Esperava que ela não tivesse notado. Não sabia o que tinha aquela menina que o transformava em um garoto tímido.
            _ O que é? _ Perguntou um tanto acanhado.
            _ Vamos fazer uma peça e precisamos de um príncipe.
            _ E?
            _ Queremos que você seja o príncipe;
            Fernando soltou uma gargalhada.
            _ Não vou pagar este mico mesmo.
            _ Por favor. _ Insistiu Anabel. _ Vamos ficar eternamente agradecidas.
            Ela queria muito que ele aceitasse.
            Ele ficou em dúvida. Participar de um teatrinho, como príncipe, com um bando de garotas era mico demais. Mas ela pedia com um jeitinho tão doce que dava vontade de aceitar. Mas não tinha coragem.
            _ Diga que sim. _ Insistiu a garota. _ Ou pelo menos, diga que vai pensar.
            _ Vou pensar. – Ele prometeu, já certo que não aceitaria, mas acabou aceitando. O que não fazia por Anabel?

            A peça falava qualquer coisa de madrasta malvada, filha boa, filha má, príncipe e fada. Mas Fernando não queria pagar mico sozinho e inventou mensageiros e até um rei. Os colegas toparam a brincadeira.
            Aline se casaria com o Príncipe, claro. Helena ficou com o papel de fada. Romão se aborreceu por não ser a princesinha e largou a peça. Suely e Carmem ficaram com o figurino, a maquiagem e o cenário. Anabel achou de bom tom escolher o papel de madrasta. Não ia ficar disputando papel de heroína principal com Aline. Ia perder mesmo. Laís aceitou ser a filha má.
            Começaram os ensaios, que foram poucos, por não haver tempo hábil. Anabel quis escolher o seu próprio figurino. Num dos ensaios, provou toda a vestimenta, para que Suely e Carmem aprovassem.
            Saiu dos quarto dos pais de Helena com a roupa, as meninas aprovaram. Fernando estava na sala.
            Ele ficou boquiaberto com o que viu. Ela, sempre desengonçada e feia, com aquele figurino exótico e antigo, estava linda. A roupa lhe caía bem. Broxes vermelhos, presos na gola de blusa antiga, lhe dava um ar de pintura do século passado.
            _ Parece uma “filhastra”. _ Disse finalmente.
            Anabel sorriu. Não disse nada, mas entendeu o elogio. Viu a aprovação em seus olhos, sabia que com aquilo, ele queria dizer que parecia uma filha e não madrasta, porque estava bonita.
            Foi pra casa pisando nas nuvens, naquele dia. Era a primeira vez que ele dava a entender que a estava achando bonita.







CAPÍTULO X


            O dia tão esperado da peça chegou. As criancinhas do orfanato estavam muito alegres com os brinquedos que ganharam e com todas as brincadeiras organizadas pelos meninos.
            Era um orfanato só de garotos. Era a primeira vez que Anabel colocava o seu pé em um. Nunca tinha estado de frente para esta dura realidade da vida. Seu coração doeu de saber que crianças poderiam ser esquecidas em um lugar, sem pai ou mãe.
            Como seria ir dormir, sem ter alguém que o cobrisse de noite. Que lhe beijasse a testa como fazia o pai e a mãe? Era filha única. Em toda sua vida desejara ter irmãos. Imaginava como seria ter um irmão mais velho, como Helena. Que a defendesse quando algum garoto mexesse com ela. Ele lhe daria uma surra e a diria para nunca mais maltratar sua irmã. Deus! Quantas vezes desejara que este irmão existisse.
            Em outras vezes. Desejava ter uma irmã mais nova, quase de sua idade, como Elaine, sua prima, tinha. Eline era apenas um ano mais nova que Elaine. Elas iam juntas para a escola, para as festas. Dormiam no mesmo quarto e não tinham segredos uma para a outra.
            Eram tão unidas que casaram no mesmo dia. O engraçado era que tiveram bebê no mesmo dia. Rômulo e Patrícia estavam sendo criados como quase gêmeos.
            Como Anabel desejou ter uma irmã a quem pudesse fazer confidências, que conhecesse todos os seus segredos. Que passeasse com ela e tivesse os mesmos amigos. Mas esta irmã também não existia.
            E agora estava ali, diante daqueles garotos que não tinham pais. Nem pai, nem mãe, nem casa e muito menos individualidade.
            Um garotinho lhe chamou a atenção. Era tão pequeninho. Tinha um sorriso tão lindo, devia ter uns três anos, no máximo quatro. Era do tipo que não sorri apenas com a boca, mas também com os olhos. Como alguém tinha coragem de largar uma criança tão bonita num orfanato?
            _ Qual é o seu nome? _ Perguntou Anabel.
            _ Hernane. _ Ele respondeu. _ Com os olhos que sorriam, abraçado a um coelhinho de pelúcia que Anabel trouxera.
            Empenhara-se em trazer coisas. Mais brinquedos do que comida. Mas estivera tão empenhada com a peça, que pensou que poderia fazer muito mais. Nada do que tivesse feito seria suficiente para aplacar a dor que estava no seu peito.
            A professora chamou. Era a hora de trocar de roupa para  começarem a peça.     
            Eles improvisaram um palco no refeitório. Suely e Carmem era perfeccionistas. Trouxeram até uma cortina da mãe da Suely.
            Anabel, como as outras, estava nervosa. Aline estava impecável. Fernando, um verdadeiro príncipe. Eles tinham combinado que não haveria beijo na peça. Era um pedido de Aline. A professora achava também que seria melhor assim. Ia haver apenas um abraço.
            Todos estavam a postos e a cortina já ia ser aberta.
            _ Como você vai abraçar a Aline? _ Perguntou Anabel para Fernando.
            _ Anabel, não é hora para crise de ciúmes. _ Intrometeu-se Laís.
            Anabel ficou com a cara quente de vergonha. Laís tinha razão. Talvez também estivesse enciumada, mas não descera do salto como fizera Anabel.
            Ela estava com ciúmes. Riu por dentro Fernando. Apesar de também estar nervoso com a peça. Teve vontade de abraçá-la e lhe tascar um beijo de novela. Mas beijos eram proibidos naquela peça. Quer com princesinhas, quer com madrastas enciumadas.
            A peça começou e terminou bem. Fernando ficou tão nervoso que nem abraço teve. Aline entrou na peça mancando. Carmem errara no número do sapato. “Entre mortos e feridos, salvaram-se todos.”
            Teve casamento no final da peça, celebrado por um rei de coroa de papel laminado, por falta de um sacerdote. Um garoto da sala de Fernando, que era o goleiro do time, se prestara a este papel. Os meninos até que estavam achando tudo divertido. Júnior, o rei, riu muito. Depois do final da peça, disse para o Fernando:
            _ E o rei, vai ficar solteiro? Vamos arranjar um casamento aí. Cadê a madrasta?
            Anabel sorriu por dentro. Dentre as meninas que sobraram: fada e irmã má, ele escolhera ficar com a madrasta. Ponto para Anabel.
            Mas Fernando não gostou da idéia e deu um tapa na coroa do rei.
            _ Sai pra lá, mané. Ninguém vai casar com a minha sogra.
            Os dois riram.
            Ninguém podia ficar com Anabel. Fernando pensou. Nem de brincadeira. Anabel gostava dele. Era só dele.      





























CAPÍTULO XI



            _ Mas tão já? _ Perguntou Marilene para Milton. _ Nós bem mal chegamos.
            _ Vai ser rápido. É uma oportunidade de ouro. Vai ser melhor para nós, amor.
            _ Nós quem, Milton?
            _ Não fica assim, amor. É um lugar maravilhoso. Tem praias lindas! Anabel vai gostar muito.
            _ Você sabe muito bem que ela nunca gosta. Logo agora que ela parecia tão feliz! Arranjou tantas amiguinhas no colégio. Parece outra menina.
            _ Ela vai arranjar outras amigas lá também. É uma questão de tempo. Tudo se ajusta.
            Marilene suspirou. Não adiantava nada reclamar. Ela já sabia como seria sua vida quando se casara com ele. No começo parecera tão divertido. Mas logo as constantes mudanças começaram a cansá-la. E a filha sempre ficava abalada com as constantes mudanças. Chegar aqui e ali, como um barquinho sem rumo, que nunca encontra um porto seguro para atracar.
            _ Está bem. Quando contaremos a ela?
            _ Amanhã ou depois. Você decide. Sabe lidar com ela melhor do que eu.
            _ Vamos falar com ela amanhã bem cedo. Não é uma boa idéia ficar protelando um problema.
            _ Não se trata de um problema. Encare isso como uma boa oportunidade. Vai ser melhor para todos nós.






Ia começar tudo de novo. Mudar de escola, fazer novos amigos. Por que tinha que ser desse jeito? E se nunca mais visse Fernando?
            _ Não fique assim, Anabel. _ A mãe passou a mão nos seus cabelos. _ Desta vez é por menos de um ano. Seu pai só vai fazer um curso que dura alguns meses. No ano que vem estaremos de volta. Você pode voltar para a mesma escola. Para a mesma turma. Vai se formar com eles.
            Ter que entrar em outra escola quase no meio do ano. Os grupos já estariam formados. O que ia fazer de sua vida?
_ Onde vamos morar, desta vez?
            _ Santa Catarina.
            _ É muito longe, pai.
            _ Vai ser bacana, filha.
            O pai era sempre assim. Otimista até demais. Para ele, qualquer novidade era mais do que bem vinda.
            _ Por favor, pai. Eu não quero ir.
            _ Você vai gostar de São Francisco do Sul. Fica no litoral norte de Santa Catarina.
_ Não quero, pai.
_ É uma cidade histórica e tem praias. Você vai amar.



            _ O que você tem?_ Perguntou Laís.
            _ Nada.
            _ Como nada, Anabel?  Está com os olhos e nariz vermelhos. Andou chorando, não foi?
            _ Por que estava chorando? _  Perguntou Romão preocupada. _ Está passando mal?
            _ Claro que não, Romão.
            _ Então o que foi? _ Perguntou Helena.
            _ Deve estar com saudades do seu irmão. _ Disse Aline rindo.
            _ Não é nada disso, gente. É que vou ter que me mudar outra vez.
            _ Ah, não, Anabel. _ Disse Helena. _ Você não pode largar a gente.
            _ Não mesmo. _ Disse Laís revoltada. _ Vai largar os estudos no meio. _ Diga para o seu pai que você fica na minha casa.
            _ Isso mesmo. _ Apoiou Romão.
            _ Claro que os meus pais não vão deixar, gente. E eu não vou largar os estudos. É só pedir transferência.
            _ Pra onde você vai? _ Perguntou Suely.
            _ São Francisco do Sul.
            _ Onde fica? _ perguntou Romão.
            _ Fica em Santa Catarina.
            _ É legal lá? _ perguntou Laís.
            _ Não sei. O meu pai disse que é.
            _ Vamos sentir muito a sua falta, amiga. _ Disse Helena. _ Mas pode deixar que eu escrevo para você.
            _ Todas nós vamos escrever. _ Disse Laís. _ Todos os dias e você nem vai ter tempo para responder.
            As meninas riram, mas todas estavam tristes. Iam sentir falta de Anabel. Ia ser estranho ter o grupo com uma menina faltando.

 


            _ Anabel vai se mudar. _ Disse Helena de repente pra Fernando.
            Ele levou um susto.
            _ O que disse?
            _ Disse que Anabel vai se mudar.
            _ De novo? Ela não está aqui há pouco tempo.
            _ Está. O pai dela é militar. Eles se mudam o tempo todo. Levam uma vida de ciganos.
            _ Que barra! Como ela está?
            _ Triste. Não queria ir.
            _ Vai ser já.
            _ Acho que no mês que vem.
            _ E a escola. Vai largar?
            _ Claro que não. Ela vai pedir transferência.
            _ Chegar à escola depois que os grupos estão formados não deve ser mole.
            _ É mesmo.
            Percebeu que o seu coração estava acelerado. Como podia estar assim por uma garota. Logo uma garota como ela. Não queria que ela fosse. Como seria a bagunça de sempre sem ela? Era tão divertida. Se ao menos fosse bonita como Aline. Alguém como Laís já servia. Mas não ela.
            Um mês ainda era muito tempo. Dava pra ficar com ela. E se ela fosse para muito longe? E se não voltasse nunca mais? Namoros à distância não costumavam dar certo. Namoro?! O que estava dizendo?! Não queria ser namorado dela. O que os outros iriam dizer. Não queria que ninguém, nem em sonhos soubesse que ele estava apaixonado por ela. Apaixonado?! Estava apaixonado por ela? Pra ele não precisava mentir. Estava apaixonado e pronto. Culpa daqueles olhos que o prendiam e faziam dele o que queriam. Se ela fosse embora, melhor assim. Não ia pagar o mico de ser namorado dela. Não ia mesmo.
            Mas o que tinha isso? Não estudava mais naquela escola. Não era mais o capitão do time de futebol. Podia fazer o que quisesse. Ninguém tinha nada com isso. Apaixonado por Anabel. Como isso fora acontecer? Não por aquela garota. Podiam ficar juntos por este mês que restava e então ela iria embora. Talvez até fosse melhor assim. Se fossem namorados, toda essa neura acabaria e tudo voltaria ao normal.
            Mas se não voltasse? Se não desse certo? Por que ela tinha que ir embora? Por que não era normal como todas as outras pessoas? Por que tinha de ser tão diferente? E se fosse igual? Será que lhe chamaria tanto a atenção?
            Olhou para Helena, que agora prestava atenção de novo na novela e nem parecia se dar conta do que o consumia por dentro. A amiga ia embora e ela estava ali, totalmente calma, como se nada de importante estivesse acontecendo. Como se Anabel entrar e sair de suas vidas como um vento que entra por uma janela e sai por outra não fosse nada demais.
            _ Não está triste?
            _ O quê? _ A irmã olhou para ele.
            _ Não está triste porque a sua amiga vai embora?
            _ Claro que estou, Fernando. A Anabel é tão legal. Vou sentir muita falta dela. Acho que todos nós vamos, não é?
            _ É. _ Ele disse simplesmente.
            De repente levantou-se e disse para a irmã:
            _ Vou dar uma volta. Diz para os velhos que não demoro.
            Saiu e andou um pouco pela rua. Não procurou nenhum amigo. Não queria que ninguém percebesse que estava de bode por uma garota.
            Voltou para casa. Helena já dormia. E se ligasse para Anabel? É claro que Helena tinha o telefone dela. Mas como pediria isso pra irmã? Não podia dar essa bandeira. É claro que ela sacaria tudo. E se pegasse sem ela saber? Não podia fazer isso. Não tinha coragem de mexer nas coisas da irmã.
            Era melhor se deitar logo de uma vez. Não adiantava ficar naquele sufoco. Ligar para Anabel e dizer o quê? Que estava apaixonado por ela, mas que não tinha coragem de ser seu namorado? Isso não era coisa de homem e ele já era um homem. Não era um moleque. Não mesmo.
            Era melhor deixar tudo como estava e dar tempo ao tempo. Eles já não se viam todos os dias, como no ano passado e agora que ela estava indo embora, ele a esqueceria rapidinho. Estava acertado. Não iria mexer num formigueiro.
            Menos de duas semanas depois ela partiu para morar em um outro estado. Nem ao menos se despediram. Não podiam mais se ver todos os dias na escola, como no ano anterior. Mas as meninas sempre estavam lá.
            Ela partiu sem ao menos lhe deixar um recado e ele ficou pensando que talvez nunca mais a visse. Era melhor assim. Tiraria aquela garota finalmente de sua cabeça.










































CAPÍTULO XII




O primeiro dia de aula para Anabel. Transferida quase no meio do ano. Aquilo era injusto. A escola era bonita, mas não se sentiu bem ali. Já adivinhava que teria problemas.
Anabel entrou na sala de aula. Teve vontade de sair correndo. Entrar numa turma de segundo ano nesta altura do campeonato era uma loucura. Ela sabia que ia ser pedreira.
Entrou e sentou-se numa cadeira no fundo da sala. A turma era barulhenta. Alguns estranharam o fato dela entrar na sala, mas ninguém fez nenhuma pergunta.
A professora entrou com cara de poucos amigos. Tentava falar e ninguém deixava. Deus! Aquilo parecia um pesadelo.
Um garoto louro não parava de falar. Levantada a todo tempo. Dizia gracinhas. Será que era sempre assim? Não gostou dele de cara. Conhecia tipos como aquele. Tão logo descobriria um apelido para ela e não mais a deixaria em paz. Que saudade da outra escola. Que saudade do Fernando. Ele jamais faria algo do tipo com ela.
_ Vamos fazer um trabalho em grupo. _ Propôs a professora. _ Dividam-se em grupos de quatro.
Anabel sobrou. Mas isso ela já sabia. Não conhecia ninguém e nenhuma menina lhe estendeu a mão. Anabel já estava acostumada. Mas nem por isso doía menos.  Só não contava que sobrasse para ela a dupla rejeitada por todos. O garoto louro e o amigo. Formavam uma dupla intragável. Ela teve que se juntar a eles, por ordem da professora.
Um nó subiu em sua garganta. Fazer um trabalho de grupo com aqueles garotos?! Ela não merecia. Não no primeiro dia. A professora só podia estar brincando. Ela entregou o texto na mão de Anabel. Os outros dois não estavam nem aí.
Era melhor puxar algum assunto ou não ia rolar nenhum trabalho.
_ Oi, sou Anabel. _ Ela disse num fio de voz. _ E vocês?
Os dois a mediram de cima a baixo e o louro falou:
_ Eu sou o Alex e este Guri é o Fred.
_ Vamos começar a ler o texto? _ Ela propôs.
Eles não falaram nada. Apenas ficaram olhando para ela com cara de quem está diante de um ET.
Ela começou a ter o texto em voz alta. Mas eles não estavam nem aí. Olhou para eles. Tinham uma cara debochada. Tudo de novo! Pensara que tinha se livrado disso.
O trabalho não andava. Parecia que ela estava lendo para as paredes.
Alex cochichou algo no ouvido de Fred. Os dois riram. Só podia ser dela. Mas não falou nada. Não queria confusão no primeiro dia de aula.
_ Tu falas muito engraçado, guria. _ Disse Alex, não se contendo.
_ Você é quem fala engraçado, guri. _ Disse Anabel enfatizando a palavra guri.
Eles riram novamente. Anabel teve vontade de sair correndo. Logo no primeiro dia! Por que o pai sempre fazia aquilo com ela?
Voltou a ler. Mais baixo, quase que para si mesma. Não estava nem aí para aqueles moleques.
_ Vou ao banheiro. _ Disse Alex, levantando-se.
Ele falou com a professora e saiu. Ela não parecia gostar dele também. Deixou ir sem nenhum problema. Parecia querer vê-lo pelas costas.
Ela e Fred começaram o trabalho. Na verdade ela começou, Fred não contribuía com muita coisa. Na verdade, com quase nada. Mas pelo menos estava lá. Enquanto Alex parecia ter esquecido da vida.
_ O guri está demorando, não achas?
_ Não pense que vou colocar o nome dele no trabalho se ele não fizer nada. _ Disse Anabel, com uma fúria que desconhecia. _ Vai buscar o seu amiguinho.
_ Vai tu, guria. _ Disse Fred, recostando-se na cadeira.
Que raiva daquele garoto também. Não fazia nada e nem pra buscar o amigo servia. Se ficasse ali, acabaria pulando no pescoço dele.
_ Vou mesmo. – Disse entregando a folha ao rapaz. _ Vai terminado aí.
Geralmente era mais cordata. Mas estava detestando aqueles dois.
Pediu licença à professora e saiu. Precisava mais esfriar a cabeça do que achar Alex.  Foi ao bebedouro. Uns meninos jogavam futebol no pátio. Alex simplesmente estava sentado, assistindo o jogo. Como se não tivesse mais nada para fazer. Mas isso não ia ficar assim mesmo. Foi até ele.
_ Se você quer ficar aí se divertindo, pode ficar. Mas nem pense que vou colocar o seu nome no trabalho.
_ Qual é, guria? _ Disse Alex com a mesma cara cínica. _ Já estou indo.
Ela virou as costas e ele veio atrás dela. Ganhou um inimigo. Ela sentia. Por que os garotos faziam aquilo? Não podia entender.
Com Fernando fora diferente. Ele lhe dava atenção. Por que o pai tinha que viver pulando de galho em galho? Não estaria tão infeliz agora.
Entrou dentro da sala e arrancou a folha de Fred. Ele não escrevera uma linha. Olhou para ele. Fuzilando-o com o olhar. Não adiantava. Eles que ficassem pra lá. Meninos! Ia fazer o trabalho sozinha.
Os garotos brincavam o tempo todo. Anabel tinha vontade de chorar. Mas não ia dar este gostinho a eles.
Terminou o trabalho e colocou o nome dos dois. O sinal bateu e ela voltou pro seu lugar. Na hora do recreio ficou sozinha. Não abriu mais a boca, durante toda aula. Quando o sinal bateu, avisando o fim das aulas, se sentiu aliviada. Odiou aquela escola. Odiou aqueles garotos. Queria nunca mais colocar os pés naquela escola. Mas sabia que não podia fazer aquilo.     
    














