sexta-feira, 20 de julho de 2012

Harriete


ARRIETE




            A festa havia sido horrível. Tudo estivera tão bem até que ela aparecera, com aquela cara de boazinha. Sofia e sua mãe fingiram que não a reconheceram, mas Arriete sabia tão bem quanto as outras que aquela era Cinderela. Só não sabia como ela arranjara aquele lindo vestido. E o seu sapato, então? Arriete podia jurar que eram de cristal. Os cabelos de Cinderela pareciam ter sido penteados por uma fada.
            Arriete sempre soube que Cinderela era mais bela do que ela. Simplesmente tinha vontade de esganá-la. Por mais que fizesse roupas e penteados, não era capaz de se igualar à enteada de sua mãe, mesmo vestida em panos pobres. Mas aparecer vestida daquele jeito, aquilo tinha sido fatal. Arriete olhou-se no espelho, realmente sua beleza não competia com a da moça.
            O pior de tudo era que Cinderela arrebatara o príncipe de suas mãos, seu amado William. Arriete sabia que, na verdade, nunca conseguiria Willy, mas tê-lo como quase cunhado era realmente insuportável. Como Cinderela pode fazer aquilo com ela? Desde os dez anos que amava Willy, que nem ao menos se dignara a olhar para ela. E agora aquela falsa o tomara para sempre. Arriete teve vontade de chorar.
            Como ele podia ter jeito aquilo com ela. Que vergonha! Que horror! Quem suporta ser preterida? Tantos anos de amor em segredo. Que segredo? Esse amor nunca foi segredo pra ninguém. Todos sabiam. Todos sempre souberam. Tanto que ela sentia que ele lhe pertencia.
            Tinha vontade de esmurrá-lo. Tirar satisfações. Mas que direitos tinha? Tinha apenas que conviver com aquela humilhação.
            Como não conseguira enxergar durante todo este tempo. Tantos anos do só pensar nele. Tantos anos de sonhos, castelos de areia construídos em nuvens de sonhos. E no final, o que tinha? Apenas dor e humilhação. Por quê? Por quê? Que dor que não passa. Quanto sofrimento.Quanta infelicidade.
            Se pudesse voltar no tempo, não teria o amado nunca. E agora não estaria sofrendo.
            Estava nessas divagações quando, de repente, bateram na porta. Todos foram para a sala, menos Cinderela, que estava cuidando das roupas. Arriete sabia que hoje Cinderela não pararia de trabalhar. Sua mãe não comentara nada, mas Arriete sabia que ela estava uma fera. Sofia abriu a porta e por ela entrou um mensageiro do rei.
            Arriete teve uma contração no estômago, sabia que ele viera buscar Cinderela e levá-la para os braços de Willy. Sentiu um arrepio ao pensar em tal hipótese. Ele seria dela para sempre. Cinderela o teria em suas mãos. Cinderela era dona do seu amor. Dona do seu coração.
            _ Com licença, senhoras. Venho da parte do rei e trago aqui o sapato da moça que dançou com o príncipe. A moça que calçar este sapato, certamente será a esposa do príncipe, visto que sua identidade é desconhecida a ele.
            Arriete entrou em pânico. Sabia que o sapato era de Cinderela, pois não havia no reino moça de pé tão delicado. Aquele sapato parecia ter tido o próprio pé de Cinderela como fôrma.
            _ Oh, por favor! _ Arriete sabia que tinha que fazer alguma coisa _  Certamente que o sapato é meu, eu o perdi ontem à noite.
            Sentiu o olhar de repreensão da mãe. Sabia que estava fazendo papel de tola. Um sapato de Cinderela nunca caberia em seus pés.
            _ Veja! Eu vou calçá-lo.
            O homem fez uma cara irônica e apresentou-lhe o calçado. Sabia que aquele sapato nunca lhe caberia.
            Arriete tentou, em vão, calçá-lo, mas sabia que ele nunca entraria.
            _  Oh! Bem ... que horror! De tanto dançar, meu pé inchou, ou o sapato encolheu. Ele é meu, não sei por que não entra.
            Disse isso entre lágrimas.
            Sofia sabia que ela sempre amara William. Teve pena da irmã e tentou ajudá-la.
            _ Senhor, deixe-me calçar este sapato. Minha irmã mente, certamente que o sapato é meu.
            Arriete a olhou espantada, sabia que Sofia fazia aquilo somente para não deixá-la encabulada depois daquela loucura e queria estar junto dela, nessa hora. Sofia sempre a ajudara, tinha pena dela, por ser a mais feia. E a situação piorava com a exuberante beleza de Cinderela. As duas tornaram-se assim, cúmplices na raiva que tinham da moça tão formosa.
