Eva

_ Eva! _ A mãe chamou a menina no fundo do quintal.

Uma menina esguia, por volta dos dez anos, de cabelos encaracolados entrou aos pulos pela cozinha.  Eva parecia um raio de sol. Forte, determinada, decidida, mesmo ainda sendo uma menina.

_ Já está uma moça, Eva. _ Ralhou a mãe. _ Tenha modos.

Eva não pareceu se importar.

_ Veja, Guido! _ Fez uma careta para o irmão, dois anos mais jovem.

_ Mamãe, Eva me fez uma careta.

Eva era assim. Gostava de implicar com Guido, por tudo ou por nada. Só para vê-lo irritar-se.

_ Pare com isso, Eva! _ Disse a mãe, muito zangada. _ Ou fica sem a sobremesa.

_ Não, mamãe! Prometo que me comporto, não quero ficar sem o bolo com cobertura de chocolate.

_  O bolo não é para a sobremesa, é para as visitas.

Eva espantou-se.

_ Quem vem nos visitar?

_ Elisa, com os filhos!­_ Respondeu a mãe com um sorriso.

_ Oba! _ Gritou Guido.

Eva não mostrou tanto entusiasmo. Elisa, a amiga de sua mãe, só tinha dois meninos. Nenhuma menina para brincar com ela. Meninos eram tão barulhentos. Não que Eva não o fosse também. Na falta de uma menina, Pedro e Gabriel eram boas companhias. Mas uma amiga era sempre melhor.

De tarde, Elisa chegou com os meninos. Logo a correria começou.

_ Não entendo porque sempre descumpro minhas promessas!_ Reclamou Elisa.

_ Que promessa? _ Perguntou Helena, a mãe de Eva.

_ De nunca mais juntar nossos filhos, Helena.­_ Respondeu a outra  com um sorriso largo.

As duas riram.

_ As crianças têm saúde!_ Helena falou.

_ Bota saúde, nisso.

A tarde correu agradável. As crianças brincavam no quintal.

_ Estou cansado dessa brincadeira de mocinho e bandido!_ Reclamou Guido_ por que a Eva tem sempre que ser o xerife?

_ É mesmo! – Os outros juntaram-se em protesto.

_ Eu sou o mais velho! – Reclamou Gabriel.

_ Apenas uns dias. Nós somos de maio. Mas eu sou maior! _ Irritou-se a menina.

_ Eu serei o próximo xerife! _ Disse Pedro.

_ Será o último! _ Disse Gabriel. _ Você é o menor.

_ Eu sou a xerife._ Disse  Eva. _ Vou passar o meu cargo para o Pedro.

Pedro pulou pelo quintal.

_ Muito bem, Eva. Eu sou o próximo xerife.

Mas não houve brincadeira. Guido e Gabriel emburraram e foram brincar de bolas de gude.   

_ Queremos brincar também. _ Eva reclamou.

_ Vocês estão fora!_ Gritou Gabriel.

_ Vamos, Pedro! _ Eva puxou Pedro pela mão. _ Vamos brincar de faz de conta. Estamos em uma bela viagem. Você é meu filho! Só pode me chamar de mamãe.

_ Está bem, mamãe! _ O menino concordou.

Logo, as quatro crianças estavam brincando de faz de conta também. Gabriel era o capitão do navio e Guido era um marujo.

_ Não quero mais ser seu filho, Eva. _ Pedro reclamou_ Quero ser marujo também.

_ Está bem. _  A menina concordou. _ E eu serei uma pirata que vai atacar o navio.

_ Posso ser pirata com você, Eva? _ Pedro perguntou.

_ Pode, mas eu sou o Capitão Gancho.

E a brincadeira mudou de rumo mais uma vez. Eram divertidas aquelas tardes! Na infância tudo é mais belo e possui um colorido diferente. As coisas tem cheiros e sabores típicos da época, mas que não voltam nunca mais.

Doce tempo, guardado na infância, onde o sol tem mais brilho e o céu é muito mais azul. Tardes agradáveis e amenas, que passam devagar. Parece que se vive mais tempo na infância do que em qualquer outra idade. Tudo é mais colorido. Simplesmente infância.