_ Vamos fazer um passeio filha. _ A mãe chamou.
Nada parecia tirar a filha daquela tristeza.
_ Para onde vamos?
_ Um amigo de seu pai nos convidou para um passeio de lancha. _ A mãe explicou. _ Na entrada da Barra tem um arquipélago. É para lá que nós vamos.
_ O arquipélago da Graça?
_ Como sabe?
_ Uma menina da escola falou sobre ele.
_ É formado por diversas ilhas, Nós vamos à principal. A Ilha da Paz, Não é legal?
Anabel não estava muito animada.
_ Parece.
_ Se anima, filha. Lá tem um farol que foi construído em 1905. Era para orientar os navios que chegam ao Porto. Ele ainda funciona, sabia?
            _ Não.
            _ Então vamos.
            _ Está bem.
            Eles também foram a um porto.
_ Este é o quinto maior porto brasileiro em movimentação de contêineres_ Disse o pai com orgulho. _ Parecia até que era um filho da cidade.
O pai era sempre assim. Adaptava-se como um camaleão em todo lugar que chegava. Quem podia dizer que ele não pertencia àquela cidade.
_ Muito interessante. _ Disse Anabel, sem o mínimo interesse.
_ Você sabia que é o melhor porto natural do sul do nosso país? _ Continuou o pai. _ Ele iniciou suas operações em 1920.
Não queria saber de nada disso. O fato era que nunca mais iria vê-lo. Por que o pai tinha de se mudar tantas vezes? Perder todos os seus amigos. Nunca mais veria Fernando. Tinha certeza disso.


O passeio não foi ruim. Anabel chegou até a se esquecer de suas tristezas. Chegou um pouco atrasada na escola. Todos já estava lá. Alex a viu e sorriu. Aquele mesmo sorriso zombeteiro que os garotos costumavam lhe lançar. Só Fernando não era assim.
Alex  passou pela porta. Anabel estava irritada e cansada. Começara tudo de novo. Tinha horas que tinha vontade de socar aquele garoto.
_ Te amo, Anabel._ Ele disse com o ar zombeteiro de sempre.
Aquilo já estava passando dos limites.
Simone riu. Todos riam quando ele fazia aquilo com ela.
Ele tentou a abraçar. Por um segundo, Anabel pensou que se o abraçasse também, estaria sendo superior a ele. Mostraria que não estava nem aí para as gracinhas dele. Mas não podia. Não aceitava aquele tipo de brincadeira e o empurrou, como sempre fazia.
Mas talvez tivesse levado muito tempo entre decidir se o abraçaria ou não. O problema é que talvez estivessem muito próximos por tempo demais e a turma notou. Já tinha muita gente na sala. A turma fez êêê em coro e ela ficou com raiva dele. Mais uma vez ele vencera. A fizera de tola.
O pior de tudo era que realmente tivera vontade de abraçá-lo. Um garoto como aquele? Devia estar ficando maluca.
Será que estava atraída por ele? Não era possível. Não aquele garoto. Por que ele fazia aquilo com ela? Quanto sofrimento. Que vontade de voltar para o Rio, ter suas amigas de volta. De ver Fernando novamente. Quanto tempo duraria aquele suplício?


Ficou pensando nele. Devia tê-lo abraçado. Ele é quem teria ficado sem graça. No outro dia foi para a escola com o firme propósito de dar-lhe o troco. Retocou o batom. Ainda ia dar um beijo nele e deixar o seu rosto marcado de batom. A turma não perdoaria. Seria a vez dele de servir de chacota para os outros.
Quando ela entrou na sala, ele já estava lá. Com a mesma cara zombeteira de sempre. Logo que a viu, riu e lhe disse bem alto, para que a turma toda ouvisse:
_ Eu te amo, Anabel. _ E deu a mesma gargalhada de sempre.
_ Também te amo, Alex.
Mas todos riam dela. Ele não veio abraçá-la e ela não pode concretizar o seu plano de humilhá-lo em público, como ele sempre fazia com ela.
Sentou-se a abriu o livro de Português em uma página qualquer. Na verdade sentiu-se decepcionada. Não pudera dar o troco que quisera. Não conseguira realizar a vingança que arquitetara.
A quem estava querendo enganar? Ficara triste por que não conseguira se vingar ou por que eles não tinham se abraçado? Era melhor tirar aquele garoto da cabeça. Já tinha problemas demais e não precisava de mais um.


























CAPÍTULO XII



_ Vamos pegar onda? _ Perguntou Simone.
_ Como? _ Anabel não esperava por aquele convite.
_ Tu não queres pegar onda, guria? Pega a tua prancha.
_ Eu não tenho prancha. _ Disse Anabel.
_ Não tens prancha? _ A outra se espantou. _ Tu não és do Rio?
Nascera no Rio sim, mas era mais de todo lugar do que de lá. Era como alguém sem pátria. Não tinha a amiga de desde a infância. O time de futebol. O lugar de sempre. Não tinha raízes.
_ Nunca peguei onda.
_ Como não?
_ Não vou tanto à praia assim.
_ Não tem importância. _ Disse a outra. _ Minha irmã está na faculdade. Eu pego a dela pra você.
_ Ela não vai se zangar?
_ Ela não tem tempo mais pra nada. Que dirá pegar onda.
_ Não sei surfar. Como vou conseguir ficar em pé em cima de uma prancha?
_ Nem eu vou ficar. Que guria mais estranha. Na sua terra não tem prancha de bodyboard?
_ Aquela prancha de pegar onda deitada? _ perguntou Anabel.
_ Isso aí.
_ Tem. Mas mesmo assim, nunca tentei.
_ Pois vai tentar agora. Depois da aula, nós vamos. Almoça lá em casa, pra gente ganhar tempo.
_ Mas eu estou sem biquíni.
_ Ninguém pega onda de biquíni . Só se quiser ficar com a barriga toda ralada.
_ Toma banho de roupa?
_ Mais ou menos. Coloca o biquíni por baixo e toma banho de short e camiseta.
_ Nem morta!
_ Vai querer pegar onda de biquíni. Vai fazer filha de guri pra ver você tomar caixote só de biquíni.
_ Eu vou tomar caixote?
_ Nem sempre dá pra evitar.
_ Acho melhor eu desistir.
_ Deixa de ser boba, guria. Caixotinho de nada.
_ Então temos que passar na minha casa pra pegar o biquíni e a roupa.
_ Não precisa. Minha mãe tem uma confecção de roupas de banho. Você pode escolher o que quiser. E pode botar a bermuda da educação física.
_ Vou entrar na água de uniforme?
_ Claro que não. Te dou uma camiseta “Estive em Francisco do Sul e lembrei de você.” A mãe comprou de montes pra vender junto com as roupas de banho num evento que teve aqui no ano passado. Daí que ficaram encalhadas.
_ É feia?
_ Tu vais ganhar de presente e ainda vai reclamar?
_ Não. Eu posso pagar. Só não tenho dinheiro agora. Mas meu pai me dá e eu te dou amanhã.
_ Pode esquecer. A mãe não vai aceitar mesmo. Ela dá mais roupa do que vende. Se não fosse o emprego do pai, ia ficar difícil. 
_ Sua mãe não vai zangar?
_ Não, não vai zangar. _ Disse Simone imitando o sotaque de Anabel. _ Que guria mais medrosa. Onde você mora. Em um quartel?
Simone não estava muito longe disso. Era mais ou menos assim. Ela era como Helena, que podia decidir, sem consultar a ninguém de levar alguém para almoçar na sua casa. Era como se ela fosse dona de sua própria casa. Como se não tivesse que obedecer a regra nenhuma. Será que não conheciam hierarquia?
Do que ela estava falando? Hierarquia era coisa de um quartel. Talvez Simone tivesse razão. Anabel morava em um quartel. Iria aprender a pegar onda. Será que sua mãe deixaria?
_ Está bem. _ Concordou por fim, Anabel. _ Vou telefonar para pedir pra minha mãe.
Telefonou para a mãe pedindo permissão. Teve que contar que iria aprender a pegar onda.
_ Aprender a surfar? _ Assustou-se a mãe. _ De jeito nenhum. Não quero você de pé em cima de uma prancha.
_ Não vou ficar de pé, mãe. É bodyboard. A gente pega onda deitada. Minha colega me disse que aqui, até as crianças fazem isso.
_ Está bem. _ Disse a mãe. _ Mas tenha cuidado.
Não que gostasse de saber que a filha estava se metendo dentro do mar, com prancha e tudo. Mas era a primeira vez que a via animada com alguma coisa, desde que se mudaram para lá. Vivia amuada pelos cantos e era a primeira vez que saía com uma amiga. Não podia privar a filha disso. Aquelas constantes mudanças eram difíceis para ela. Quanto mais para a filha, que era apenas uma adolescente.   


Suzana, a mãe da Simone era legal. Não se importou que a filha levasse uma amiga para almoçar. Conversou com Anabel.  Interessou-se por suas andanças. Não era como as outras mães, que deixam as filhas com as amigas pra lá. Ela conversava junto. Era alegre, expansiva. Ria muito.
Ela trouxe vários biquínis para Anabel escolher. Trouxe várias camisetas também. Não aceitou de jeito nenhum que Anabel mandasse o dinheiro no outro dia por Simone.
Ao contrário do que pensara, as camisetas eram bonitas. Anabel não podia entender por que ficaram encalhadas. Escolheu uma amarela com letras vermelhas. Iriam ficar bem com a bermuda azul marinho do colégio. No final, nem parecia que era uniforme. O biquíni era um dos mais simples. Já que ia sair de graça, não pegava bem que escolhesse um dos melhores. E já que ia ficar por baixo da roupa mesmo, que diferença fazia?
O almoço estava muito bom. A mãe de Simone, além de legal, era excelente cozinheira. 
_ Descansem o almoço um pouquinho. _ Era disse para as meninas.
Mãe é tudo igual, pensou Anabel, só muda de endereço.
Elas ouviram um pouco de música. Gostou da casa de Simone. Era colorida, com um estilo praiano. Era como se a amiga estivesse o tempo todo de férias.
Suzana chegou com a prancha da filha mais velha e entregou pra Anabel.
_ Pronto. _ Ela disse. _ Já podem ir.
_ Sua filha não vai se aborrecer? _ Preocupou-se Anabel.
_ De jeito nenhum. Pode ir.



A praia estava cheia. O dia estava cheio de sol. Crianças faziam castelos de areia.
_ Vamos cair na água, guria.   
_ Estou com um pouco de medo.
_ Não vai dar pra trás agora. Vamos que vai dar tudo certo, guria.
Anabel tomou coragem e foi.
_ Hoje só tem marolinha. _ Disse Simone. _ Está ótimo pra uma iniciante.
Simone lhe explicou como fazia. Era muito fácil. Como ela dizia. Anabel queria ver na prática.
_ Você vai primeiro, pra eu ver como é.
_ Está bem. _ Aceitou Simone.
_ Você fica de lado com a barriga na prancha esperando as ondas que vem lá de baixo. _ Disse apontando para o horizonte. _ Se a onda tiver com um tamanho legal, você vira em direção da praia e coloca o corpo mais pra frente e acaba de subir na prancha. Daí é só partir pro abraço. Essa tá legal. Tô indo nessa, guria.
Simone foi levada pela onda e chegou até na areia da praia. Devia ser muito legal. Ela iria tentar também.
Quando a amiga voltou, Anabel decidiu que esta seria a sua hora.
_ Vamos. _ Disse com uma súbita coragem.
_ Está bem.
As duas se posicionaram.  
_ Vamos pegar aquela lá de trás. _ Disse Simone.
_ Ok.
Quando a onda chegou perto dela, parecia meio desmanchada.
_ Vamos. – Perguntou Anabel.
_ Não vai dar. _ Disse Simone. _ A onde encheu. Vamos esperar outra.
A onda veio e Anabel fez tudo como ensinara Simone, mas ficou no meio do caminho. Levou um caixote, como temia. Saiu rolando por dentro da onda. Teve muito medo, mas depois tudo, acabou achando graça.
Simone foi parar lá na areia de novo. Fizera tudo direitinho. Não sabia por que não dera certo.
_ Venha. _ Disse a amiga. _ Vamos pegar outra.
_ Mas eu não consegui. _ Disse Anabel decepcionada. _ É assim mesmo, guria. Todo mundo leva caixote. Até quem é veterano.  Tu acabas pegando a manha.
Elas tentaram mais algumas vezes e finalmente Anabel parou na areia com Simone. Aquilo era muito legal. Iria pedir seu pai para comprar uma prancha pra ela.
Sentaram na areia para descansar um pouco. De repente Alex apareceu.
_ Como está o mar?
_ Tri legal. _ Disse Simone.
_ A carioca é boa? _  Perguntou como se ela não estivesse ali.
_ É a primeira vez dela. _ Disse Simone. _ Mas está indo muito bem.
_ Lá no Rio não tem praia? _ Espantou-se Alex.
_ Eu ia à praia. _ Resolveu que estava mais do que na hora de participar da conversa. _ Só não costumava pegar onda.
_ Gostou? _ Perguntou Alex, enquanto sentava-se a seu lado.
_ É muito legal.
_ Não vai pegar onda? _ Perguntou Simone.
_ Deixei minha prancha na casa do meu tio.
_ Pode pegar a da irmã da Simone, se ela não se importar. _ Disse Anabel querendo ser agradável. _ Vocês podem ir. Eu fico daqui olhando.
_ Bodyboard? _ Ele perguntou com um muxoxo. _ Isso é coisa de garotinhas.
_ Tem muito guri que faz boyboard. _ Disse Simone.
_ Mas os homens surfam em pranchas de macho.
_ É revoltante como você é preconceituoso. _ Disse Simone. _ De onde foi que você tirou uma idéia dessas? Então fica torrando aí na areia, camarão. Que eu e a Anabel vamos pegar muito jacaré.
Elas foram para o mar e quando voltaram, ele já não estava mais lá. Não havia o que fizesse. Nunca conseguia travar uma conversa civilizada com ele.




_ Pai. _ Pediu Anabel na hora do jantar. _  Você compra uma prancha pra mim?
_ Nunca! Não quero filha minha de pé em cima de uma prancha.
Ele parecia a mãe falando mais cedo.
_ Não vou ficar de pé, pai. Eu já expliquei pra mamãe. É bodyboard. A gente pega onda deitada. Já fui com a minha colega. É muito fácil. Estava cheio de crianças fazendo a mesma coisa.
_ Não sei não. Vou pensar.
Anabel ficou desanimada. Quando ele dizia que ia pensar era porque não ia fazer. Terminou o jantar e foi logo se deitar. Estava muito cansada. Era uma pena. Seria bem legal ter uma prancha.




Mais tarde,  a mãe conversou com o marido.
_ Milton.
_ O que foi, Marilene?
_ Também não gosto de saber que a nossa filha está se metendo dentro do mar, com uma prancha. Mas pensa bem. Hoje foi a primeira vez que a vi animada com alguma coisa, desde chegamos aqui. Já estava me dando nos nervos vê-la amuada pelos cantos da casa.
_ Mas precisa ser algo tão perigoso assim?
_ Ela mesma disse que tinha um monte de crianças fazendo a mesma coisa.
_ Não sei, não.
_ Além do mais, foi a primeira vez que a vi sair com uma amiga. Você sabe que essas constantes mudanças são difíceis para ela. É apenas uma adolescente.
_ Está bem. _ Disse Milton. _ Amanhã eu dou o dinheiro. Mas diga para ela ter cuidado.   
_ Eu digo. _ Disse a mãe com um meigo sorriso.
Ele era bravo, mas ela sempre tinha um jeito de dobrá-lo.











































CAPÍTULO  XIV




_ Vamos fazer uma excursão. _ Disse a coordenadora._ Vamos visitar uma fábrica de refrigerantes.
Todos aplaudiram.
_ Mas já estou avisando que quer não se comportar já está cortado. _ Disse a coordenadora lançando um olhar significativo para Alex e Fred.
_ Daqui pra frente os guris vão se comportar como duas prendas. _ Disse Simone.
_ Duvido muito. _ Disse Anabel.
_ Tu vais? _ Perguntou Simone.
_ Se o meu pai e a minha mãe deixarem.
_ É claro que eles vão deixar.
_ Deve ser bem legal visitar uma fábrica de refrigerantes. Você já foi.
_ Umas três vezes.
_ Que barato! Como é? Eu nunca fui.
_ Nada demais. Eles deixam a gente ver os maquinários. Mas a maior parte do tempo tu passas num auditório ouvindo uma palestra. Propaganda pura. O legal é que tu podes tomar refrigerante de graça.
_ Mesmo?
_ O quanto quiseres, guria.
Anabel ficou imaginado como seria visitar uma fábrica de refrigerantes. Imaginou todo mundo espichando uma caneca pra pegar refrigerante direto de uma torneira.
Como Simone predissera, Alex e Fred se comportaram como duas verdadeiras moças. Não fizeram nada de errado.   
No dia marcado, partiram bem cedo para a fábrica. O ônibus estava cheio. Todo mundo não parava de brincar. Fred e Alex, sentados na última poltrona, já voltaram a ser os mesmos de sempre.
Tudo ocorrera como Simone relatara. Com a diferença de não ter a torneira que Anabel imaginara, os refrigerantes eram servidos em garrafas, as mesmas que Anabel adquiria todos os dias na cantina do colégio.
Eles ofereceram mais refrigerantes, mas apenas Fred topou uma segunda rodada. Não fora o que esperava, mas era melhor do que estar na escola.
A excursão acabou e todos entraram no ônibus. A bagunça recomeçou geral.
Depois todo mundo sossegou e passaram a admirar a paisagem ou conversarem num tom civilizado.
A excursão estava terminando. Os meninos voltaram a fazer barulho. Já estavam perto de casa. Alguns alunos começaram a descer do ônibus.
Alex estava lá trás. Anabel e Simone estavam sentadas juntas.
De repente, Fred bateu em seu ombro e falou:
_  O Alex está te chamando, guria.
Anabel olhou pra trás. Ele estava sentado na última poltrona e agora a chamava para ocupar o lugar que fora de Fred.
_ O que ele quer? _ Perguntou Anabel para Fred.
Simone e Fred soltaram uma gargalhada.
_ Quer ficar, guria._ Disse Fred._ De que planeta tu vens?
_ Como assim ficar?!
_ Beijar na boca. _ Disse Simone. _ Lá no Rio os guris não fazem isso?
Sim, faziam, mas ela nunca tinha feito. Imaginara que o seu primeiro beijo fosse uma coisa muito especial. E nos últimos tempos imaginou que quem lhe daria o seu primeiro beijo fosse Fernando. Não o dispersaria o seu primeiro beijo com alguém como Alex, que beijava qualquer garota que aparecesse na sua frente.
Olhou de novo para ele. Sorria, com aquele jeito zombeteiro de sempre.
Será que queria beijá-la realmente ou era apenas uma brincadeira? O que ele ganharia com isso?
_ Fala pro teu amigo que eu não vou ficar com ninguém. _ Disse para Fred.
Ele riu alto e voltou para seu lugar.
_ Por que tu não ficaste com o guri?_ Perguntou Simone.
_ Fica você.
_ Já fiquei. _ Disse Simone.
Anabel ficou espantada.
_ Você gosta dele?
_ Não. Já faz uma pá de tempos, guria.
_ Mas gostava?
_ Gostava. Mas agora não gosto mais. Mas não estou falando de mim. Estou falando de ti. Por que não ficaste? Ele é bem bonitinho.
_ E eu sou feia?  
_ Não quis dizer isso.
_ Mas falou.
_ Quantos meninos tu já beijaste, guria?
Anabel desviou o olhar. Era amiga de Simone, mas não queria dizer para ela que nunca tinha beijado ninguém.
Revirou-se na poltrona.
_ É melhor eu me levantar. Já está na hora de descer do ônibus.
_ Ainda falta um pouco guria. Já desconfiava. Tu nunca beijaste ninguém.
_ Quem te contou?
_ Ninguém. Está escrito nos teus olhos, Anabel. Eles são transparentes como água.
_ Já está na hora de descer.
Anabel foi pra frente do ônibus. Duas meninas estavam no banco de trás. Deviam estar acompanhando toda a conversa, pois de repente ficaram quietinhas. Anabel estava na boca do povo.
Tudo culpa de Fernando. Se ele a tivesse beijado antes, não estaria numa situação daquelas.
Desceu do ônibus e não teve coragem de se despedir de ninguém.
_ Te amo, Anabel. _ Ouviu Alex gritar lá de cima.
Não olhou. Não quis olhar. Se ele soubesse de tudo estaria perdida.
  