            _ É, ele não cabe. Não sei por que. O que será que houve?
            Arriete teve vontade de morrer. Sabia que Sofia tentara ajudá-la, mas não tinha consolo. Era muita dor, muita humilhação. Não merecia aquilo.Estava ferida pela olhar de compaixão que Sofia lhe lançava. Tudo, menos compaixão. Tudo por causa dele. Seu amor jogado na lata de lixo por um homem que durante tantos asnos só soubera despreza-la e coloca-la em situação de vexame. Tantas vezes a mesma coisa e Arriete não queria enxergar. Indiferença e desprezo em paga de um amor devotado.
            Um amor que Arriete não soubera como começara a existir. Parecia que havia uma onda magnética que sempre a puxava para perto de William. Ele as vezes a via. Mas na maioria das vezes era Arriete quem o via. Lindo, imponente. A grande maioria das vezes em cima do seu cavalo. Sempre a cavalo. Quase nunca a pé. Tantas vezes que Arriete achava que ele já fazia parte dele.
            Ao ouvir um trotar de cavalo, Arriete pensava: É ele. E muitas vezes era. Se entrasse por aqui, ou saísse por ali. Lá estava William passando, sempre pronto a fazer alguma coisa. Arriete o amou desde sempre. Na primeira vez que o viu, seus olhos se prenderam naquele rosto e Arriete o achou a criatura mais linda da face da terra. Lindo e perfeito e ao mesmo tempo tão inalcançável para ela.
            Seu intelecto lhe dizia que Willian não poderia ser dela. Mas o seu coração... Ah! Coração, coração. Diz que ama e não tem jeito. Ama e apenas ama. Ama sem poder amar. Ama mesmo quando a mente diz não. Arriete amava William. Ainda que não tivesse o direito de amá-lo.
            _ Bem ... _ Disse o mensageiro, já se aprumando. _ Não haverá na casa alguma outra jovem?
            _ Não! _ responderam a mãe e Sofia.
            Não adiantava querer esconder. Esconder para quê? Cinderela era a vencedora. Quantas vezes durante todos esses anos ele a havia procurado? Nunca! E no entanto lá estava ele, mandando mensageiros  a procura de sua amada. Cinderela venceu. De que adiantava ter raiva dela? Que culpa Cinderela tinha de ser amada? O príncipe não a queria? Então que ficasse com ela. Sentia vergonha, humilhação. Tudo bem. Por que não acordara antes? Por que acalentara um amor por tantos anos? Por que nutria em coração amor por quem nunca demonstrara nenhum afeto por ela?
               _ Há sim. _ Desmentiu Arriete. _ eu já vou chamá-la.
            Sua mãe e Sofia não podiam entender, mas era a única coisa a fazer. Cinderela era bela e Willy também, eles se casariam e teriam filhos lindos. Era a lei natural das coisas. Coisa penosa era se meter entre o amor de duas pessoas que se amam. Ninguém pode amar sozinho. Não é justo para quem ama. Não é justo para quem é amado.
            _ Cinderela._ Chamou por aquela que poderia ter sido sua irmã. Alguém que perdera boa parte da infância e juventude por pessoas que não sabiam amar. Essa era a verdade. Arriete não sabia amar. Como queria ser amada por Willy?
            Para certas pessoas, o orgulho vem sempre em primeiro lugar. Não importa os sentimentos das pessoas. Se tivesse sido um pouco mais compreensiva. Agora era tarde. Willy não era seu. Era de outra pessoa. Era Cinderela quem iria construir uma família com ele. Com o seu orgulho tentara separa-los durante anos e não conseguira nada. Não se pode tentar mudar o curso das coisas. Nem tudo está sob o nosso controle. A vida corre o seu curso natural. As pessoas têm vida própria.
            _ Sim. _ Respondeu Cinderela.
            _ Vá para a sala, tem uma pessoa que deseja ver-te.
            Depois de falar com a moça subiu correndo para o quarto. Estava tudo acabado. Cinderela seria uma princesa e se casaria com o seu grande amor. O que adiantara a terem escondido por tanto tempo do príncipe? Nos jogos da corte, sempre haviam dado um jeito para que Cinderela não fosse. Mas o que por tantos anos ela tentara impedir acabara acontecendo. Cinderela e Willy acabaram se conhecendo e se apaixonaram.
            Não precisou da resposta quando Sofia entrou no quarto, o sapato coubera, ela sabia. Tudo o que tinha agora  era o ombro amigo da irmã mais velha, que sempre fora cúmplice do amor não correspondido pelo belo príncipe William. 




FIM

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