CAPÍTULO  XV



Simone não pudera vir naquele dia. Era uma pena. Já estava ficando craque. Pegou algumas ondas e depois foi sentar-se debaixo de uma amendoeira. Não era legal ir à praia sozinha.
Ouviu uma pequena discussão ao seu lado. Quando olho, levou um susto. Alex puxava uma menina pelo braço.
_ Vamos._ Ele chamava.
_ Não. _ Mas ela estava rindo.
Eles estavam perto de uma canoa e ele já estava com os remos na mão. Talvez fosse de algum pescador, pai ou irmão dela. Ela até que emprestava a canoa, mas não tinha coragem de ir com ele, por mais vontade que tivesse.
_ Vamos? _ Ele chamou Anabel.
Ela acenou que não com a cabeça.
Como ele tinha coragem? Não importava com qual menina iria. Para ele tanto fazia. Anabel analisou a menina. Era bonita. Mais que ela, com certeza. Se Anabel fosse Alex, não fazia a troca. Mas pra ele não importava. Que tipo de garoto era aquele?
Como a menina, também tivera vontade de ir. Mas como ela, também se negara a fazer o passeio. Ele não era mesmo do tipo a quem se deve dar a mínima confiança. Nunca conhecera alguém como ele. Era como se fosse desprovido de sentimentos. Os garotos que conhecera antes, não lhe devotavam nenhum tipo de simpatia. Já Fernando, era todo atenções, mas mantinha uma certa distância respeitosa. Já Alex, se mostrara pronto a beijá-la,  sem nenhuma restrição. Mas não vinha nele sentimento algum. A princípio, chegara mesmo a pensar que era só brincadeira. Que ele não tinha vontade alguma de beijá-la. Mas ele queria sim. Será que ele fazia algum tipo de coleção? Mas com ela não colava. Ela não era nenhum tipo de selo.
Mas a menina acabou aceitando e os dois partiram para o mar. O problema era dela. Talvez Alex também fosse algum tipo de selo para ela. Não dava pra dizer que as meninas só beijavam os meninos quando estavam apaixonadas. Algumas meninas faziam com eles o mesmo que eles faziam com elas: Foi muito bom beijar você, mas agora adeus, ou até qualquer dia.   
Resolveu entrar no mar sozinha. O dia estava quente e claro, mas ventava um pouco e fazia frio. Mergulhou, virou cambalhota. A água estava gelada. Lembrou-se de Fernando. O que deveria estar fazendo agora? Será que pensava nela? Era claro que não! Ela não tinha a mínima importância para ele.
Deu algumas braçadas. A água estava mesmo muito gelada. Será que devia ter aceitado o convite de Alex? Não,aquilo não era certo. Por que ele deixaria a menina de lado para sair com ela? O que Alex realmente estava pretendendo. Ele não era como Fernando. Fernando tinha alguma coisa nos olhos que a fazia se sentir diferente. Alex era muito enigmático. Não sabia o que ia por seus pensamentos. Ele tinha olhos de quem não dizem nada.
Resolveu voltar para casa. Não era legal estar na praia sozinha. Até Alex era uma companhia melhor do que nada.   


Olga foi à frente da classe para iniciar o trabalho. Não era bem do tipo popular, uma estranha no ninho,como muitas vezes se sentia Anabel naquela escola.
Olga era estranha, é bem verdade, mas não tanto para receber tantos agravos como recebia.
Os demais do grupo haviam faltado. Uma dor de barriga coletiva? O professor não deu moleza. Ou Olga apresentava sozinha ou ficava sem a nota.
Sentiu que a garota arrastava os pés. Pareceu não dar confiança para os risos. A turma já começava a caçoar antes mesmo da garota abrir a boca. Fabríca parecia liderar as alfinetadas. Logo Fabrícia.Que vontade de rir.Não queria se meter, mas logo Fabrícia. Qual é? A garota não tinha espelho em casa? E porque Olga não a colocava em seu devido lugar?  
A bagunça estava geral. O trabalho havia começado e o professor não falava nada. Olhou nos olhos de Olga. Estava na cara que ela não suportava aquele lugar. Ir à escola não passava de uma obrigação.
Eles depreciaram sem pena e sem dó, sem nenhum motivo aparente. Anabel olhava um por um. Fabrícia, Fred, Alex, cada um tinha uma piadinha para soltar para a menina. Céus, o que uma pessoa tem que fazer para ganhar pontos? Entendeu a dor de barriga coletiva daquele grupo. Apresentar um trabalho naquela turma era o mesmo que ser atirado numa arena de leões.
Olga mantinha-se quase fria.Falava sobre o trabalho. Escorregava aqui, mantinha-se firme ali. Por hora brincava também e em outros despejava respostas cáusticas. Ninguém é de ferro. Olga detestava todos eles. Estava escrito em sua testa.
Fabrícia ficou sem graça, mas não se deu por vencida. Fred calou a boca logo que foi confrontado com uma resposta inteligente em rebate a uma coisa errada que ele julgava certa.
Simone ajudava. Simone era uma boa alma. O trabalho terminou e o professor deu os parabéns.
Anabel sentiu nojo de tudo aquilo. Nojo de seus amigos, se assim os podia chamar, que diziam toda sorte de desaforos a fim de unicamente desestabilizar o trabalho da colega. Nojo do professor que não tinha forças para combater uma turma tão insuportável. Anabel não era cega. Ele também não gostava deles. Ele simplesmente se deixara vencer. Entrava na sala. Comentava a matéria em respeito a quem viera realmente estudar. Recebia outros comentários jocosos e mandava de volta outros, que a turma nem sempre tinha inteligência para discernir. Passava o dever. Fazia a chamada. Vez ou outra olhava para o relógio e só dava um leve sorriso quando o sinal já ia bater.  
O pior de tudo fora o nojo que Anabel sentira dela mesma por não ter defendido Olga. Simone não tivera coragem? Por que Anabel ficara quieta? Sabia a resposta. Era uma covarde. Não podia entrar em atrito com aquela gente. Não era como Simone, a queridinha de todos. Estava do outro lado, como Olga e o próprio professor. Naquela sala, para sobreviver, era necessário matar um leão por dia.
  
CAPÍTULO  XVI




Anabel preparara com afinco o seu projeto de Ciências. Estava determinada a dar o melhor de si. Gostava de fazer suas coisas com perfeição.

_ Já está sabendo, guria? _ Alex perguntou.
_ O quê? _ Espantou-se Anabel.
_ Teu projeto de Ciências.
_ O que tem ele?
_ Não sei se vai rolar. Só tem lugar pra uma apresentação. Vão ter que escolher entre a tua idéia e a da Bianca.
_ Quem te falou isto?
_ A coordenadora.
_ Legal! E o que eu faço com o meu projeto? Jogo fora? Eu estou trabalhando nele há um tempão.
_ Sei lá. Você não começou primeiro? Tem o direito de ficar com a vaga.
_ Eu nem vou falar com a coordenadora. Acho que vou jogar tudo fora.
_ Calma, guria. Não joga nada fora. Resolve tudo primeiro.
_ Valeu pelo toque. Vou resolver isso.
Pediu licença e entrou na sala da coordenadora. Estava trabalhando naquele projeto há um tempão. Se não tivesse apresentação, não ia mais ficar em cima dele.
_ O Alex me disse que só tem espaço para uma apresentação e o que eu vou fazer? A senhora sabe que eu estou trabalhando nele há um mês. A Bianca teve esta idéia na semana passada.
_ Mas a Bianca está tão interessada.
Não precisava falar mais nada. Já sabia que a coordenadora ia escolher o da Bianca.
_ Tá legal. Vou jogar o projeto fora.
_ Calma, Anabel. As coisas não são resolvidas assim. Vamos esperar.
_ Eu não vou ficar trabalhando sem saber se vai dar para apresentar o meu projeto ou não.
_ Vamos esperar.
_ Amanhã eu volto para saber a resposta.
Não ia ficar mais ralando em cima de um trabalho que já tinha certeza que não ia rolar.




Simone e Alex estavam conversando perto da cantina.
_ E aí, Anabel._ Chamou a amiga. _ O que a coordenadora disse?
_ Que vai esperar. Vou jogar tudo fora.
_ Mas isso não pode ficar assim. _ Indignou-se a amiga. _ Tu estás trabalhando nisso há um tempão. Não está certo, guria.
_ Deixa pra lá. Jogo fora e pronto. Valeu por me avisar, Alex.
_ De nada, guria.
_ Tu vais deixar barato? _ Espantou-se Simone.
_ Que jeito? Eu sei como são as coisas. Já vi que ela está do lado da Bianca.
Isso era desanimador. Irritante mesmo. Como as coisas podiam ser daquele jeito? Não dava para espernear. Aquilo era coisa de criança. Não ia dar aquele gostinho a ninguém.
_ Mas o teu projeto é muito mais legal. _ Argumentou Simone.
_ Se o critério for beleza, tu já perdeste, Anabel. _ Disse Alex, com um sorriso zombeteiro nos lábios.
Não estava esperando aquilo dele. Não naquele momento. Fora tão legal se preocupando com ela e avisando-a. No entanto jogara aquilo na cara dela de forma vil e cruel. Ninguém precisava dizer-lhe que Bianca era mais bonita que ela. Aquilo estava na cara. Ele não parecia ter se importado muito com isso. Não estava triste porque a outra ia levar algum tipo de vantagem sobre ela.
Levou o caso na brincadeira. Não queria que ele percebesse que a havia magoado.
Não sabia o que doía mais. Se era o fato de tanto tempo de trabalho escorrer pelo ralo ou um garoto a chamar de feia. Ele não precisava ter dito aquilo. Achou que ele não a achasse tão feia assim. Já quisera a beijar uma vez. Qual era a daquele garoto? Tá certo que mais uma, menos uma, não fazia diferenças para ele. Mas o que fazia um garoto querer beijar uma garota que ele considerava feia?
Teve vontade de voltar para o Rio. Para perto de sua avó e seus primos. Da escola onde estavam seus amigos.
Que saudade de Fernando. Ele jamais lhe dissera uma coisa daquelas.
Queria ir embora e nunca mais voltar. O que havia de errado com ela? Sentia-se feia. Mas o que ia fazer? Não haveria mágica que a fizesse ser mais bonita que a Bianca. Era questão de nascimento.    



Recebeu uma carta de Helena. Era a resposta à última carta que lhe enviara.Que bom. Abriu o envelope e encontrou a letra que tão bem conhecia. Quanta saudade da amiga.

             
Amiguinha Anabel,

Respondendo a sua pergunta, eu estou ótima. Estou com muitas saudades, das farras e das nossas conversas e de nossas brincadeiras.
Tenho uma ótima notícia. Conheci um rapaz fantástico. Ele está mudando a minha vida de verdade. Está me fazendo um bem que você nem imagina. Estamos juntos há apenas quinze dias e já descobrimos tanta coisa em comum.
Ele é uma pessoa maravilhosa. Gostaria que você o conhecesse. Espero que tudo aí esteja bem. Espero que você também arrume alguém e desencalhe logo de uma vez. Te adoro!
Dê lembranças aos seus pais. Volte logo. Estamos todas morrendo de saudades de você.



                                               Beijos e beijos
                                                           Da sua amiguinha
                                                                       Helena. 











































CAPÍTULO  XVII



_ Não tem ninguém para ir contigo, guria? _ O homem perguntou, enquanto ela lhe estendia o bilhete.
_ Não. _ Disse Anabel, sem jeito.
Simone furara. As outras meninas que conhecia estavam com os namorados. Arrependera-se de ter vindo. Combinaram de ir ao parque. Anabel não estava muito animada, mas não queria ser desmancha prazer. Não queria ser apontada como a garota que não entra na turma.
_ Tem uma guria sozinha aqui na roda-gigante._ Gritou o homem para o parque.
Anabel gelou. Aquilo era uma vergonha maior do que podia suportar. Além do mais, não iria andar na roda-gigante com alguém desconhecido.
_ Está bem. _ Disse Anabel já dando meia-volta. _ Eu desisto.
_ Eu vou contigo. _ Disse Alex, estendendo o bilhete pra o homem.
Era a primeira vez que realmente se sentia agradecida a ele.
_ Mas nada de beijo. Entendeu?_ Ela disse enquanto eles sentavam-se.
_ Tu não tens muito pra onde fugir. _ Ele disse rindo.
_ Pára, moço. _ Gritou Anabel.
Mas já era tarde e a roda começou a girar.
_ É brincadeira. _ Ele riu.
Eles ficaram em silêncio. Não tinham o que conversar. Não eram mesmo amigos.
_ Por que você quer me beijar?_ Ela perguntou de repente.
_ Por que você não quer?
_ Sei lá.
_  Tu nunca beijaste nenhum guri, não é?
_ Quem te disse isso?! _ Ela assustou-se.
_ Todo mundo sabe.
_ Essas garotas são umas fofoqueiras.
Ele deu uma gargalhada.
_ Não acha que já está na hora de experimentar? Não sabe o que está perdendo.
Olhou para o rosto dele, iluminado pelas luzes do parque. Era mesmo bonito. Por que não se importava de beijá-la? Fernando não toparia. Talvez Alex tivesse razão. Estava na hora de experimentar.
_ Está bem. _ Ela concordou.
Ele não deu tempo para que ela pensasse duas vezes e se aproximou. Arrependeu-se na mesma hora em que aceitara, mas seu rosto já estava próximo demais. Era tarde e ele iniciou o beijo.  
            Não foi tão ruim como imaginara que seria, mas passou longe do que sempre imaginou que seria o seu primeiro beijo. Pronto! Estava desperdiçado. Não há uma segunda chance para o primeiro beijo.
            A roda-gigante parou e eles desceram. Era melhor ir para casa.
            _ Vou pra casa. _ Ela disse para Alex.
            _ Tá cedo.
            _ Estou cansada.
            _ Quer companhia? _ Ele perguntou com aquele sorriso que ela conhecia.
            _ Não, obrigada.
            _ Tchau, então. _ Disse ele lhe dando um selinho e sumiu no meio do parque.
            Realmente desperdiçara o seu primeiro beijo. Tanto fazia. Podia ter sido pior. Uma amiga lhe contara que seu primeiro beijo fora horrível, mas com Alex parecia que tudo tinha saído normal. Tivera medo que ele não gostasse. Mas ele não reclamou de nada. Então estava tudo bem.
Ficou com medo que no outro dia ele espalhasse para todo mundo que havia a beijado. Mas quando chegou, tudo parecia normal. Ninguém ria ou cochichava pelos cantos. Até Alex a tratou como nada tivesse acontecido. Talvez o seu primeiro beijo não tivesse acontecido e fosse apenas um sonho. Como queria que aquilo fosse verdade.





































CAPÍTULO  XVIII




            O mar não estava pra peixe. Ou melhor, para jacaré. As ondas estavam muito pequenas.
            _ Desisto. _ Disse Fred. _ Vou pra casa jogar um game.
            _ Também vou. _ Disse Simone.
            _ E eu. _ Falou Anabel, já se preparando para sair do mar.
            _ Vai não, guria.  _ Disse Alex segurando Anabel pela mão. _ Vamos ficar mais um pouco.
            _ Ih, Simone. Vai ter gente beijando na boca hoje.
            _ Então vamos logo, guri, que já estamos sobrando.
            Anabel tentou ir, mas Alex a segurava pela mão. Ele aproximou sua prancha da dela. E passou a mão pelos seus cabelos.
_ Tu tens olhos lindos, guria. São da cor do mar.
            Era a primeira vez que ele falava algo bonito para ela. Nem mesmo quando a beijara na roda gigante, lhe falara algo assim. Não se incomodou quando ele se aproximou e a beijou.
            Esse beijo não foi como o primeiro. Foi melhor. Foi quase como se houvesse mesmo algum tipo de sentimento entre eles. Mas ela sabia que isso não era verdade. Ela não amava Alex. Ele não amava ninguém.
            _ Vamos embora? _ Perguntou Anabel.
            _ Vamos. _ Ele concordou sem nenhuma resistência.
            Parecia ser desprovido de qualquer sentimento. Onde estava o cara sensível que falara de seus olhos há dois minutos atrás. Já conseguira o beijo. Que mais importava?  
           


            O ano estava terminando. Logo. O curso do pai terminaria também. Finalmente poderiam voltar para o Rio. Voltar para a escola e terminar a escola com as meninas. Parecia que havia se passado um século. E fora apenas meses.Logo tudo voltaria ao normal. Será?  Aprendera um pouco mais que surf naquele lugar. Sentiria falta de Simone. Será que sentiria de Alex. Ele havia lhe dado o seu primeiro beijo. Mas o que aquilo realmente significava para ele? Nada.Não podia julgá-lo. Usara-o da mesma forma que ele a havia usado. Se igualara a ele. Não era muito melhor que o rapaz. Muito em breve aquilo seria página virada em sua vida. Será que veria Fernando novamente? E Fernando? Será que ainda se lembraria dela?  
















CAPÍTULO  XIX



            _ Vamos beijar na boca hoje? _ Alex perguntou.
            _ Vamos. _ Ela aceitou.
            Já estava mesmo de partida. Seria a última vez. O que tinha?
            _ Está indo pra casa?
            _ Estou.
            _ Eu te levo.
            Eles se despediram de Simone.
            Tão logo chegaram a sua rua, ele a beijou.  Não foi como das outras vezes, nem ao menos como da primeira vez. Não gostou de beijá-lo pela primeira vez. Fora um erro ter aceitado. Nunca mais iria beijá-lo.
            _ Vamos logo! _ Ela disse.
           
            Eles caminharam de mãos dadas. Quem os visse assim, pensariam até que eles eram namorados. Mas eles não eram. Nunca foram.
            _ Tu voltas para o Rio mesmo?
            _ Volto.
            ­_ Quando?
            _ Daqui a uma semana.
            _ Lá tem muita guria bonita.
            Era tudo que ele tinha para dizer. Não pediu para que ficasse. Não pediu seu novo endereço. Que tipo de relacionamento sujo era aqueles que eles tinham?
            Fora um erro desde o princípio. Não iria ter um relacionamento assim com mais ninguém. Quando chegaram em sua casa, ele tentou beijá-la novamente, mas ela não deixou. Ele não pareceu se importar  muito. Nunca se importava com nada.
            _ Adeus, Alex.
            _ Adeus, Anabel.
            Naquele momento soube que não o veria nunca mais. E sentiu-se até aliviada com isso.  
Não fora uma boa idéia ter se envolvido com Alex. No princípio achara que ele a estava querendo fazer de boba. Mas ele quisera beijá-la mesmo. Tanto é que o fizera algumas  vezes. Mas as coisas continuavam na mesma. Nenhum tipo de cumplicidade havia entre os dois. Não era como Fernando que a olhava de um jeito tão diferente que a fazia se sentir nas nuvens. Sentir-se uma pessoa especial.
Alex não fazia isso com ela e talvez com ninguém. Alex não sabia amar. Não queria se tornar alguém como ele. Era hora de colocar um ponto final naquela história. Não tinha começado bem. Não podia dizer que era a mocinha enganada que se deixara envolver com alguém que pisara em seus sentimentos. Também não tinha grandes sentimentos por ele.
Ela e as outras meninas contribuíam para que Alex fosse o que era. No final era tudo chumbo trocado.             




CAPÍTULO  XX



Finalmente estava voltando para o Rio. Pensou que nunca mais voltaria. As aulas já estavam quase começando. Iria voltar para o colégio. Rever as meninas. Ia ser tão legal.
Finalmente as aulas começaram. Estava próximo do feriado de carnaval. Poucos alunos estavam lá. Logo que chegou, encontrou Helena, Laís, Aline e Romão. Foi tão bom  revê-las. Ninguém mais chegou. Apenas as cinco, naquele dia. A professora se espantou que só tivessem as cinco naquela aula.
_ O nosso grupo é assim mesmo.
Aquilo soou estranho para Anabel. Ela não se incluía mais naquele grupo. Passara quase um ano fora. Tanta coisa devia ter acontecido. Sentia-se um peixe fora d’água novamente. Aquele era o último ano delas na escola. Em breve se lançariam cada uma para o seu lado. Tinha que aproveitar aquele ano o mais que pudesse.
Mas era como se de repente, não fizesse mais parte de grupo nenhum. Como estariam Simone, Alex, Fred? Era o último ano deles também.
Depois do carnaval as aulas voltaram ao normal. Alguma coisa tinha se partido. Anabel sentia-se uma estranha no ninho novamente.
O primeiro trabalho de grupo foi marcado. Ia ser na casa de Helena. Fernando estaria lá. Como ansiara em revê-lo.
_ Meu primo está lá em casa de visitas._ Disse Helena._ Ele vem me buscar na escola hoje. É um gato. Aposto que você vai gostar.
O garoto veio realmente. Não era um gato, como Helena dissera. Um pouco mais velho do que esperara e bem mais feio. O coração de Anabel disparou. Fernando estava com ele. Tão bonito, como sempre.
Então ela realmente voltara. Pensou Fernando. Estava lá, entre as outras, como antigamente. Teve vontade de correr até ela. Abraçá-la. Dizer que sentira sua falta e que aquele grupo não era o mesmo sem ela. Mas tinha alguma coisa em Anabel o fazia se sentir tímido como uma menina de quinze primaveras. Resolveu tratá-la como se tivessem se visto pela última vez há dois dias atrás.
Anabel estava com ele depois de tanto tempo. Seu coração estava disparado. Há quanto tempo isto não acontecia. Só Fernando tinha este poder sobre ele.
Eles andaram um pouco pela rua. Riram, brincaram. Talvez tudo voltasse ao normal. Anabel tinha que dar tempo ao tempo.
Suely e Carmem não participariam com elas naquele trabalho. Por outro lado, Marina, também participaria. A professora propôs que era bom fazer alguma variação, para que os grupos não ficassem sempre os mesmos.
Anabel sentiu-se estranha, tão logo colocou os pés no portão de Helena. Parecia fazer tanto tempo em que estivera ali pela última vez.
Como ela já sabia, Fernando estava lá. Ele nunca perdia um trabalho delas.
Ela está diferente. Ele pensou. Não é mais a mesma. Parece tão distante. Tão séria. Quase nem me olha nos olhos. Será que ela não gosta mais de mim? Será que se apaixonou por alguém lá no Sul?
Aproximou-se de Laís. Ela sim. Sempre a mesma, com aquele olhar sedutor. Com ela podia contar.
Ela sorriu para ele. Conversaram algumas bobagens. Sabia que Anabel os estava observando. Ainda que tentasse disfarçar.
Ele está com ela. Finalmente conseguiu. Será que estão namorando?
Não queria olhar para os dois. Perdera Fernando para sempre. Laís era dona de seu coração.
De repente Marina arregalou os olhos e apontou os dois. Anabel olhou. Fernando a levantara nos braços, como fizera um dia com Helena e Anabel. Era a marca registrada dele. Fazia aquilo para se apresentar. Laís sorria. Devia estar adorando. Pedia para que Fernando a soltasse, mas não fazia a mínima força para descer. Estava muito bem agora.
Perdera-o. Era o fim. Laís conseguira vencer a última batalha e agora recebia o seu troféu. Tanto quisera voltar para o Rio e agora estava ali. Sem Alex e sem Fernando. Alex podia até não amá-la, não tratá-la bem, como fazia Fernando. Mas pelo menos, a beijara algumas vezes. E só não beijara mais vezes por que ela não quisera. Talvez tivesse errado. Talvez devesse ter investido nele. Nunca o tratara bem. Como queria ser amada por ele?
Deram uma pausa para o lanche. Fernando também veio e sentou-se junto com ela. Ela parecia enfadada com a conversa das outras. Piscou para ela. Mas ela tinha desviado os olhos. E que olhos! Olhos que não saíam de sua cabeça. Tentava tirá-la de sua cabeça, mas era atraído por ela. Não entendia por que.
Uma menina disse uma asneira e ele de repente conseguiu captar seu olhar. Ele sorriu e ela sorriu de volta. Por uns instantes eram cúmplices em alguma coisa. Por que tinha que ser atraído por ela? Estava tão estranha. Por hora mostrava que ainda era interessada nele. E outras, total indiferença.
_ Está triste? _ Ele perguntou.
_ Me dei mal numa prova. _ Ela disse.
Em parte falava a verdade. Dera-se mal e estava muito triste, mas o maior motivo de sua tristeza era o interesse que ele agora demonstrava por Laís.
Perdera espaço para a outra. Culpa dos pais que viviam pulando de galho em galho. E o pior de tudo é que nunca lhe deram um irmão ou uma irmã. Seria bom ter alguém para dividir suas desventuras. Um irmão a protegeria de caras como Fernando. Ele a defenderia sempre. Uma irmã podia ser sua confidente e então ela poderia lhe contar de toda dor que ia em seu peito agora.
Só quem nascera e crescera sozinho em uma casa é que podia entender a sua solidão. Ninguém que tinha um irmão era sozinho. Queria tanto ter alguém que tivesse nascido da mesma barriga que ela. Alguém que tivesse as mesmas características físicas dela.
Helena se parecia com Fernando e vice-versa. Mas ela não se parecia com ninguém. Era sozinha no mundo. Uma pessoa ímpar. Não conhecia ninguém que fosse igual a ela. Que tristeza sentia por isso. 
Terminaram o trabalho mais rápido do que esperava e pode ir logo pra casa. Talvez não fosse uma boa idéia ter vindo. Não iria suportar ver Fernando e Laís juntos.







CAPÍTULO  XXI



_ Falei do Alex pra o meu irmão. _ Helena disse de repente.
_ Por quê? _ Anabel perguntou.
_ Sei lá. Acho que o meu irmão é muito convencido.
_ O que ele disse?
Anabel estava curiosa.
_ Acho que não gostou muito. Ele disse: “Essas garotas são muito estranhas. Ontem mesmo estava ligadona em mim e agora está gostando de outro cara.”
Que ele pensasse assim. Anabel estava amuada. Não gostara nada de vê-lo pegar Laís no colo. Era bom que ele tivesse o troco.


_Por que você não vai almoçar amanhã lá em casa?_ Helena perguntou.
_ Quem mais vai?
_ Só eu e você. Depois podemos dar umas voltas. O que você acha?
_ É. Não seria má idéia.
Depois da escola elas foram para a casa de Helena.
A casa estava vazia. Fernando não estava lá . Era primeira vez que pisava lá, desde o dia em que fizera um trabalho e o vira levantar Laís nos braços.
Almoçaram e riram sobre as mesmas piadas. Era estranho estar ali sem as outras meninas. Se fechasse os olhos, poderia ouvir o barulho das risadas. Tinha sido há pouco mais de um ano. No entanto, parecia que tinha sido há séculos.
_ Por que você não quis fazer o último trabalho aqui em casa? _ Perguntou Helena.
_ Por nada. _ Respondeu Anabel. _ No próximo eu venho.
_ É bom ter você de volta. Achei que nunca mais voltaria. Escreveu para o Alex?
_ Não.
_ Por quê?
Helena estava curiosa.
_ Não temos nada a dizer um para o outro.
_ Você não gostava dele?
Não. Não gostava. Pensou que talvez pudesse gostar. Mas não conseguia esquecer Fernando.
_ Não sei.
_ Como você não sabe?_ A outra se espantou. _ Não se beijaram algumas vezes?
_ Sim.
_ E então?
Se ela não conseguira se apaixonar de verdade por ele. O mesmo acontecera com Alex. Nunca demonstrara algum tipo de sentimento por ela.
_ Pra ele não faz muita diferença.
_ Não tem saudade dele?
Helena estava estranhando tanta frieza.
_ Não.
_ Por quê?
Por que fora um erro desde  o princípio. Não devia ter desperdiçado o seu primeiro beijo com Alex. Ele não merecia. Estava errada. Não se pode forçar uma situação. Se Alex de alguma forma brincara com os seus sentimentos, da forma igual ela agira e se sentia errada por isso. Queria esquecer tudo aquilo. Passar uma borracha em tudo aquilo. Esquecer de tudo.
_ Não quero vê-lo nunca mais.
_ Tem muita raiva dele?
Não era raiva dele. Talvez fosse raiva dela mesma. Mas não queria falar daquele sentimento para a amiga. Era feio demais. Um erro. Soubera desde o princípio.
_ Não tenho raiva.
_ E por que não quer vê-lo?
_ Não sei. Apenas não tenho vontade.
_ Ele é feio?
Por que ela perguntava aquilo? Será que achava que alguém só a beijaria se fosse feio? Será que Anabel não merecia ser beijada por um garoto bonito.
_ Não. Não é. Ele até que é bem bonito. Onde está sua mãe? _ Anabel quis mudar de assunto.
_ Foi fazer compras.  Fernando a levou de carro. Logo estarão aí.
Então ela veria Fernando? O seu coração parecia que ia saltar pela boca. Poucos minutos depois, eles chegaram. Anabel e Helena estavam no quarto ouvindo música. Elas estavam deitadas no tapete.
Fernando entrou no quarto.
_ Oi, Anabel.
_ Oi, Fernando.
Ele já não sabia se ela era tão feia assim. Já estava com dezessete anos. Parecia que estava desabrochando. Algo nela mudara depois que voltara do Sul. Apenas não conseguia saber o quê.
Helena lhe contara do surfista que a beijara. Não gostou do que ouviu. Por que não a beijara antes? Ela nunca tinha beijado ninguém e talvez esperasse que ele fizesse isso. Mas ele não fez. Outro veio e tomou o seu lugar. Será que estava apaixonada por ele? Como pudera mudar tanto em tão pouco tempo?
_ Vamos logo, Anabel._ Chamou Helena. _ Não vamos ficar traçadas aqui durante a tarde inteira.
Anabel se levantou rapidamente, mas bateu com o quadril na quina da cama.
_ Que dor! _ ela falou. E deitou-se no tapete novamente.
A dor ia passando e ela lembrou-se do dia em que Fernando pegara Helena nos braços, quando não conseguira levantar do chão de dor. Queria que ele a levantasse também.
Fernando a viu se contorcer de dor. Teve pena dela. Lembrou-se da Anabel de antes, que amava a ele somente. Teve vontade de a levantar dali. Tomá-la em seus braços. Mas não o fez.
Anabel levantou-se finalmente. Não ia ficar ali no chão a vida toda. Esperando por um socorro que não chegava.
Quando se levantou, Fernando estava muito próximo. E a olhava no fundo dos olhos.
Que olhos lindos ela tinha. Misteriosos. Ele se perdia neles. Não resistiu e a levantou nos braços.
_ Ponha-me no chão, Fernando. _ Ela disse.
Estava sem graça. Mas de repente era como se tudo continuasse igual. Fernando estava ali e ela suspensa no ar. Era como se estivessem num filme. Só Fernando tinha o poder de fazê-la sentir-se assim e mais ninguém. Alex jamais faria uma coisa como aquela. Alex a beijara algumas vezes, mas só Fernando a olhava com tamanha intensidade.     
_ Alô, Romeu. _ disse Helena. Quebrando o clima. – Ponha minha amiga no chão que eu quero sair.
Ele jamais seria o Romeu de Anabel. Não mesmo. Outro carinha poderia até tê-la beijado. Mas não ele. É certo que ela já não era tão feia. Ou talvez até nem fosse mais feia. Mas não era garota pra ele. Ele fora o capitão do time de futebol. O que pensariam seus colegas? Não pensariam nada. Já fazia quase dois anos que não os via. Cada um fora pra seu lado. Em breve Anabel e Helena também se formariam e também não se veriam mais. Talvez assim ele se livraria daqueles olhos penetrantes que cismavam em o perseguir.
Elas saíram e nem perceberam que deixaram para trás Fernando perdido em seus pensamentos.
 































CAPÍTULO  XXII





O final do ano chegou. Ela nem ao menos percebeu. Talvez ninguém tenha mesmo percebido nada. A preocupação com o vestibular tirou qualquer outro tipo de pensamento da cabeça de qualquer um.
Até mesmo Fernando ficara embotado em seus pensamentos, perdido entre um cálculo de matemática ou uma fórmula de química.  Tudo parecia tão enevoado, envolvido por uma cortina de fumaça. Era como se todos tivessem sido envolvidos por uma membrana de um mundo particular. Onde tudo o que importavam era passar no vestibular. Não podiam passar uma vergonha dessas. Ninguém podia ficar para trás. Dormia e acordavam pensando na tão temível prova. 
De repente Anabel se deu com os convites da formatura nas mãos. Então tudo realmente acabara? Como não tinha percebido. A formatura seria antes das provas de vestibular. Não estava com cabeça para aquilo. Tinha que escolher uma roupa, ensaiar aquelas musiquinhas de formatura. Como pensar nisso? Ainda tinha o vestibular pela frente.
A roupa não foi bem o que queria. Que importava? Queria que aquilo acabasse logo. Como um robô, recebeu o canudo, tirou fotos com as amigas, a família. Fernando a procurou para lhe dar os parabéns. Não podia faltar a formatura de Helena.
_ Parabéns._ Ele disse enquanto apertava suas mãos.
Ela estava tão diferente. Tão distante. Na certa não o amava mais. Talvez pensasse no surfista que deixara em Santa Catarina. Ou no carinha de Juiz de Fora. Que importava? Ele não fora nada de significante na vida dela.
Ele segurava sua mão e ela não o veria nunca mais! Que importava o orgulho? Que importava o fato de que ele nunca a tivesse amado? Era a última vez que estavam juntos. Às favas qualquer tipo de orgulho nesta hora. Abraçou Fernando pela primeira e última vez.
Ela circundou seus ombros com os braços e ele a apertou, trazendo mais o seu corpo para junto de si. Era estranho que ele a tivesse nos braços daquele jeito. Era a primeira vez que eles ficaram tão juntos. Fora ela quem iniciara o abraço, ele não tinha culpa. O salão estava cheio. Ninguém ia achar estranho que estivessem abraçados. Ninguém nem mesmo ia reparar neles. Por que não a tinha abraçado antes? Por que perdera tanto tempo?    
Ela sabia que o abraço estava demorando mais do que o habitual, mas não tinha coragem de sair dali. Era como se de repente, o mundo a volta deles estivesse parado e nada mais existisse além da batida do coração dos dois.
_ Venha tirar uma foto, Anabel. _ Uma amiga a puxou pelo braço.
Deixou-se levar como uma criança pela mão. Não voltou os olhos para ver Fernando novamente. Não queria que ele percebesse o quanto ficara tocada com o abraço dos dois.
Ele ainda ficou por alguns segundo vendo-a sendo arrastada pela amiga. Mas ela não olhou para trás. Para ela, talvez o abraço não tivesse significado nada. Talvez nem lembrasse que era a primeira vez que se abraçavam. Não ia ficar ali como um tolo. Foi procurar Helena. Nunca mais veria Anabel, nem aqueles olhos penetrantes.
Quanto Anabel se virou novamente, ele já havia sumido na multidão. Ela não significava nada para ele mesmo.













































CAPÍTULO  XXIII




Passou no vestibular. Realmente não esperava. Não de cara. Ia mudar de vida, sentia isso. As coisas finalmente entrariam nos eixos. Ia conhecer alguém que realmente gostasse dela. Alguém diferente de Fernando e de Alex. Alguém que a amasse de verdade. Que combinasse realmente com ela.
Mas tão logo entrou na faculdade, percebeu que as nuvens não eram tão cor de rosa como imaginara. Logo de cara travou amizade com uma garota chamada Michele. Mas tão logo as aulas começaram, a menina não apareceu. Será que tinha desistido?
Aproximou-se de um colega que morava perto de sua casa. Mas ela e o garoto não combinavam em nada. Logo estabeleceu aquele tipo de amizade forçada e ela preferiu ir pra casa sozinha. Salvo algumas vezes que iam juntos.
O “cara” da turma era o Lucas. Ela percebeu de cara. E todas as meninas pareciam zumbir em volta dele. Até mesmo ela, se ele dessa alguma chance. Mas o Lucas, como todos os outros, nem fazia caso de sua existência.
A garota mais ligada no Lucas era a Roberta, carinhosamente chamada de Beta. Logo, logo as duas se aproximaram e tornaram-se “amigas de infância”.
Tânia morava perto de Beta e era um pouco menos menina, parecia um pouco com Suely e Carmem. Michele voltou às aulas e elas acabaram formando um quarteto. Estava formado o grupo de Anabel.
Tão logo as aulas começaram, a bomba estourou. O pai queria mudar novamente.
_ Não desta vez, papai.
_ Você pode pedir uma transferência, filha.
_ Papai, eu já não estou mais na escola. Não posso jogar tudo pro alto. É o meu futuro. Vou ter que ficar aqui.
_ Não sem mim.
_ Eu não posso ir.
_ Pode trancar a matrícula.
_ De jeito nenhum.
_ Filha minha não mora sozinha.
_ Ela pode ficar com outras meninas. _ Interveio finalmente a mãe. _ É uma espécie de república. Muitos jovens estudantes fazem isso.
_ Não uma filha minha.
_ Deixe de bobagens, Milton. Nossa filha tem bastante juízo e não temos outro jeito.
_ Por que não fica na casa da sua tia?
_ É longe, papai. E além do mais, ela já está com a vovó. O apartamento é um ovo. Não cabe mais ninguém lá. Onde vou dormir? No quarto dos garotos?
_ Nem pensar!
_ Está decidido. _ Disse Marilene. _ Vamos procurar um apartamento perto da escola e encontrar algumas meninas.
Beta topou na hora. Morava um pouco longe. Michele já morava sozinha. Tânia morava perto do trabalho.Não ia valer a pena.
Uma garota do quarto ano resolveu o problema. Ainda não tinham encontrado uma substituta pra menina que tinha se formado no semestre anterior. Apertando um pouco, cabia Beta. E ficou tudo resolvido.
Um apartamento quase colado na faculdade. Que beleza!
Uma semana depois, com os pais já longe e fechada em um apartamento com outras seis garotas de tudo quanto é parte, que quase nada tinha a ver com ela. Céus! Já não aprecia tão divertido assim. Geladeira com comida etiquetada. Quarto lotado. Pouco espaço para guardar suas coisas. Cadê sua individualidade? Feliz era Michele que morava sozinha. Mas Anabel não tinha idade nem estrutura para encarar uma barra daquelas.


  
O professor se demorava. Anabel lia um livro que pegara na biblioteca.
_ Quero fazer uma brincadeira com você.
_ O que é? _ Perguntou para a amiga.
Era mais um daqueles jogos psicológicos que Beta adorava.Um sorrisinho bailava em seus lábios.
_Você está numa estrada. _ Disse Beta. _ Encontra dois vasos. Como ele são? Novos ou velhos?
_ Novos.
_ Como ele sãos?
_ Branco e azuis, de porcelana.
_ Você pega ou deixa?
_ Deixo.
_ Agora você encontra uma chave. Como ela é?
_ Dourada e grande.
_ Nova ou antiga?
_ Antiga.
_ Você pega ou deixa?
_ Pego.
_ Muito bem. Os vasos significam as amizades. Você sem facilidade para fazer amigos, mas não consegue mantê-las por muito tempo?
_ Como assim?
_ Vasos novos, amizades novas. Mas você não os levou, como levou a chave..


_ Era diferente. Estava perdida.
_ Também os vasos.
_ Eram novos.
_ E daí?
_ Não posso levar os vasos que pertencem às outras pessoas.
_ Mas levou a chave.
_ Tá. _ Disse Anabel já impaciente. E essa chave? O que ela significa.
_ Essa chave é um amor antigo que você carrega com você.
Na mesma hora Anabel se lembrou de Fernando. Ainda não o esquecera. Talvez nunca esquecesse.
_ Você deixou os vasos _ Disse Beta.
Era estranha a importância que Beta dava àquelas brincadeiras. Eram divertidas, Anabel não podia negar. Mas não passavam de brincadeiras.
_ E daí? O que você quer dizer com isso?
_ Que você não se prende às suas amizades.
_ Não pense que virou psicóloga com estes testes que você encontra em revistas de fofoca.
Beta sorriu. Pegara no ponto fraco de Anabel. Ela estava irritada.
O professor entrou na sala. Anabel abriu o caderno.
_ A aula já começou. _ Disse para Beta. _ Depois a gente conversa.
Anabel não conseguiu prestar atenção na aula. Beta tinha toda razão. Anabel não se prendia mesmo às suas amizades. Qualquer coisa era motivo para se afastar das pessoas. Não que ficasse brigada com elas. Apenas se afastava e pronto.
_ Perdi alguma coisa importante? _ Perguntou Michele, que chegou atrasada.
_ Nada de muito importante. _ Disse Anabel. _ A aula acaba de começar.
Anabel examinou a outra de soslaio. Sempre tão linda. Tão elegante. Era pouquinho mais velha do que elas e já parecia uma mulher. Trabalhava fora, morava sozinha. Sozinha mesmo. Não com um bando de garotas, numa quase república, como Anabel e Beta. Michele já era uma mulher. Anabel ainda ia ter que comer muito angu para ficar como ela.
_ Veja, o Poderoso chegou. _ Disse Beta entre os dentes.
Anabel olhou para a porta. O Poderoso em questão era o rapaz mais bonito da turma. Não que fosse tanto assim. Anabel era mais o Fernando. Sempre fora mais o Fernando em todas as comparações que fazia. Mas o Lucas lhe chamara a atenção desde que tinha lhe posto os olhos pela primeira vez.
Foi logo no primeiro dia de aula. A turma não estava cheia. Ninguém parecia querer começar de fato. Ele não lhe dera a mínima atenção, como já era de se esperar. Michele começou na semana seguinte, estava viajando a trabalho. Ela e Anabel tinham se conhecido no dia da matrícula. Os grupos já estavam sendo formados. Michele se aproximou dela.
As duas estavam juntas e o Lucas veio puxar assunto com elas, com Michele para ser mais precisa. Uma semana e nada e no primeiro dia de Michele, lá estava ele, todo solícito. Mas Michele não pareceu muito lisonjeada com a atenção do rapaz. Parecia tudo muito natural. Devia ser muito bom ser uma beldade. Tinha muito que aprender com a amiga.
Na faculdade os grupos não eram tão fechados quanto no Ensino Fundamental e Médio. Ora se fazia trabalho com alguma pessoa, ora com outras. Mas, na maioria das vezes, Anabel, Michele, Beta e Tânia estavam juntas.
Michele e Tânia pareciam mais adultas, Anabel e Beta ainda conservavam a meninice do Ensino Médio. Viviam suspirando por Lucas e uns outros garotos do campus. Talvez Beta se sentisse um pouco mais dona de Lucas, Anabel não levava tanto s sério. Não ia se deixar levar mais por uma paixão não correspondida como fizera com Fernando. Além do que, só Beta não enxergava que o Lucas estava com os qutaro pneus arriados por Michele.
O Lucas passou por elas e as ignorou como sempre fazia. Mas parou em frente Michele e segurou em suas mãos.
_ Ele falou com você. _ Disse Beta com um grande sorriso.
_ Ele é meu amigo. Nada mais que isso. _ Disse Michele, tentando parecer nada afetada com aquilo.      
 Mas Anabel sabia que não era só amizade. Não era só amizade que via nos olhos do Lucas, quando ele olhava para a Michele. Toda mulher sabe quando um homem está interessado nela. É um segredo entre os dois. Segredo que muitas vezes vaza, porque os olhos costumam falar muito alto quando se trata de amor. E os do Lucas estavam gritando, ainda que os de Michele falassem baixinho, mas falavam. Anabel percebia e não ia se meter desta vez.
Ela e Laís haviam disputado Fernando e nenhuma das duas levara nada. Mas no caso de Michele e Lucas era diferente. Lucas estava interessado em Michele. Não cabia a ela ou Beta se meterem. Não é justo se meter entre uma história de amor. É feio, insuportável. As pessoas que se amam tem o direito de serem deixadas em paz. É claro que a Michele não era tão interessada pelo Lucas quanto ela e Beta, mas uma raiz de interesse estava lá, ainda que remota. O Lucas tinha o direito de ser feliz.
















CAPÍTULO  XXIV




As meninas resolveram lhe fazer uma visita. Há quanto tempo não se viam? Pareciam séculos. Mas apenas se passara um ano.
_ Como está a faculdade? _ Perguntou Helena.
_ Bem. _ Respondeu Anabel._ Você parece diferente.
_ Diferente como?
_ Não sei. _ Alguma coisa em você.
_ Deve ser o novo corte de cabelo.
_ Talvez.
_ É legal morar sozinha?_ Perguntou Romão. _ Minha mãe jamais deixaria.
_ Não moro sozinha. Moro com um monte meninas da faculdade. Na verdade, isso passa longe de morar sozinha.  Não podia acompanhar papai.
_ Deve ser legal ter liberdade. _ Disse Laís.
_ Sinto falta dos meus pais.
_ Onde eles estão agora? _ Perguntou Aline.
Ela estava com as mãos em seu ombro e Anabel estranhou o gesto de carinho.
_ Em Manaus.
_ Longe! _ Espantou-se Romão. _ Já foi lá?
_ Neste último feriado. _ Respondeu Anabel. _ Saí daqui de casaco e lá estava o maior calor.
_ Viu o peixe boi? _ Perguntou Carmem.
_ Vi. Tinha também um filhotinho.
_ Que gracinha. _ Disse Suely.
_ Nadou no Rio Negro? _ Perguntou Romão.
_ Não. Estava ventando muito, no dia em que fui. Lá é um pouco estranho. De repente está sol, de repente está chovendo. O tempo é abafado, dá vontade de dormir o dia inteiro.
_ Quando seus pais voltam? _ Perguntou Laís.
_ Não sei.
_ Quando eles voltarem, voltará a morar com eles?
_ Vou.
A conversa girou sobre amenidades. De repente Helena lhe fez um convite.
_ Por que você não vai almoçar comigo, amanhã?
_ Quem mais vai?
_ Só nós duas. Precisamos colocar a conversa em dia.



No outro dia, logo após a faculdade, Anabel foi até a casa de Helena. Olhou algumas vitrines antes de pegar o ônibus. Tinha medo de chegar cedo demais. Será que Fernando estaria lá?
Chegou ao portão e a amiga atendeu. A casa estava vazia. Sem os pais, sem Fernando. Fechou os olhos e lembrou-se do primeiro dia em que estivera lá.
O tempo passava velozmente. Tudo mudava. Menos o seu grande amor por Fernando.
Conversaram um pouco. Almoçaram sozinhas. Era tudo muito estranho.



A mãe de Helena chegou junto com Fernando. Eles sorriram, lhe fizeram festa.
Ele sabia que ela viria. Helena avisara. Mas a mãe pedira que lhe levasse ao dentista. Depois cismou de fazer umas compras. Ele tinha medo que Anabel fosse embora.
Conversaram um pouco, riram. Mas ela estava diferente.
_ Mostre para Anabel o retrato que tirou. _ Disse a mãe.
_ Retrato para documento.
_ O que tem? Está lindo!
Ele riu, sem graça. Tirou os retratos da carteira. Nunca dera uma foto para ela. Nem ela fizera o mesmo. Isso era coisa de namorados e os dois nunca seriam namorados. Teve vontade de dar uma foto para ela. Será que guardaria em sua carteira? Mas teve vergonha de lhe oferecer o presente.
_ Olha como ficaram lindas.
Anabel olhou para as fotos. Todas iguais. Ele realmente estava lindo. Mesmo com aquela cara séria. Ele ficava lindo de qualquer jeito. Teve vontade de lhe pedir uma foto para guardar de lembrança. Lembrança? Para que precisava de lembrança se não deixara de pensar nele um só dia? Mas guardaria em sua carteira e poderia contemplar o seu rosto todos os dias.
_ Sim. Ficaram boas. _ Ela disse simplesmente.
Ela não lhe pediu uma foto, como ele esperava que fizesse. Era bem capaz que não sentisse mais nada por ele. Devia estar namorando um carinha da faculdade.
_ Não quer comprar uma?_ Ele perguntou.
_ Claro que não. _ Ela respondeu.
_ Pensa bem. _ Ele ria._ Mas por dentro sofria com o seu desprezo.
Ela realmente queria uma foto sua, mas tinha vergonha de pedir. Se ele simplesmente tivesse lhe dado, aceitaria. Mas se aceitasse comprá-la, estaria admitindo para todo mundo ali que ainda o amava.
Anabel teve medo que adivinhassem o seu pensamento. Sorriu e mudou de assunto.
Ela parecia mais adulta agora. Ele concluiu. Simplesmente o esqueceu. Onde estava aquele brilho em sues olhos que sempre via quando estavam na escola? Os tempos eram outros agora.
A mãe o chamou para almoçar. Comida requentada. Odiava. Não se dá pra requentar o amor. Ela estava fria. O esquecera. O que estava falando? Nunca lhe prometera nada. Nem ao menos lhe dera o primeiro beijo. Um outro qualquer se encarregara de fazer a tarefa. Se ela o amasse mesmo, não teria aceitado. Mas quanto tempo ela teria que esperar por ele?
Acabou o almoço e resolveu se deitar. Estava cansado. Um pouco deprimido. Por que ela tinha que ter aparecido novamente? Estava muito bem sem ela. Ela não lhe fazia falta nenhuma.
Uma outra amiga de Helena chegara, podia ouvir as três conversando lá na sala. Que importava? O tempo estava pesado. Logo, logo choveria. Que a chuva levasse embora Anabel e todos esses pensamentos. Que importava? Acabou caindo no sono.
Helena tinha uma nova melhor amiga, Anabel constatou. Analisou a moça da cabeça aos pés. Não era bonita como Helena. Será que também gostava de Fernando? E este? Será que também não se desfazia em atenções como fazia com ela e Laís.
Sentiu-se triste, desencaixada, como um peixe fora d’água. Não conhecia as pessoas de quem falavam. Era mais uma espectadora do que uma participante da conversa. Fernando não aparecera mais. Não ligava mais pra ela. Logo, logo a chuva cairia. Era melhor ir pra casa.
_ Vai chover. _ Disse para Helena. _ É melhor eu ir pra casa.
_ Mas tão cedo. Não íamos assistir a um filme?
_ Fica para uma outra vez.
_ Está bem. Vou te levar até o ponto de ônibus.
A mãe de Helena veio se despedir, mas Fernando não apareceu.     
Anabel, Helena e a nova amiga caminharam até o ponto. Elas eram as novas amigas agora. Anabel não passava de uma estranha. Olhou para o céu. A chuva não tardaria. Então lembrou-se de que esquecera a sombrinha.
_ Minha sombrinha. _ Disse Anabel. _ Esqueci. Vou lá buscar.
_ A gente espera aqui.
Correu até a casa. Procurou pela sala e então lembrou-se que a deixara no quarto de Helena. Correu até lá. Na ida, passou pelo quarto de Fernando. A porta estava aberta e ele dormia como um anjo. Sentiu um aperto no coração. Se ele a amasse, jamais estaria dormindo agora. Ela não dormiria se soubesse que Fernando estava em sua casa. Perdera-o para sempre.  Na verdade nunca o tivera. Mas antigamente, pelo menos ele lhe dedicava alguma atenção, mesmo dividindo entre ela e Laís. Era melhor do que aquela indiferença.
Foi até o quarto de Helena e achou a sombrinha, quando passou pela porta do quarto do Fernando, não olhou. Não queria vê-lo nunca mais.Não fora uma boa idéia ter vindo. Nada mais era como antigamente.
Helena e a nova amiga a esperavam. Caminharam até o ponto. O ônibus já vinha e não tiveram tempo para despedidas. Era melhor assim. Queria virar esta página de sua vida.
_ Apareça. _ Gritou Helena, do lado de fora.
Anabel apenas acenou-lhe em adeus. Sabia que não mais apareceria. Suas vidas tomaram novos rumos. Era hora de crescer.       
















CAPÍTULO  XXV





_ Alô. _ Disse Anabel.
_ Anabel? Aqui é a Helena.
_ Helena. Quanto tempo! Nem acredito que é você.
Fazia tanto tempo que não se viam.
_ A Aline e a Romão estão aqui em casa. A Aline disse que está com saudade de você. Ela disse que quer te ver.
Aline com saudade dela? Aquilo era estranho. Na verdade, não dava mesmo para acreditar.
_ A Aline?!
_ É. Dá uma passadinha aqui, Anabel.
_ Não sei.
_ Deixa de preguiça, Anabel. _ Disse a amiga. _ Vai ser legal. Por que é que você não vem?
Helena tinha razão. Tinha tanto tempo que não se viam. Devia se divertir um pouco. A vida não era só faculdade.
_ Está bem._ Concordou por fim.
Arrumou-se rapidamente e foi para a casa da amiga. Fazia tempo que não as via. O tempo costuma separar mais do que a distância.
Abraçou as amigas. Que saudade. Era engraçado como a saudade aumentava mais quando se chegava perto do objeto saudoso. Fernando também estava lá. Abraçou-o.
Ela estava mais bonita, agora. Ele percebeu. O que era magreza e falta de graça, na adolescência, se transformara em elegância e feminilidade nos seus primeiros raios de mulher. Mas Aline continuava mais bonita, não tinha o que comparar.
Ele ficou o tempo todo perto de Aline. Pareciam tão íntimos. Eles nunca foram assim.
Romão estava bonita. Transformara-se. Parecia que finalmente crescera.
Sentou-se no sofá. Conversaram sobre amenidades. Romão dominava a conversa. Tinha tanta coisa pra contar.
Aline e Fernando estavam sentados juntos no chão. Ele segurava as mãos dela. Aquilo era tão estranho. De onde surgira, tão de repente, tanta intimidade?
Ele deitou a cabeça no colo dela. Aquilo já era demais. O que estava acontecendo ali? Em dado momento, Anabel pareceu até ver que ela beijara seus lábios. Só podia ser coisa da sua cabeça. Aline jamais beijaria Fernando nos lábios.
O que estava fazendo ali? O que tinha a ver com aquilo tudo? Tinha que ir embora o quanto antes.
_ Já está na minha hora. _ Disse Anabel.
_ Mas tão cedo? _ Reclamou Helena.
_ Tenho que ir mesmo.
Despediu-se das amigas. Despediu-se de Fernando. Não tinha mais o que fazer ali. Estava enciumada. Tinha que admitir. Não era do tipo que mente para si mesma. No entanto, mais do que enciumada,estava decepcionada com Aline. Será que ela fizera de propósito? Não podia crer numa coisa daquelas. Seria sórdido demais. Por que Laís não estava ali? Será que não a chamaram? Será que Helena tinha alguma coisa a ver com aquilo tudo?  




_ Tenho que te falar uma coisa estranha. _ Disse para Beta.
_ O que foi?
Perguntou a amiga, bastante interessada. Beta estava sempre preparada para uma boa conversa.
_ Ontem recebi um telefonema da minha amiga.
_ E?
_ Ela estava me convidando pra ir à casa dela. Disse que uma amiga nossa estava com saudades de mim.
_ Você foi?
_ Claro. Mais o mais estranho é que essa nossa amiga estava o maior grude com o irmão dela. O Fernando. Aquele carinha que eu já te falei. Teve uma hora que até achei que ela tivesse dado um beijo nele, na boca. Mas foi super rápido. Não deu para ver direito. Acha que eles podem estar juntos?
_ Pode ser.
_ Mas o pior não é isso. Acha que ela pode ter feito isso só pra me mostrar que eles estavam juntos? A Helena me disse que era ela quem estava com saudade de mim e queria me ver. Acha que ela fez isso de propósito?
_ Acho sim.
_ Eu não acredito que ela fez isso comigo. A gente já não se vê há tanto tempo. Não ia fazer diferença.
_ Mas talvez para ela faça.
_ Eu não posso acreditar numa coisa dessas.
_ Pois pode acreditar.



Uns meses mais tarde, Anabel e Aline se encontraram. Ela estava tão bonita, como sempre. Anabel tinha acabado de começar um estágio. A firma era grande. Se fizesse tudo direitinho, com sorte, poderia estar empregada, tão logo se formasse.
_ Vamos tomar um café? _ Aline convidou.
Fazia tempos que não se viam. Era a primeira vez, depois daquele dia, na casa da Helena.
Conversa vem, conversa vai e Anabel não resistiu.
_ Aline, posso te perguntar uma coisa?
_ O quê?
_ Lembra aquele dia que a gente se encontrou na casa da Helena.
_  Lembro. Já faz um tempão.
_ Naquele dia, você estava namorando o Fernando?
Aline riu.
_ Mais ou menos.
_ Como aconteceu?
_ A gente se encontrou um dia e eu falei com ele. Acho que ele não se lembrou de mim.
Ponto para Anabel. Fernando sempre se lembrava de Anabel, quando se encontravam.
_ A gente se encontrou algumas vezes, mas depois ele sumiu.
Ela falava com total desinteresse. Não tinha sido nada nem pra ele, nem pra ela.
Preocupava-se à toa. Apenas ela e Laís eram realmente apaixonadas por ele. Que importava agora? Fernando era parte de seu passado.
    







































CAPÍTULO  XXVI



Era comum o pessoal deixar para xerocar os textos em cima da hora e geralmente quando um se levantava, os outros pediam que o colega xerocasse pra eles também.
_ A Anabel não gosta de xerocar os textos. _ Reclamara Tânia, um dia.
Anabel riu.
_ Xeroco sim.
_ Nada disso. _ Concordou Michele. _ Ela sempre vai mais do que você.
_ Ela acha que só ela não pode perder aula. _ Disse Tânia._ A gente também não gosta de ficar naquela fila.
As amigas tinham razão. Anabel não ligava de ficar na fila se chegasse mais cedo, mas não suportava sair da aula para ficar na fila da xerox.
Naquele dia, quem se levantou para tirar xerox foi o Lucas. Anabel procurou algumas moedas dentro da bolsa. Quando conseguiu achar, o Lucas já tinha saído.
_ Lucas! _ Ela o alcançou no corredor.
_ Você vai comigo? _ Ele perguntou.
_ Vou. _ Ela respondeu sem titubear.
E caminharam juntos para o lugar onde tirariam a xerox. Deu uma vontade de rir. Sua intenção era entregar as moedas para o Lucas xerocar o seu texto, mas não iria recusar nenhum convite do Lucas, mesmo que fosse para ir tirar xerox. Sentiu-se meio estranha, como se tivesse passado a perna nele. Mas não era mentira. Queria que ele fosse tirar xerox pra ela, mas ir com ele lhe parecia mais interessante, mesmo que tivesse que perder alguns minutos de aula.       
Eles caminharam um pouco sem dizer nada. Era claro que ele sabia que havia uma certa eletricidade entre os dois. Muito mais da parte dela do que dele, é claro. Lucas era um tipo de Fernando. Um pouco mais metido a besta. Ainda que Fernando não a amasse, tinha por ela um certo apreço. Já Lucas não. Gostava mesmo era de aparecer. E olha que não era tão bonito assim.
Todo corpo feminino da classe nutria algum tipo de sentimento por ele. Algumas não o toleravam por se achar a “última bolacha do pacote”, o que não era mesmo. Isso até Anabel compreendia. Outras eram amiguinhas dele, mas fingiam não ter interesse algum. Ela e Beta eram fãs. Admitia e ponto. Não era mais uma menininha pra ficar fingindo sentimento. Além do mais, não estava apaixonada por ele. Nem ficaria. Não ia cair naquela outra vez.
Lembrou-se de um dia em que ele estava na porta e ela o observou. Ele perguntou: “O que é que está olhando?” Ao que Anabel respondeu: “Estou admirando. Não pode?” Ele riu e disse que podia. Só aquilo já era motivo para Anabel nunca mais olhar pra cara dele. Mas não estava nem aí. Lucas não era do tipo que se leva a sério. E ela não levava mesmo.
Lucas não era do tipo amigável. Se achava e pronto. Aceitava a corte de Beta sem o menor pudor, mas estava claro que seu interesse era Michele.
Conversa vai, conversa vem e o papo acabou recaindo sobre ela. Eles tinham que conversar sobre alguma coisa, naquela fila interminável.
_ Será que tenho alguma chance com ela? Aquela mulher é tudo. 
Lembrou-se de Beta. Talvez não fosse legal alimentar algum tipo de esperança de Lucas com Michele. Podia até ser que a Michele não fosse indiferente ao Lucas, mas o interesse de Beta era bem maior. Das três, era a mais interessada. Talvez estivesse mesmo apaixonada por ele. Ainda que negasse.
Anabel não tinha chance alguma. E nem queria correr o risco. Se alguém podia ficar com alguém ali, esse alguém era a Michele. Lucas nunca escondera o aberto interesse que tinha por ela. Se Beta lutasse um pouco, poderia ganhar o Lucas. Mas se o Lucas lutasse um pouco, poderia ganhar a Michele. Não era justo dissuadi-lo da ideia por causa da amiga. Além do mais, Michele também era sua amiga. Era ela quem devia decidir se dava uma chance para Lucas ou não.
_ Ei,acorda! _ Chamou Lucas com o seu jeitinho “doce”, todo especial. _ E aí, tenho chance ou não?
_ É claro que você tem. Investe e vê no que dá.
Sentiu-se um pouco culpada em relação à Beta. Mas o que fazer? O Lucas e a Michele mereciam ser felizes.
Se ele investiu nela ou não, Anabel nunca teve a certeza. A Michele não era do tipo que faz confidências. O certo é que uns tempos depois, a Beta lhe segredou:
_ Acho que a Michele e o Lucas ficaram?
_ Estão namorando? _ Anabel quis logo saber.
_ Se estão juntos ou não. Eu não sei. Mas é quase certo que eles já andaram dando uns beijinhos. Estou com raiva dela.
_ Por que ela o beijou?  Você sabe que ele sempre arrastou uma asa pro lado dela, desde a primeira vez que a viu.
_ Não é por isso. Eu não fiquei com raiva por ela ter ficado com ele e sim porque não me contou.
_ Acho que ela não quis te magoar. Se fosse ao contrário, você teria dito?
_ Claro que sim. As amigas tem que ser sinceras com as outras.
Quase no final do curso. Quando Lucas e Michele já haviam se tornado quase inimigos, a situação pareceu se repetir. Dessa vez foi a Beta quem beijou um rapaz no qual  Anabel estava interessada.
Foi a Tânia quem deixou escapar, quase que sem querer. Ela e Michele se entreolharam um pouco assustadas.   
            _ Qual é gente? Eu não sou dona dele.
            As duas estavam um tanto desconfortáveis. Anabel se lembrou do incidente do Lucas e da Michele, mas não quis comentar nada.
           


Uns dias mais tarde, não se conteve.
            _ Soube que você beijou o Miguel.
            Beta ficou meio sem graça.
            _ Por que não me contou?
            _ Eu não queria te magoar.
            _ Agora você entende por que a Michele não te contou sobre o lance do Lucas?
            _ Não é a mesma coisa.
            _ É sim.
            Anabel abriu o livro e começaram a estudar para a prova. Tomando o ponto uma da outra, como sempre faziam. E nenhuma das duas tocaram mais no assunto. Entre o Miguel e a Beta, ficava com a Beta. Não valia a pena trocar uma amizade de tanto tempo por um quase calouro que chegara às vidas delas há tão pouco tempo. Se Miguel preferiu a Beta,tanto fazia. Há muito que Anabel se transformara em quase uma outra pessoa. Com Beta aprendera a ser descontraída e leve, quando se tratava de coisas do coração. Com Tânia aprendera a se dedicar ao trabalho e há muito na empresa em que estagiava, já era considerada uma profissional. Com Michele aprendera a ser bonita e elegante. Michele não andava, deslizava. Logo ensinou a Anabel como coordenar as peças de um guarda-roupa. O jeito elegante de ser, ela captou por osmose. Elas três fizeram de Anabel uma nova pessoa: leve, bonita, elegante, responsável e feminina. Que Miguel fosse às favas, a fila anda. 




































CAPÍTULO  XXVII




Finalmente estava formada. Era uma arquiteta de verdade. Começara o estágio por uns tempos, mas acabou ficando. Outros estagiários que chegaram depois dela, há muito já haviam partido.
Sem surpresa alguma, foi contratada pela empresa. Os pais finalmente resolveram criar raízes.
_ É um ótimo apartamento. _ Disse a mãe. _ Por que não volta para casa?
_ É mais perto do trabalho.
_ Mas é muito menos confortável.
_ Está bem, mamãe. Você venceu. Não posso viver a vida inteira numa república de estudantes e ia ficar caro montar um apartamento. Mas se decidirem ir, eu fico. Agora tenho um emprego.
A mãe riu. Anabel voltou para casa. Era estranho depois de tanto tempo, mas acostumar-se com a vida boa era muito fácil. Como era bom ter alguém para cuidar dela.
O pai não mudava mais. Tinha sido reformado. Mas o sangue de cigano continuava a correr e muitas vezes os dois fizeram longas viagens. Mas Anabel não os acompanhava. Tinha o seu trabalho. E muitas vezes teve que ficar naquele enorme apartamento sozinha. Mas o que tinha? Era uma mulher de raízes. Não tolerava ficar pra lá e pra cá como os pais.
Quando eles voltavam, ela estava lá com tudo no lugar, a espera deles. Agora ela é quem era o porto seguro deles. Com o passar do tempo, aquele apartamento tornou-se muito mais dela do que deles. Orgulhava-se de ser assim.
E então o tempo passou e quando acordou, já estava com trinta e criara tantas raízes, que já era impossível sair do lugar. Nunca mais vira Beta, Tânia ou Michele. A maioria dos colegas de faculdade, não vira nunca mais depois da formatura. Sabia o telefone de todos, mas não os procurava. Não sentia falta deles. Como tudo, era parte de seu passado. Lembrou-se dos vasos novos de Beta. A garota estava coberta de razão.

















CAPÍTULO  XXVIII




O carro estava na oficina. Teve que pegar um ônibus. Na volta, resolveu pegar o metrô. Sentou-se na estação à espera do trem. Não tardaria. A voz no alto-falante já afirmara isso. No entanto, não estava tão perto assim, que não lhe desse tempo de se sentar e pensar na vida.
Fora ao médico. Tudo estava bem. Ele já marcara sua próxima consulta. Ainda dava tempo de comparecer ao trabalho. Um trem na direção contrária chegou à estação. Que pena que não era o seu. Uma música antiga tocava no alto-falante. Era como se de repente fosse transportada de novo ao passado. Quantas vezes estivera sentada naquele mesmo banco, a espera do mesmo trem?
A música falava de chuva. Antes de descer à estação, tinha olhado para o céu. Em breve ela cairia também. Sentia o corpo um pouco dolorido. As pernas que cansavam. Os pés que queriam estar envolvidos por um quente e macio par de chinelos.
O trem chegou e Anabel entrou. Vários lugares. Poderia até escolher. Não queria fazer baldeação, um ônibus a deixaria bem mais perto.  Era melhor sair da estação e pegar um. Que falta lhe fazia o carro agora.
Ventava lá fora. A chuva começou a cair. Fina e triste como um lamento. Vapores brancos envolviam os cumes dos montes.
Por sorte, o ônibus logo chegou. Sentou-se junto de uma janela. Aspirou o ar frio que entrava por ela. Ainda faltavam dez minutos para que a viagem terminasse. Minutos eternos e incansáveis. Pesados como patas de paquidermes, que custavam tanto a passar.
Os passageiros tagarelavam, indiferentes ao silêncio que pesava lá fora. Era como se o tempo lá fora estivesse branco e seco. Queria tanto que a viagem acabasse logo, mas não acabava.
Um menino, lá fora, passou gritando:
_ Amendoim, amendoim.
Uma jovem no banco da frente reclamava com a amiga por não ter contado que ela estava namorando um rapaz. O que ela tinha com isso? Por que as amigas tinham o dever de contar tudo uma à outra? Ninguém pode ter um segredo? Um minuto de privacidade?
Trabalhou como um robô. Estava cansada. Chegou em casa, tomou um banho quente e deitou-se na cama. Queria dormir cedo, mas não tinha sono.



O telefone tocou.
_ Alô, Anabel?
_ Laís? É você? Não pode ser.
_ Sou eu mesma. Quanto tempo, Anabel.
_ O que tem feito?
_ Nada de novo. Estava vendo umas fotos antigas. Deu tanta saudade. Combinei com a Helena de visitá-la amanhã. Não quer vir comigo?
O coração de Anabel deu um salto. Não dava pra pensar em Helena sem pensar em Fernando.
_ Não sei. – tentou se esquivar.
_ Vamos, Anabel. Vai ser legal.
_ Tá bem. A que horas?
_ Vamos de tarde.
_ Nos encontramos onde?
_ Na casa dela mesmo.
_ Está bem.
No outro dia, foi até a casa da amiga. Ainda morava no mesmo lugar. Sempre morara ali. Desde criança. Aquelas paredes faziam parte de sua vida. Anabel morara em tantas casas que sentia que não fazia parte de nenhum lugar. Helena a recebeu na porta. Continuava tão linda, como sempre. Elas duas sentaram-se na sala. Aquela mesma sala em que estivera tantas vezes.
Conversaram amenidades. A conversa não fluía. Quando adolescentes tinham uma conversa que não tinha fim e agora lhes faltava assunto.
De repente ele chegou à porta. Vinha da rua. Ainda estava ali. Anabel pensou que não mais o encontraria. Faziam tantos anos. O coração de Anabel deu um salto, como sempre.
_ Anabel. _ Ele sorriu.
Era ela mesma. Nunca a vira tão linda. Linda?! Sim . Linda. Acostumara-se tanto em vê-la feia, desgraciosa. Que era muito estranho vê-la assim. Bela.
Abraçou-a e beijou-lhe as faces.
_ Então, Anabel. _ Fernando perguntou de repente. _ Já casou?
Estava curioso.
_ Não.
_ Tem filhos?
_ Não.
_ Namorado?
Ele parecia insistir.
_ Não.
_Onde você mora só tem homem bobo?
Ela não soube o que dizer. Assustou-se. Como assim “homem bobo”? Então ele achava que ela era bonita? Era a segunda vez que aquilo acontecia com ela na mesma semana. Encontra-se com um amigo de infância que lhe fizera as mesmas perguntas. Finalizando com a mesma pergunta de Fernando. “Aqui só tem homem bobo?”
Anabel sorriu sem graça. Nisto chegou Laís e foi aquela festa. Laís sabia como encher e iluminar um ambiente. Contou tantas aventuras. Anabel não tinha nenhuma para contar.
Ela e Fernando conversavam como se tivessem se visto na semana passada. Para Anabel, tudo tinha um toque de surreal. Ela, Laís, Helena e Fernando ali. Conversando, rindo, como se ainda fossem adolescentes.
_ E você, Laís. Já se casou?
_ Estive noiva há dois anos atrás, mas não deu certo.
Ela deu uma gargalhada. Não estava ligando.
Fernando percebeu que Anabel estava em alerta,como ficava sempre que ele se aproximava de Laís, quando eram adolescentes. Resolveu provocá-la.
_ Já beijei a Laís, Anabel. Quando a gente estava na escola. Um monte de vezes.
Anabel sobressaltou-se. Aquilo não podia ser verdade. Laís teria lhe contado. Contavam tudo, uma a outra. Laís sempre fora muito transparente, com um apego obsessivo pela verdade e lealdade. Podia confiar cegamente em sua amizade.   Até por que, Laís não esconderia este triunfo de Anabel.
_ É mentira dele. Você sabe. Nós duas gostávamos dele, mas nunca aconteceu nada.
_ Você também gostava de mim, Anabel? _ Disse Fernando olhando-a fixamente.
Como se ele não soubesse. Era impossível que tivesse esquecido. Todos sabiam. Laís até lhe dissera com todas as letras.
Ele voltou a um passado remoto e lembrou-se do dia em que Laís lhe dissera que as duas gostavam dele. Laís lhe dissera isto, mas Anabel nunca admitiu. Não com palavras.
Ela riu sem graça e mudou de assunto. Isto era bem típico dela. Não mudava nunca. Não ia admitir, nem agora, que fora apaixonada por ele. Examinou-a detalhadamente. Lembrou-se do dia em que fizera isto naquela mesma sala, no primeiro dia em que ela pisara em sua casa. A figura continuava esbelta. Mas agora com contornos definidos de mulher. As pernas eram torneadas. A garota, que antes era feia, se transformara em uma mulher linda. A história do patinho feio se repetia, e ele nunca beijara aquele lindo cisne que estava na sua frente. Os cabelos eram bem cuidados. Emolduravam-lhe esplendidamente o rosto. As roupas eram elegantes, lhe davam um ar de mulher sofisticada. Era linda demais. Uma mulher na essência da palavra. Esbanjava graciosidade.
            Como na primeira vez, ela pousou sobre ele os olhos, mas desviou por perceber que ele a observava. Pareciam que tinham voltado no tempo e repetiam a mesma cena de muitos anos atrás. Os olhos de Anabel! Que tantas vezes o prenderam. Continuavam os mesmos.Verdes, de um profundo jade. Com a mesma luminosidade da menina que se transformara em mulher, como se tivessem vida própria.  O que antes destoava de todo o resto da figura de poucos encantos, agora caía perfeitamente nesta nova mulher.
As sobrancelhas eram as mesmas, com lindos cílios longos. Olhos, sobrancelhas e cílios perfeitos, plantados numa figura que agora era linda.
Arrependeu-se de não tê-la beijado algum dia. Lembrou-se da época em que ela mudara-se para o sul e voltara quase um ano mais tarde, apenas um pouquinho menos feia e devidamente beijada por um carinha qualquer. Helena lhe contara e ele morrera de ciúmes. O cara não era bobo nem nada. Devia ter vislumbrado na garota quase sem encantos, no belo mulherão em que ela se transformaria.
Helena chamou para o lanche. Era como se ele acordasse de um devaneio. Bonita ou feia, Anabel sempre tivera o poder de tirá-lo dos eixos. Lá estafa ele, como um adolescente, com os quatro pneus arriados por ela.

Se Laís percebeu alguma coisa, não falou nada. Mas Anabel percebera, estava visivelmente sem graça e não sabia onde colocar as mãos. Eles lancharam na sala mesmo. Resolveu quebrar o clima. Não era mais um garoto.
_ Acho que você devia se casar comigo, Anabel. _ Ele disse em tom de brincadeira.
_ Como?! _ Ela levou um susto.
_ Isto mesmo. Ainda não se casou. Já está na hora. Se vai ser com um cara qualquer, é melhor que seja comigo, que sou seu amigo.
Amigo? Eles nunca foram amigos. Amara-o demais para que a palavra amigo fosse posta entre eles. Mesmo depois de tantos anos, ainda não o esquecera e não houvera um só dia em que não tivesse pensado nele.
_ Deixe de bobagens. _ Disse Anabel.
Estava mesmo sem graça. No entanto, era como se de repente recebesse um presente que por tanto tempo ansiara. Ele a queria. De brincadeira ou não, ele a queria. Não se dividia mais entre Laís e ela, como fazia antigamente. Estava ligado nela, somente nela. Até brincara com Laís, mas estava com sua atenção voltada somente para ela. Ela vencera Laís finalmente. Mas já não eram mais garotos. O tempo havia passado para os dois. Era muito tarde para qualquer coisa.
Ficou tarde e ela e Laís partiram. No caminho, acabou tocando no assunto. Será que estivera cega o tempo todo? Será que eles haviam namorado? Ele namorara Aline. Por que não namoraria Laís?
_ Aquilo que o Fernando falou é verdade? _ Finalmente perguntou Anabel.
_ Sobre?
_ De vocês terem namorado.
_ Claro que não! Era brincadeira. Você não viu?
_ Mas podia ter sido verdade.
_ Eu não teria coragem de fazer isso com você.
Não precisava dizer mais nada. Confiava totalmente em Laís. Ela jamais mentira para ela. E jamais mentiria. Só não sabia que ela não tinha coragem de beijar Fernando. Este sempre fora o sonho de Anabel . Julgava que fosse o sonho de Laís também. Será que tivera oportunidade de beijá-lo? Anabel nunca tivera. Julgava que com Laís tivesse acontecido o mesmo. De qualquer forma, não comentaria. Não queria perguntar mais nada. Não queria mais saber de nada. Não dá pra recuperar o tempo. Nunca tivera Fernando e ele nunca seria seu.
Despediram-se e se foram. Olhou mais uma vez pra trás. A amiga lhe acenou. Quando é que seus caminhos se cruzariam novamente? Não sabia dizer. Uma vez Beta lhe dissera uma coisa que ficara guardada em seu coração. Anabel gostava de fazer novos amigos, mas não costumava carregá-los. Vasos novos e lindos, que sempre ficavam no meio do caminho. Onde estaria Beta agora?  




















CAPÍTULO  XXIX


 
_ O que você tem? _ Perguntou Samara.
_ Nada.
_ Como nada?
_ Só estou um pouco cansada.
_ Quer que eu pegue um café para você?
_ Não é necessário.
_ Um lanchinho talvez.
Realmente estava com fome, mas não gostava de explorar Samara. Era sua estagiária. Uma estagiária da firma, mas precisamente. Não sua empregada. Estava ali para aprender com ela, não para ser sua serviçal.
_ Isso não faz parte de suas atribuições, Samara.
_ Eu sei. Só gostaria de ajudar.
_ Tudo bem.
Deu um sorriso amarelo para a moça. Olhou para ela. Tão jovem, tão esperançosa das coisas que poderia fazer na vida. Ela também já fora assim um dia.
_ Quantos anos você tem, Samara?
_ Vinte. Por que a pergunta?
_ Nada.
Também tivera vinte anos. Quisera ser uma grande arquiteta. Olhou a sala em volta. Era ampla, bonita. Tudo o que um arquiteto gostaria de ter. Ganhava um salário bem razoável. Não tinha do que reclamar. Mas às vezes sentia que estava faltando algo.
_ Você está distante outra vez. _ Disse a moça.
_ Sempre sonhou em ser arquiteta?
_ Sempre. _ Disse a moça com um largo sorriso. _ É o sonho de toda vida. Sempre quis ser arquiteta como o papai.
Seu pai não fora um arquiteto. Fora um militar. Sempre pulando de galho em galho. Mas ela não queria seguir sua profissão. Queria criar raízes, com bases sólidas. Talvez fora por isso que começara a carreira.
Quando era adolescente, achava que esse era o sonho de sua vida. Queria ser uma arquiteta. Nunca se desviara de tal idéia. Tão logo começou o curso, sentia-se feliz, orgulhosa. No entanto, tão logo se deparou com os trabalhos, percebeu que aquilo não era a profissão que sempre desejara. Não era tão legal assim, como pensava.
Mas não desistiu. Seguiu em frente, fazendo o melhor possível. E fazia bem. Tão bem, que fora contratada, tão logo se formou, pela firma que lhe oferecera o primeiro estágio. Todos elogiavam o seu trabalho, mas no fundo, não era bem aquilo que queria.
 _ Está se sentindo mal? _ Perguntou Samara, já um tanto preocupada.
_ Não, por quê? _ Perguntou Anabel com um débil sorriso.
_ Você me parece um pouco pálida e está tão distante.
_ Apenas não estou satisfeita com o trabalho que fiz durante quase um dia inteiro.
_ O que há de errado?
_ Não ficou como eu esperava. No início, parecia que ia tão bem. No entanto, não ficou bom.
Samara olhou para a tela do computador.
_ Para mim, parece muito bom.
_ Comum é a palavra. Se quer ser uma grande arquiteta, fuja do lugar comum.
_ Isto se aplica a todas as profissões.
A garota estava coberta de razão.
_ Exato.
_ Mas o que te desagrada tanto?
_ Não é apenas o objeto final. São os caminhos percorridos que não deram em nada.
_ Como assim?
 _ Sei lá. Às vezes tenho saudade da boa e velha prancheta. O computador é assim. Num minuto te poupa horrores, como você nem imaginava antes da era digital.
_ Eu nem consigo imaginar como era antes da era digital.
_ Você escrevia cartas para os seus amigos. Tirava fotos e mandava revelar e então mostrava as fotos pros seus amigos.
_ Quase todas as minhas fotos estão presas no computador.
_ Eu já nem tiro mais fotos.
_ Mas em compensação, pode tirar muito mais fotos e enviar para os seus amigos.
_ Banalizou de um modo tão geral, que nem tem mais graça.
_ Acho que você está muito nostálgica, hoje.
_ Talvez. Mas no tempo da prancheta, não teria trabalhado um dia inteiro e no final dele, achar que perdi todo o meu tempo.
_ Engraçado. Agora que você falou, muitas vezes fico com uma sensação estranha quando desligo o computador.
_ Que sensação?
_ De ter desperdiçado o meu tempo. Tempo em que poderia ter construído algo ou mesmo ter descansado. Você desliga o monitor e tudo desaparece. Então você se pergunta: O que eu fiz da minha vida?
_ É exatamente como estou me sentindo agora.
_ Não fique deprimida com isso. Não está com fome?
_ Estou.
_ Podemos sair mais cedo hoje. Que tal comermos alguma coisa juntas? Podemos também dar um pulinho no shopping.
_ Não é para tanto, Samara.
_ Só o lanche, então?
_ Você me convenceu.
_ Mas não vá se acostumando. No é todo dia que a estagiária deixa a chefe sair mais cedo.
As duas riram.
Samara tinha uma coisa que ela nunca tivera. Humor invariável e auto-confiança. Ou seriam duas? Quando ela falaria com tanto desembaraço com sua chefe? Lembrou do primeiro dia em que ela debruçara-se em sua prancheta.
_ Você está tremendo? Está nervosa? _ Glória havia perguntado.
_ Não, eu tremo assim mesmo. _ Ela respondera.
_ Resposta mais desastrosa não poderia haver. Uma menina comentara rindo com os outros estagiários uma vez, tempos depois. Anabel teve que rir também. A garota tinha razão. Mas naquele tempo, já não era mais uma iniciante e Glória há muito já estava longe dali.
O tempo se passara e naquela firma já não havia um estagiário daquela época. Uns por não serem o suficiente capazes, outros por quererem  voar mais alto. Glória quisera voar mais alto e muitos de seus amigos também. Apenas Anabel continuara ali, feito um jatobá. Breve Samara também voaria e outro ocuparia seu lugar. Abrigaria-se em sua sombra e depois voaria. Mas ela continuaria ali, firme, sem ter coragem para voar. Algumas pessoas são pássaros, seus pais eram uns deles. Outras eram árvores, como ela. Achava que era mais feliz quem era árvore. No entanto, agora chegava a duvidar. 








































CAPÍTULO  XXX





Estava desconfiada. Ou tinha plena certeza. Samara estava apaixonada por Danilo. Desde que ele entrara para a empresa, ela havia modificado o comportamento. Eles já se conheciam daépocado colégio e se reencontraram agora no estágio da firma.
Vinha sempre mais arrumada. Com um redobrado cuidado com a maquiagem, que retocava sempre.
Estava um pouco mais apreensiva e constantemente olhava para a porta. Como se a qualquer momento, Danilo fosse entrar por ela. 
Ele entrou meio sem jeito. Os olhos de Samara se iluminaram, mas não quis dar o braço a torcer e os dois se cumprimentaram quase que friamente. Será que suas suspeitas eram infundadas? 
Sentiu um agradável perfume no ar. Se Samara estava se esmerando, Danilo não ficava atrás. Talvez suas suspeitas não fossem tão infundadas assim.
_ Trouxe este projeto pra você dar uma olhada. _ Ele disse para Anabel, lhe mostrando o laptop.
Anabel examinou cada detalhe. Ele realmente tinha talento.
Samara não se mostrou muito interessada, ou não quis demonstrar isto foi até o bebedouro pegar um copo d’água.
_ Estão muito bons, Danilo. Acho que o chefe irá gostar.
_ Obrigado, Anabel. 
O rapaz ficou radiante e se encaminhou para porta, cantarolando. Mas olhava diretamente para Samara. E céus, ele sorria. Bingo! Anabel tinha razão. Estavam apaixonados.
_ Parabéns, Danilo. _ Disse Samara um tanto meio sem jeito, enquanto apertava a mão do rapaz. _ Estou gostando de ver.
_ Obrigado, Samara._ Ele disse. E saiu com um grande sorriso. 
            Quando Danilo se retirou, o perfume continuava no ar. Anabel não se conteve.
_ Acho que vai dar namoro!_ Disse Anabel num cochicho.
            Samara riu, mas ficou pensativa. Ela parecia um pouco trêmula. O que era mais um sinal
            _Será que estou me apaixonando por ele?
Ela fez a pergunta, mais para si mesma do que para Anabel
Ela podia até ter dúvidas, mas Anabel tinha certeza.
_ Não sei. Acho que quem deve me responder é você.
_ Capaz.
Talvez Samara estivesse mesmo convencida de que ainda não estava apaixonada por ele. A quem ela estava querendo enganar?
_ Capaz?
_ É._ Ela admitiu finalmente._ Eu me conheço. Mas espero que não dê em nada.
_ Como assim?
Anabel não conseguia entender tal pensamento.
_  Quero que não vá a diante.
Será que ela estava falando sério? Anabel não podia acreditar.
_ Por quê?
_ Não quero que eu me machuque, ou que machuque alguém.
_ Não acha que está sendo pessimista? Eu acho que ele está interessado em você.
            _ Não posso dizer que ele seja indiferente a mim. Talvez não seja, talvez me admire como pessoa. Não como mulher.

            Olhou dentro dos olhos da garota e encontrou neles sinceridade. Ela não estava fingindo. Ela tinha mesmo medo de tais sentimentos. Estava um tanto aflita. Anabel teve dó dela.
_ É claro que ele te admira como mulher. O que deu em você? É quase palpável a eletricidade que há entre vocês dois.
_ Dá pra perceber?
Ela abriu bem os olhos e Anabel viu neles uma luz de esperança.
_ Tem a sutileza de um elefante.
As duas riram.
_Tento agir como agir naturalmente. Mas acabo dando bandeira. Não é mesmo?
_ Vocês namoraram no colégio?
Anabel queria saber tudo.
_ Claro que não!_ Ela parecia muito surpresa com o que Anabel dissera.
_ Por quê? Não gostava dele?
_ Não! Sei lá. É claro que ele sempre me chamou a atenção. Mas acho que agora rola uma sintonia diferente.
_ Eu conheço esta história. _ Riu Anabel. _ Já vi acontecer tantas vezes.
_ O caso é que sempre acabo dando com os burros n’água. É tão estressante.
_ Deixe de bobagens, Samara.
_ Eu já conheço todo o enredo. No começo tudo são flores. Olhos nos olhos. Olhos que fogem. Olhos que procuram. Olhos que dizem. Olhos que deixam de dizer. E de repente tudo se acaba. Como um balão de sorvete. Que se derrete tão logo você o procura no céu.
_ Olhe lá um balão de sorvete!. _ Disse Anabel apontando para a janela.
Samara olhou para janela, parecendo não entender nada.
_ É uma brincadeira da minha época. “Olha lá um balão de sorvete!” Diziam as crianças apontando pro céu. “Onde está?”. Perguntava a outra, procurando em vão. “Derreteu.” Era a resposta desanimadora.
            _ No nosso caso parece mesmo assim. Como este balão de sorvete. Está fadado ao insucesso.
_ Já disse pra você deixar de ser pessimista.
_ Não é uma questão de pessimismo. É uma questão de encarar os fatos de frente.
_ Não vejo problema algum.
_ Mas não há mesmo futuro, Anabel. É caso de não se ter esperanças.
_ Sempre há esperança.
Não queria ver a garota deprimida. Era tão bonitinho ver os dois juntos.
_  Mesmo que tivesse, sei que não é aquilo que quero. Então, por que deixar crescer esta plantinha? Que de broto tenro, parece uma linda planta. Mas está claro que vai nascer uma erva daninha.
_ Erva daninha?! Não acha que está pegando muito pesado?
Quem enchera a cabeça de Samara com pensamentos tão sombrios?
_ Não consigo encarar de outro jeito.
_ Quanto drama!_ Disse Anabel com um sorriso complacente.
            _ Por que vivo me apaixonando o tempo todo? E sempre pelas pessoas erradas? As mais imprevisíveis e as que menos se pode alcançar. Por que não se apaixonar por aqueles que as pessoas julgam que é o mais certo pra você?
_ Não sei por que ele não é o certo para você. Muito pelo contrário. Ele me parece bem interessado.
Samara olhou para o alto. Como se estivesse mesmo vivendo mesmo um drama interior. Talvez estivesse mais apaixonada do que elas duas julgavam.
_ O pior disso tudo é que eu sei que se fizer uma forcinha. Pequena que seja. Ele vai correr pra mim.
_ Esta é a Samara que eu conheço! _ Anabel bateu palmas, com um largo sorriso.
_ Mas o que faço com isso? Como administrar tal sentimento? Por que ele tinha que estar tão bonito? Por que eu tinha que nutrir este sentimento tão mesquinho por ele?
_ Paixão agora é um sentimento mesquinho?
_ Paixão? O que é isso?! É claro que não estou apaixonada por ele. Não ainda.
Ela parecia mesmo assustada com a conclusão a qual chegara Anabel.
_ Se não está, Samara. Está bem perto disso.
_ Paixão. _ Disse Samara divagando. Como se Anabel não estivesse ali._  Sentimento mesquinho que estraga qualquer tipo de sentimento ou relação. Uma vez que ela aparece, acaba-se todo o respeito e qualquer tipo de amizade.
Talvez Samara estivesse mesmo certa. Quantas vezes não vira aquilo acontecer?
_ E dura tão pouco._ Disse Anabel _ Depois é cada um pro seu lado e você com aquela cara de pastel, com um sorriso amarelo, com gosto de cabo de guarda-chuva.
_ Você parece ler meus pensamentos, Anabel.
_ Ora, querida._ Disse Anabel, quase maternalmente. _ Não dê ouvidos a esta mulher amarga.
_ Não. Você tem razão. Nós duas temos. E o pior de tudo é que eu sei que não vou fazer nada contra isso. Vou deixar que tudo aconteça, até que se complete o ciclo. Vou me apaixonar. Conquistá-lo ou não. Por inteiro ou pela metade. Não importa. E depois vou perdê-lo. Como sempre me acontece.
_ Não fale estas coisas. Não vai acontecer nada disso.
            _ Deixa estar por hora, Anabel. Ainda não estou apaixonada e talvez nem me apaixone.
_ Talvez você tenha razão, Samara._ Disse Anabel, finalmente. _ Por hora vamos nos concentrar no trabalho. Mas esta história está apenas começando.
            As duas se atiraram no trabalho e não mais tocaram no assunto. Cada uma imersa em seus próprios pensamentos.
            Anabel não podiam se colocar em cima de um pedestal e encarar os sentimentos de Samara como frívolos e próprios da idade. As dúvidas eram verdadeiras. Aquilo podia mesmo acontecer. Com ela não acontecera de modo igual? Quantas vezes tentara amar e não dera certo? Por que Fernando, mesmo depois de tantos anos ainda povoava seus pensamentos? Por que amar não era fácil?
            A semente do amor estava brotando entre Samara e Danilo. Era tão fácil ver. Só um cego não veria. Mas tudo não parecia ter acontecido igual entre ela e Fernando e o que acontecera no final? Nada.
            Não ia mais se meter na vida de Samara e Danilo. Talvez a garota tivesse mesmo razão. Era melhor que ela não brincasse com fogo.
            Mas a paixão era inevitável. A própria Samara tinha consciência disso. Que deixasse o tempo correr e as coisas acontecessem naturalmente. E se tivesse que sofrer, sofreria. Depois o tempo se encarregaria de cuidar disso. Só o tempo cura as feridas. Mas as marcas ficavam, ou nunca mais teria pensado em Fernando.
  
             
           







































CAPÍTULO  XXXI



A turma do trabalho marcou uma festinha pra depois do expediente. Era aniversário da Luana. Quase todo mundo foi. Estava muito animado. Foi bom para Anabel espairecer um pouco.
            No outro dia, chegou em sua sala e encontrou Samara calada. Aquilo não era típico dela. Devia ter alguma coisa a ver com o Danilo. 
            _ O Danilo não foi na festa da Luana, não é? _  Perguntou para Samara. _ Eu senti falta dele.
            _ Pois eu não senti. _ Disse a outra com uma indiferença que estava longe de sentir.
            _ Não seja boba. Eu conheço você.
            _ Está certo. _ Ela entregou os pontos. _Eu jurava que ele ia. Mas não foi. Será que ele tem namorada? Se não foi é porque tinha algo melhor pra fazer. Eu não quero fazer papel de tola. Ficar curtindo um sentimento por um acara que de repente vai chagar para mim e me apresentar uma namorada.
            _ É um risco que se tem que correr.
            _ Você não é do tipo que corre riscos.
            _ Não. Eu não sou.
            Elas ficaram por um breve instante caladas. Como se cada uma pesasse suas vidas em uma balança. Até que Samara retomou a conversa.
            _ Hoje, quando cheguei, o Danilo já estava na empresa. Ele geralmente chega depois de mim.
_ E...
_ Eu me arrumei cuidadosamente pensando nele. Quero que ele me veja bonita. Não olhei diretamente para ele. Sei lá, uma timidez que não sentia antes.
_ Isso está me cheirando a amor.
_ Não seja boba. É claro que não. Está certo que as coisas são diferentes agora. Ele já não é aquele rapazinho que conheci na escola. Assim como eu já não sou aquela menina boba. Agora ele é um homem e eu sou uma mulher.
_ Nossa!
Samara uma mulher! Aquela era pra rir.
_ Não faça esta cara.
_ Está bem. _ Riu Anabel. _ Me desculpa. Conte tudo.
            _ Depois eu me virei pra ele e o cumprimentei. Ele sorriu e me acenou prontamente. Ele não se faz de difícil, como outros caras que conheço. Ele está olhando quando eu estou olhando. Será que estou me apaixonando por ele, Anabel?
_ Quer uma resposta sincera?
_ Será que os sentimentos dele mudaram em relação a mim? Pode ser amizade e eu apenas estou vendo coisas. Talvez eu queira que ele me olhe de maneira diferente.
            _ Deixe que as coisas aconteçam naturalmente.
_ A gente tava tomando um café e de repente olhei e ele estava olhando pra mim. Será que ele tem o mesmo tipo de sentimento?
_ E você ainda pergunta?
_Na hora que nós já estávamos saindo, ele não veio falar comigo, como pensei. Então eu me sentei na mesa para terminar o café. Não vou ficar correndo atrás. Mas então a  Luana chegou me pediu pra eu o chamar e eu prontamente chamei.
_ Ela estava pedindo uns papéis que o Vítor tinha deixado com ele. Mas ele disse que havia esquecido os papéis. Então eu fiz “tóin”! Que coisa mais infantil e sem graça. Ele ficou olhando pra minha cara e não disse nada. Eu fiquei envergonhada, me despedi e saí.
            _ Não era pra menos, Samara.
_ Eu sei, Anabel. Mas não parei de pensar nisso. Não quero que ele fique aborrecido comigo. Nem que me ache uma idiota. Então eu voltei lá e pedi desculpas.
_ No que fez muito bem. Mostra maturidade.
            _ Ele disse que tava tudo bem e apertou a minha mão, como pra selar uma amizade. Senti-me uma boba. Mas ele ficou segurando mais do que o usual. Então eu me pergunto se ele sente alguma coisa por mim ou não.
_ Ta na cara que sim. Não é, Samara?
_ Não tenho tanta certeza, Anabel. Ele estava contando algo pra Luana e me disse: “Fica aí também pra ouvir!” E continuou com o assunto. Assim, me dando uma ordem, como um homem dá pra sua mulher. Ele já não é mais um menino, Anabel.
_ Nem você. Não é?
_ Então o chefe passou e eu o apresentei como um amigo de escola. Queria que a Luana ouvisse isso. Que já somos conhecidos e que somos apenas amigos. Quando estou apaixonada, fico tão transparente. Não quero ser alvo de fofocas. Não quero que ninguém diga que eu gosto dele. Que perceba que nós somos um possível casal. Isso me dá arrepios porque não quero dar com os burros n’água.
            _ Não fique preocupada, com isso Samara. É tudo muito recente. Deixe que o tempo irá se encarregar de ajeitar as coisas.
            Onde estava aquela menina alegre e segura que alegrava seus dias? Bastou Danilo aparecer e em dois tempos transformar Samara naquela mulher cheia de dúvidas. A paixão tem o dom de transformar as pessoas. Esperava que as coisas dessem certo pra garota. Estava na cara que Danilo estava e muito interessado. Por que Samara não estava conseguindo administrar aquilo?
Chegou em casa alarmada. As preocupações de Samara lhe fizream se lembrar de Fernando.
 Fernando. Fernando. Fernando. Por que pensar nele agora? Por que depois de tanto tempo? Por que não o esquecia? Por que não virara a página como fizera com todas as outras pessoas de sua vida?
E se nunca mias amasse ninguém? E se não tivesse a chance de amar em sua vida? Não queria acordar de repente uma velha sem ninguém, que só amou um homem na vida e que não teve coragem de abrir o seu coração para mais ninguém. Fernando era uma coisa muito distante de sua vida. Por que tanta fixação?
            Sentia agora, tantos anos depois, o mesmo aperto no peito de saudade que sentem os apaixonados.
Revirou velhas cartas. Achou o que procurava. Uma foto de Helena e Fernando. Aí estava. Pareciam tão meninos. Era mesmo este homem?
Dois dias depois todas as preocupações de Samara pareciam sem o menor fundamento. Danilo se declarara e os dois iniciaram um namoro.


CAPÍTULO  XXXII







     Estava andando distraída pela rua. Precisa comprar copos. Protelara o máximo que pudera, mas não podia fugir disso agora. Coisas da vida adulta. Ouviu alguém chamando de dentro de um carro, por ela. Olhou e teve uma agradável surpresa. Era Fernando e Helena.
_ Como vocês estão? _ Perguntou Anabel com um sorriso.
Se soubesse que o encontraria, teria se arrumado um pouco melhor. Pensou. Era sempre uma festa encontrar Fernando. E se ele estava com Helena, a festa era completa. Eles eram tão unidos. Achava que quando os irmãos ficavam adultos, se separavam, vivendo cada um a sua vida. Mas com Fernando e Helena era diferente. Eles não se separavam nunca.
_ Estamos bem. _ Disse Helena com um largo sorriso.
_ Já casou? _ Perguntou Fernando.
Era esta a sua preocupação de sempre. Que ela se casasse. E ele jamais tivesse uma chance de ficar com ela. De que outro viesse e arrebatasse o seu coração para sempre.
_ Não. _ Ela disse.
Mas não perguntou se ele já havia se casado. Não daria o seu braço a torcer.
Conversaram sobre várias coisas. Quando se encontravam, era como se o tempo não tivesse passado.
_ Por que você sumiu? _ Perguntou Helena. _ Por que não liga mais?
_ Perdi minha caderneta de telefone. _ Confessou Anabel.
_ Pega o meu número. Também quero o seu.
Elas trocaram os números de telefone. Anabel notou que Fernando também anotou o seu número, quando ela o passou para Helena.
_ Agora que tenho o seu número. _ Ele disse. _ Vou ligar para você, para a gente sair qualquer dia desses.
Anabel sentiu um sobressalto. Será que ele estava falando sério? Ele sempre brincava com ela. E estava brincando naquele momento. Como podia ter certeza?
Ela não escaparia desta vez. Pensou Fernando. Já passara dos trinta. Se tivesse que ter casado, já o teria feito. Ele tão pouco se casara. Nenhuma beldade aparecera para ele. Nunca estivera com alguém com quem tivesse vontade de constituir uma família e ter filhos.
Não quisera ter nada com Anabel no passado por julgá-la indigna dele. Era feia e estava acabado. O que iria dizer pros seus colegas? Iriam rir dele. Onde estavam os seus colegas agora? Não tinha contato com mais nenhum. E se estivessem por perto agora, iriam ver o mulherão em que se transformara. Bonita, interessante, elegante e sempre com aquele olhar misterioso, que tinha a capacidade de prendê-lo aos seus.



Anabel achou que ele ligaria mesmo. Nem mesmo esperou o telefonema de Helena. Apenas o de Fernando. Mas as horas passaram e nada. Foi dormir um pouco deprimida. Ele apenas estava brincando com ela. Como sempre fizera. Quem era ela. Uma garotinha. Nem mesmo Samara agiria assim.
_ O que você tem? _ Perguntou a estagiária no outro dia.
_ Nada.
_ Sempre a mesma resposta. Algo deixou você triste.
_ Não foi nada, querida. Apenas probleminhas de adultos.
A outra não falou nada. Apenas sorriu.
_ Não pareço muito adulta, não é? _ Perguntou Anabel.
_ Sinceramente...
_ Não quero ouvir, Samara. Volte para o seu trabalho.
_ Está bem.
Não estava com vontade de se abrir com ninguém. Por que Fernando, mesmo longe, parecia sempre pronto a lhe causar problemas? Não valia mesmo a pena. Nem mesmo os copos conseguira comprar. Nada estava a seu gosto.
Enfiou a cabeça no trabalho e acabou esquecendo de tudo. Como sempre fizera a sua vida toda. Quando tinha problemas pessoais, enfiava a cara no trabalho e parecia esquecer de tudo. Até quando viveria assim? Tempos modernos. De pressa, de ter sempre algo pendente para fazer. Queria ter tempo de fazer nada. De procurar o que fazer. Queria ter tempo para si mesma.
_ Vai sair para almoçar ou quer que traga algo para você? _ Perguntou a estagiária.
Anabel olhou para o relógio. Já estava na hora do almoço. Como o tempo corria. O tempo estava passando. Precisava de tempo para si mesma.
_ Pode deixar. Vou almoçar com você.
A outra pareceu espantar-se.
_ Vamos ao japonês da esquina?
_ Que tal irmos ao shopping? Podemos dar uma olhadinha na vitrine.
_ O patrão não vai zangar?
De repente Anabel foi transportada para anos luz de distância no tempo. Viu-se ainda adolescente, em São Francisco do Sul, sendo convidada para almoçar na casa de Simone.
_ Não, não vai zangar. _ Disse imitando o tom de Samara, como fizera Simone um dia. _ Que garota mais medrosa. Onde você trabalha?  Em um quartel?
Essas foram as mesmas palavras de Simone.
Crescera, conquistara sua independência. Já podia decidir, sem consultar a ninguém, onde poderia almoçar e a hora em que poderia voltar. Era dona de sua própria vida. Mas ainda assim sabia que tinha que obedecer regras. Interfonou para o patrão.
_ O que foi, Anabel? _ Ele perguntou.
_ O senhor se importa de eu e Samara nos demoramos um pouco na volta para o almoço? Preciso fazer umas compras.
Ele soltou uma gargalhada.
_ Mulheres! Podem tirar o resto da tarde de folga. Mas não é para acostumar.   _Obrigada. _ Disse Anabel.
No mundo dos adultos, não tinha mesmo jeito de ficar sem obedecer à regra nenhuma. Ela conhecia hierarquia.
_ O que ele disse? _ Perguntou Samara.
_ Que podemos tirar o resto da tarde de folga.
As duas riram e saíram.
_ Vamos rachar um táxi?
_ Vim de carro.
_ Oba!
Ás vezes Samara parecia sua mãe. De tão adulta que era. Em outras era apenas uma menina. Almoçaram no shopping e depois fizeram compras. Chegou mesmo a esquecer de Fernando.
Mas naquele mesmo minuto, ele pensava nela. Estava com o telefone, pensando se deveria ligar ou não. Como ficara na noite anterior. Teve vontade de chamá-la para jantar. Mas onde é que arranjaria coragem? O que diria para ela? O que ela pensaria dele? Não era mais aquela menina desajeitada que vivia suspirando por ele. Já era uma mulher. Ele não deveria ficar se comportando como um garoto. Não pegaria bem.
Como dizer para ela que ainda depois de tantos anos, era para ela que voavam seus pensamentos? Muitas outras mulheres apareceram em sua vida. Mas era apenas um imenso borrão. Era nela em quem pensava em todos os seus dias.
Como quisera que tudo tivesse sido diferente. Como queria estreitá-la em seus braços. Sentir o seu calor e o perfume de seus cabelos. O que fizera de sua vida? Por que Anabel tinha o poder de fazer o tempo parar? O que ela tinha de diferente das outras? Por que nunca conseguira esquecê-la.
Deixaria passar um tempo. Não queria parecer muito afoito.























CAPÍTULO  XXXIII



Esse sempre fora seu mérito: a ingenuidade. Quantas vezes não fora enganada? Abria a porta de seu coração e falava a verdade e pronto. Estava entornado o caldo. Quanto tempo levaria para aprender a grande realidade da vida: “Que em boca calada não entra mosquito”?
O chefe sabia de tudo. Como fizera aquilo?! Samara estava assustada. Ela não tinha mesmo culpa. Fora enganada tanto quanto ela.
_ E então? O que vocês me dizem disto? _ Ele apontava para os e-mails em suas mãos. Não precisava ser adivinha para saber que era a “correspondência secreta” que haviam trocado a respeito de uma decisão tomada pelo chefe que não lhes parecia muito correta. Alícia sorria de um modo zombeteiro. E por que estava tão à vontade? Não fora ela quem iniciara tudo aquilo? O que fizera para sair ilesa e estar tão calma? Coisas de Alícia.
Tudo bem que Samara tivesse caído, mas ela? Como fora tola. Quase uma menina.
Lembrou-se de uma vez, no Ensino Médio, quando as amigas tentaram afastar um professor da classe. É certo que ele não era um dos melhores, mas naquele tempo, Anabel julgava que ser o melhor era passar a mão na cabeça dos outros. Isto ele não fazia. Não mesmo. Então não era um dos melhores. Nem pra ela, nem pra ninguém. Muito menos para um certo aluninho que estava sendo defendido. O professor era implacável com ele. Quem mandou perseguir um dos alunos mais bonitinhos e agradáveis da classe?
“Façam um documento e ponham tudo isso escrito nele”. Alguém dissera de forma tão sincera que parecera o mais justo e certo a fazer. A princípio Anabel julgara que aquilo não seria o certo, o professor não era tão ruim assim. Vai que sairia prejudicado? No entanto, se esse era o único jeito de fazê-lo se tornar um pouco mais “tolerante”, que fosse. Quando o documento chegou às suas mãos, assinou. A decisão fora tomada em grupo, se a turma toda concordara, não ia puxar pra trás.
Na outra semana, lá estava o professor com o documento nas mãos. Como aquilo fora acontecer? Então foram traídos. Ele estava triste e magoado. Sua “tolerância” ficara menor ainda. Os abaixo-assinados foram todos colocados em seu devido lugar. O pobre aluninho em questão, “perseguido” de forma “arbitrária”, não colocara o seu nome no documento e saíra ileso na questão e até louvado pelo professor, porque o garoto não agiu em causa própria. Será?! Naquele momento, Anabel percebeu que o professor era tão ou mais ingênuo do que ela! Realmente teve pena dele e arrependeu-se de ter feito parte daquilo tudo.
Era hora de fazer alguma coisa. A turma estava mais insuflada ainda. Deixou que todos fossem embora, não queria que ninguém fosse testemunha do que iria fazer. Pediu para ter uma conversa particular com o professor e pediu-lhe humildemente desculpas, que não tinham feito aquilo de forma a vê-lo prejudicado e que erraram com ele. Talvez se a turma a visse se reportando a ele de forma tão humilde, a levariam direto para o tronco. No final da conversa, o professor apertou sua mão de forma quase que agradecida e Anabel se condoeu realmente dele. É certo que também pensava em si e no castigo, mas também achara que realmente a turma devia um pedido de desculpas deveria ser feito ao professor. Mas no calor da indignação, ninguém faria isso.
No outro dia, o castigo foi suspenso e tudo voltou ao normal. E a turma nunca ficou sabendo do seu feito. Ninguém veria com bons olhos alguém que volta atrás de uma decisão tomada, como um cachorro que lambe as mãos de seu algoz. Mas o professor não era um algoz, eles é que deixaram ser manobrados por mentes brilhantes, ainda que jovens. Jovens como Alicia. Naquele dia, Anabel colocara como regra de vida que não assinaria nem mesmo um “Salvem as baleias!”. Mas não cumpriu com o prometido. Muitas vezes deixara-se manobrar por mentes mais astuciosas do que a dela. E ali estava ela, em risco de perder o seu emprego e também o estágio de Samara. Tudo por conta de sua língua comprida e sua grande ingenuidade.
Se você concorda em falar da vida de alguém e ainda confirma com o que você sabe. Bem, estourando a fofoca. É claro que você tem que assumir o crime. Não tem pra onde correr. Você não pode dizer: “Ei, eu não tenho nada com isso. Eu não falei nada. Foi fulano.” Bem, se o fulano disse e você confirmou. Você falou sim. E não vale dizer que o fulano falou. Já que ele pediu segredo. Se a batata está quente. Sinto muito, filhinha. Vai ter que ficar com ela na mão. Quem mandou ter a língua solta?
Da próxima vez fique calada. Por que se alguém te perguntar uma coisa, você pode bater no peito e dizer: “Da minha boca não saiu nada..” Mas se saiu. É fofoqueira e pronto. Aprenda a ficar de boca calada.
_ Eu posso explicar tudo. _ Disse para o chefe. Precisava do emprego.
E mais uma vez teve que se humilhar, assumir toda a culpa sozinha. O que não deixava de ser verdade. Mas uma vez abrira a porta de seu coração e ingenuamente dera voz para alguém mal intencionado fazer dela o que quisesse.
É certo que o chefe não tinha o direito de ter aqueles e-mails em mãos. Como ele conseguira aquilo? Alicia, esta era a resposta. Mas e daí? Não era a vida dele? Ela que aprendesse a se calar.               
O chefe perdera a confiança nela. É certo que conservaria o seu emprego por saber de sua capacidade profissional. Ele não era tolo. Não fora assim que chegara ao topo da cadeia alimentar. Tinha que passar por cima de certas coisas para chegar ao ponto principal: o lucro. E isso nada tinha a ver com a vida pessoal. Anabel em seu lugar, teria a colocado na rua, mas ele não faria isso. Precisava dela, assim como ela precisava dele. Ela tinha contas para pagar e ele tinha muito dinheiro para ganhar.
Eles nunca foram realmente amigos, precisavam um do outro para ganhar dinheiro. Mas a conta dele sempre crescia muito mais do que a dela. Era a vida. Uns na vida vem para serem raposas e outros para serem galinhas. Anabel era, e sempre fora uma galinha. Produzia seus ovos religiosamente todos os dias, mas nunca ficava com nada a mais do que sua porção de milho de cada dia.
Por que não se lançara de peito aberto ao mercado para receber muito mais do seu quinhão? Quantas vezes o pai não lhe incentivara a abrir a sua própria firma? Sabia que seu pai lhe ajudaria financeiramente, mas não tinha a mínima coragem para isso. Raposas correm, assumem riscos. Vivem soltas na floresta, debaixo e sol e chuva, são castigadas pelo vento frio. Galinhas vivem deitadas de forma pachorrenta sobre seus próprios ninhos, protegidas pelas telas protetoras de seus galinheiros, recebendo o seu quinhão de água e milho, todos os dias. As galinhas são mesmo indivíduos “admiráveis” pela forma com que “lutam” por suas vidas.
Fizera o que tinha que ser feito. Não se arrependia por sua atitude de galinha. Devia um pedido de desculpas ao chefe, afinal, ele era uma pessoa. Fora leviana ao se deixar levar pelos comentários de Alicia. Ela e Samara foram tolas e levianas. Ter compromisso com a verdade não significa se deixar levar pela conversa de um fofoqueiro. Além do que, em se tratando de mexericos, nunca se sabe se está se tratando com um tolo que fala pelos cotovelos ou um armador de intrigas, no caso de Alicia, logo se viu que a moça se enquadrava no segundo caso. Como Anabel fora tola.        
Não estavam condições de pedir alguma regalia. O que pretendia era sair na hora do almoço e não voltar mais. Mas não estava em condições de fazer nenhum pedido. Deixaria para depois do trabalho. Os pais tinham acabado de voltar de uma viagem, não queria que elas a vissem com aquelas cara de cachorro que acaba de derrubar o pote.
_ Samara, ligue para meus pais e diga que vou me demorar para chegar em casa.
_ Está com muito serviço? _ A garota parecia muito preocupada.
_ Não. Só quero dar umas voltas.
_ Quer companhia?
_ Não vai ser preciso.
A menina parecia preocupada. Um pouco arrependida talvez. Sabia que fora ela quem começara toda aquela confusão.
_ Mesmo?
_ Mesmo. E não fique com essa cara. Você não tem culpa de nada. Ou melhor. Sou tão culpada quanto você. Volte ao serviço. Não quero ficar presa por muito tempo aqui.
Dedicou-se ao trabalho. Era o que sempre fazia quando tinha alguma preocupação. Por que não ficar de boca fechada? Como pudera cair numa daquelas? Era muito bem feito para ela. Que da próxima vez tivesse mais cuidado. Não era nenhuma menininha.
A hora da saída chegou. Que bom que não viera de carro. Precisava caminhar um pouco. Precisava colocar a cabeça no lugar.

    



















CAPÍTULO  XXXIV




Ele estava caminhando pela rua. Estava cansado. O trabalho tinha sido extenuante. Tinha que dar umas voltas. Espairecer um pouco. Sua vida só era trabalho e mais trabalho. Só pensava nisso. Só se dedicava a ele. O que construíra? Nada.
Helena já se casara e tivera um filho. A maioria de seus amigos também. Em alguns meses completaria trinta e cinco anos e não fizera nada de sua vida. Não tinha uma casa, uma esposa, nem filhos.
Pra que ficar pensando em tanto orgulho? Por que não ter aceitado quando o amor batera em sua porta? Por que não disse sim e pronto? Tudo seria tão diferente agora. Como seria sua vida se a tivesse todo o tempo por perto? É certo que os amigos não iriam entender. Que achariam que ele merecia algo muito melhor. E este algo melhor aparecera? Não. De maneira nenhuma. Tantas outras apareceram em sua vida depois dela. E por quantas delas se julgou apaixonado. Mas quando tudo acabava. Lá estava Anabel, mais uma vez, povoando os seus pensamentos.
Nunca a esquecera, nem mesmo um só dia. Comparando-a com as outras, muitas vezes, ela perdia por um ou mais pontos. Mas era ela que estava ali. Prendendo os seus pensamentos.
Era em Anabel em quem pensava. Eram os seus beijos que imaginava. E não ousava nunca em dizer que a amava. Guardava o seu amor para uma mulher ideal que nunca aparecera em sua vida.
Só percebeu que uma pessoa vinha em sua direção quando já era tarde demais. Os dois acabaram dando um encontrão.
_ Desculpa. _ Ele disse.
_ Perdão. _ Ela falou na mesma hora e o olhou com aqueles olhos que nunca saíram de seu pensamento.
_ Anabel.
_ Fernando.
Eles se reconheceram na mesma hora e estreitaram o abraço que já tinha começado entre dois desconhecidos que querem evitar uma queda em um encontrão.
_ Não vi você._ Ele disse enquanto aspirava o doce perfume dos seus cabelos.
_ Não foi sua culpa. Eu estava tão distraída. _ Disse Anabel tentando se desvencilhar, sem muita vontade, do abraço que já estava se tornando longo demais para o abraço de dois amigos.
Mas Fernando não a soltou e ela se esqueceu de quem eram e de onde estavam e aninhou sua cabeça em seu ombro. Era tão bom estar com ele naquele momento.
Ela deu um suspiro.
Ela estava tensa. Ele podia sentir. Vira tristeza em seus olhos.
_ Problemas?_ Ele perguntou sem se mover.
Era muito bom tê-la nos braços. Céus! Como desejara aquilo durante toda a sua vida. E como fora tolo de desperdiçar tanto tempo com tanta bobagem. Se pudesse voltar no tempo, faria tudo diferente. Ela o amava, sabia. Eles poderiam ter ficado juntos a vida inteira. Poderiam ter se casado. Poderiam ter filhos. Filhos de lindos olhos, como ela. Filhos lindos como ela, agora sabia. Mas não poderia saber que aquela menina desengonçada iria se transformar naquela linda mulher. Mas o que os seus olhos não podiam ver, o seu coração já sabia e era por isso que tinha se ligado ao dela, mesmo quando tudo parecia tão irreal.
Gostara dela mesmo naquele tempo. Num tempo em que tudo parecia impossível. Em que qualquer relacionamento entre os dois seria tachado de impossível e improvável. Quem aprovaria que ele a amasse? Quem não iria dizer que ele estava louco? Quem não iria rir dele?   
Mas ninguém acharia improvável agora. Ela estava ali, com ele. E ele nunca mais a deixaria escapar. O destino a colocara em suas mãos de novo. Era melhor não repetir o erro. Dois raios não caem numa mesma árvore. E agora tinha caído. Era melhor não dar bobeira de novo.
_ Quer tomar um café? _ Ele perguntou. _ A gente pode conversar. Ou não, se você preferir.
Ela riu e aceitou o convite. Já nem lembrava mais sobre o que a deixara tão triste. Tristeza com Fernando por perto? Quem era Alicia? Quem era Samara, a estagiária linguaruda? Quem era mesmo o seu chefe e por que estava irritado?
Ela deu uma gargalhada.
_ Deve gostar muito de café. _ Ele disse. _ Você me parece bem melhor.
E estava mesmo. Os olhos estavam vivos de novo. Luminosos quando os percebeu pela primeira vez, quando ainda eram adolescentes. Mal sabia ele que o café em nada tinha a ver com aquela mudança. Era ele quem tinha o poder de iluminar os olhos de Anabel. E era por isso que sempre os via tão vivos.
Eles caminharam para um café e sentaram-se numa mesa do lado de fora. A noite estava quente e a brisa noturna era muito bem vinda.
_ A lua está linda.  _ Ele disse.
_ É mesmo. _ Ela concordou. Examinando a lua pela primeira vez naquele dia.
_ Lua de apaixonados. _ Ele disse, enquanto olhava fundo nos seus olhos.
Ela riu, achando que era mais uma de suas brincadeiras, mas ele estava sério.  
Foi levada de volta ao passado, num dia muito distante. “Vamos bater um sério?” Ele propusera com um sorriso. “O que é bater um sério?” Ela havia perguntado Ele se espantara de ela não saber do que se tratara. “É uma brincadeira. A gente fica olhando sério um para a cara do outro. Quem rir primeiro perde.” Ele havia explicado. Ela achou graça por perceber que era uma brincadeira de criança, mas acabou aceitando. Ficaram olhando um para a cara do outro, sérios. Eles ficaram imóveis, olhando um nos olhos do outro, até que os olhos de Fernando pousaram em sua boca e ela percebeu. Lembrando-se, na mesma hora,do dia em que Laís gabara-se de que Fernando estava conversando com ela e que então seus olhos foram direto para sua boca e Anabel morrera de ciúmes, naturalmente. A brincadeira parecia se repetir e os dois estavam imóveis, como daquela vez, e os olhos de Fernando novamente estavam pousados em sua boca.
_ O que vão pedir? _ Perguntou o garçom, quebrando o clima.
Eles pareciam dois adolescentes de novo. Estavam desconcertados. Ambos pegaram o cardápio muito sem jeito e não sabiam o que escolher.
O garçom percebeu tudo e sorriu interiormente. Chegara numa má hora.
_ Volto mais tarde, então. _ E afastou-se. Deixando-os mais constrangidos ainda.
_ Quer suspender o café e pedir uma pizza? _ Ele perguntou.
_ Vai demorar._ Ela desanimou.  _ Não vim de carro hoje.
_ Eu te levo em casa.
_ É fora do seu caminho. Não quero te dar trabalho.
_ O que é isso? Para que servem os amigos? Não quer a pizza? Que tal um jantar? Tem um restaurante bom ali na esquina.
Não queria perdê-la. Queria aproveitar o máximo de tempo que pudesse ficar ao lado dela.
Ela não estava preparada para aquilo. Não sabia o que fazer. Não sabia como se comportar.
_ Hoje não vai dar mesmo.
_ E que tal amanhã?
Ela abriu a boca, mas não sabia o que responder. Estava entendo mal ou ele estava a convidando para sair? Não podia acreditar. Não tivera tempo de processar aquilo.
_ Vou tomar um expresso mesmo e você? _ Ela disse mudando de assunto.
Então ela não queria sair com ele? Ela não estava casada. Encontraram-se semanas antes. Mas talvez estivesse interessada em alguém. Talvez tivesse mesmo um namorado e não tivera coragem de contar. Perdera a oportunidade quando a tivera em mãos. Agora era tarde.
_ Vou tomar um expresso também. – Ele disse um pouco desanimado e chamou o garçom.
_ Vão querer mais alguma coisa?
_ Não...
_ Um sanduíche não vai demorar. _ Ele a interrompeu. _ E eu estou morrendo de fome.
_ Está bem. _ Ela sorriu. _ Eu acompanho.
Eles escolheram os sanduíches e ficaram conversando sobre amenidades. Falaram sobre Helena, o filho dela. Sobre os amigos de escola que já haviam se casado.
_ Você ainda não casou. Não é? _ Ele perguntou.
_ Não.
_ Não pretende se casar?
_ Talvez.
_ Tem alguém em vista?
Sim. Sempre tivera. E ele estava sentado ali na sua frente.
A brisa se transformara em um vento e o tempo começava mudar. Estivera quente e abafado durante o dia todo. Era mesmo sinal de que iria chover. Ela olhou para o céu.
_ É, parece que vai chover.
O velho assunto sobre o tempo. Ela não queria falar sobre isso. Talvez já tivesse alguém em vista. Quem seria o sujeitinho? Ela estava triste quando a encontrara. Ela não dissera porque. Talvez tivesse triste por causa dele. Que raiva! Raiva não, ciúme. Era melhor começar a dar nome aos bois daqui pra frente. Perdera Anabel porque quisera mascarar os seus sentimentos.
Eles terminaram os sanduíches e o tempo só parecia piorar.
_ Vou ter que ir. – Ela disse pesarosa. Era tão bom estar na companhia dele.
Em algumas horas ele parecia o Fernando de sempre. Em outras parecia pensativo e desanimado. Será que estava entediado com a companhia dela?
_ Vamos, então.
Ela procurou a carteira para racharem a conta e ele pareceu a fuzilar com o olhar. Ela ficou com o rosto em chamas. Não sabia como se comportar. Quando um homem se oferecia para pagar a conta, sentia-se desconfortável, mas acabava aceitando, para não ser descortês.
_ Deixe comigo. _ Ele disse.
_ Obrigada. _ Ela agradeceu.
_ Meu carro está num estacionamento aqui perto. Vamos?
_ O que é isso, Fernando? Eu vou de táxi.
_ Deixa de marra, Anabel. Vai cair uma tromba d’água. Eu vou levar você.
Eles continuaram conversando sobre amenidades durante o trajeto. Ela lhe ensinara o caminho. Conhecia o lugar. Era perto. Chegou a desejar que fosse mais longe. Só para estar com ela durante mais alguns minutos. Será que a perderia de vista de novo? Não podia deixá-la escapar. Por que em se tratando de Anabel, agia sempre como um menino?
A chuva começou a cair antes que tivessem chegado ao prédio dela.
_ Obrigada, Fernando. _ Ela disse enquanto abria a porta do carro.
_ Espere. _ Ele disse pegando o paletó que jogara no banco de trás. Vai se molhar.
Eles se cobriram com o paletó e chegaram à entrada do prédio.
_ Obrigada mais uma vez. _ Ela disse.
_ Não foi nada.
Eles se despediram com os costumeiros três beijinhos. Mas então ele não resistiu. Não dessa vez. Como um ímã, a boca de Anabel atraiu a sua.
Ela não entendeu muito bem o que estava acontecendo. Não esperava aquilo. Não depois de tantos anos. Mas não resistiu ao beijo. Ansiara por aquilo durante todos aqueles anos. Sempre imaginara como seria um beijo entre os dois e a realidade superou as suas expectativas.
Finalmente Fernando a beijara e foi o melhor beijo de sua vida.
Ele não queria que aquele beijo acabasse nunca. Era suave e ao mesmo tempo tão emocionante. Seu coração estava aos pulos, como acontecia quando ainda era adolescente. Precisara viver quase trinta e cinco anos para saber o que era um beijo de verdade e valera a pena. Anabel era a mulher de sua vida. Fora uma pena que levasse tanto tempo para perceber isso. Não a deixaria escapar nunca mais.
O beijo terminou, mas os dois não se soltaram. Ficaram olhando um para o outro, como se nada mais no mundo importasse.
Ela tinha os olhos mais lindos que ele já vira e nunca os tinha admirado de tão perto. Aqueles mesmos olhos que prendiam os seus há tantos anos atrás. Ela era sua. Não podia deixá-la partir nunca mais.
_ Você quer se casar comigo?_ Ele se ouviu perguntando.
_ O que você disse? _ Ela não podia acreditar no que estava ouvindo.
Fernando não quis parecer que estava indo com muita sede ao pote, não queria assustá-la. Mas não podia deixar que ela escapasse. Era a mulher de sua vida e cruzara o seu caminho tão cedo, que ele não havia tido maturidade para aceitar. Quantas pessoas passam sua vida inteira sem amar daquele jeito e Anabel aparecera em seu caminho quando ainda era primavera.
Mas ela não parecia aceitável naquele tempo. Quem poderia torcer o nariz para ela agora?
_ O que foi? _ Ela perguntou diante de seu silêncio.
Os dois continuavam abraçados e ele tinha medo de soltá-la.
_ Não quero perder você. Eu te amo, Anabel. Sempre amei. _ Ele disse.
Ela não podia acreditar no que estava ouvindo. Ela nem ousara sonhar com uma coisa dessas durante toda a sua vida. Aquele era o homem que povoava os seus pensamentos  há quase vinte anos e agora estava ali, na porta de seu prédio, pedindo-a em casamento depois de um primeiro beijo quase ao acaso e que agora dizia que tinha medo de perdê-la. Aquilo só podia ser um sonho.
_ Não acha que as coisas estão correndo depressa demais? _ Ela perguntou finalmente.
Ele lhe deu mais um beijo e as dúvidas de Anabel acabaram.
_ Bem. _ Ele sorriu depois enquanto a abraçava mais forte e lhe beijava os cabelos._ Esperamos quase vinte anos para darmos o primeiro beijo. Se continuarmos no mesmo passo, podemos nos casar daqui a quarenta. O que você acha?
Ela sorriu. Fernando tinha razão. Era hora de encarar sua vida de frente. Não tinham tempo para mais esperar.
_ O que o faz pensar que iria me casar com você? _ Ela perguntou com um sorriso zombeteiro.
_ Sempre foi apaixonada por mim. _ Ele riu com vontade.
_ É verdade. _ Ela concordou.
_ Tão fácil assim? _ Ele perguntou. _ Admite e pronto?
_ Sim. _ Ela sorriu.
_ Essa é a minha garota. _ Ele disse antes de beijá-la mais uma vez.






























EPÍLOGO



Helena levantou o bebê para uma foto. Era a cara de Fernando. Mas os olhos eram de Anabel. Quem podia imaginar tudo aquilo nos tempos de colégio. Fernando e Anabel juntos. Olhou para a cunhada sentada no sofá, enquanto o marido a paparicava. Todo trabalho da festa ficara para ela. Mas o que Anabel podia fazer com um barrigão daqueles? Julinho estava completando um ano e Larissa já estava a caminho. Não se surpreenderia se a menina chegasse agora. Anabel já estava com nove meses. Parece que tinham pressa!
Espantara-se quando o irmão lhe apresentara a “nova” namorada. Anabel finalmente conseguira. Mas não ficou nem um pouco espantada quando o casamento fora anunciado seis meses depois. Então veio o bebê e logo depois o outro. Parece que não queriam perder mais nada nesta vida.
_ Como você está? _ Fernando perguntou para Anabel pela milésima vez.
_ Estou bem. _ Ela disse, enquanto segurava sua mão. _ Apenas um pouco pesada._ Disse enquanto passava a mão na grande barriga.
Ele beijou sua barriga.
_ Aguente mais um pouquinho, filhinha. _ Ele falou. _ Ainda temos que partir o bolo.
_ Ela vai esperar. _ Disse Anabel enquanto passava a mãos no cabelo de Fernando.
_ Já disse que amo você? _ Ele perguntou, enquanto a beijava.
_ Não nos últimos dez minutos._ Ela sorriu.
_ Estou muito ocupado com a festa. _ Ele riu.
_ Helena ficou com todo o trabalho. _ Falou Anabel. _ Devemos recompensá-la.
_ Brevemente. _ Ele disse. _ Vamos lhe dar uma linda sobrinha.
_ Como sabe que será linda?
_ Caprichamos bem da primeira vez. Não vamos desapontar na segunda. Aposto que terá os seus olhos e vai ser a coisa mais linda que alguém já viu. Amo você, Anabel.
_ Também te amo, Fernando.


FIM





  

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