Na cidade de Eva existia um parque, frondoso, bonito, digno de uma cidade grande. Além de ficar no centro da cidade, era considerado o coração da mesma. Todos os fatos de importância, ocorridos naquela cidade, quase sempre ocorriam no mesmo.

Durou um bom tempo para que o parque fosse inaugurado. O prefeito mudou a data várias vezes, então estipulou que a inauguração para o maio do ano seguinte, o que realmente aconteceu e eles finalmente puderam inaugura-lo.

A inauguração foi cheia de pompa, com presença até de uma banda de música da cidade vizinha. O prefeito cortou a faixa de cetim azul claro, da cor do céu e retirou o cetim encarnado da placa que continha o nome de seu avô: Manoel Albuquerque de Souza Lemos, homem que tivera grande importância naquela cidade. Mas o nome não pegou. Foi tanto tempo esperando a abertura do parque para maio que toda cidade sempre o nomeou como Parque de Maio.

            Eva estava sentada debaixo de uma frondosa árvore e olhava preguiçosamente para a outra margem do lago das carpas. O dia estava quente demais para se fazer qualquer coisa. Tinha vontade de mergulhar no lago para refrescar-se, mas não tinha ânimo para nem mesmo levantar-se dali e mesmo que o quisesse, sabia que era proibido mergulhar no lago das carpas.

            De repente viu algo se mexer por trás de uma moita. Ficou com medo, poderia ser uma cobra. Teve vontade de sair correndo, mas novamente foi assaltada por aquele abafamento que a impedia de fazer qualquer coisa na vida a não ser ficar ali deitada.

            A moita continuou a se mexer de trás dela saiu a sua  cadelinha . Era ainda filhote e lhe causava grande alegria.  Quando seu avô a presenteou com aquele belo animalzinho, Eva pulou de alegria.

_ Também quero um cachorro. _ Dissera Guido.

_ Um já está de bom tamanho. _ Dissera a mãe.

Eva sempre quisera ter algo vivo só seu, mas seus pais nunca lhe permitiram ter um anilmalzinho se quer.

            Seu pai não gostava de animais, mas também não tinha nada contra. Quanto a sua mãe... Este era o problema. Tinha horror a todos os bichos e sempre dizia:

            _ Gosto muito de animais. Assados, cozidos ou fritos. Quanto aos vivos, é melhor que estejam bem longe de mim.

            Eva achava tudo aquilo muito horrível. Não sabia como sua mãe tinha coragem de dizer aquelas coisas.

            Pit aninhou-se nos braços de Eva e ela percebeu que ela tinha algo em sua boca.

            _ Deixe-me ver isso, garota. Vamos Pit. O que tem aí?

            Teve que arrancar dos dentes de Pit uma coisa parecida com uma medalha, dessas que parecem uma caixinha, onde se guardam fotos de pessoas queridas.

            Será que Pit achara um tesouro? Será que a arrebatara de uma arca que um pirata escondera no parque? Eva gostava muito de histórias de piratas. De mapas escondidos, de tesouros de uma fortuna incalculável. Eva ficava fazendo as contas do que poderia fazer com o tesouro que encontrasse. Poderia viajar o mundo. Viver muitas aventuras. Comprar doces e roupas bonitas. Talvez esta medalha fosse proveniente da arca de um velho pirata, que a escondera no Parque de Maio, para num  dia distante poder buscar.

            Abriu o fecho da medalhinha. Levou um grande susto. Dentro da medalha havia uma foto de Gabriel. Então esta era a medalha que Gabriel perdera na semana passada? Que sorte Pit ter encontrado. Entregaria a medalha para o amigo.

            Eva estava fazendo a lição de casa. Cadernos e livros estavam espalhados pela mesinha da sala. Guido brincava com Pit no quintal. Dona Elisa chegou de visitas.

            _ Já estou entrando. _ Disse dona Elisa com um belo sorriso para Eva. _ Onde está sua mãe, querida?

            _ Está na cozinha, dona Elisa. _ Respondeu a menina.

            _ Vou até lá.

            Gabriel também entrou e se sentou ao piano,

            _ Gabriel._ Disse Eva com um grande sorriso. _ Não sabe a surpresa que tenho para você.

            _ O que é? _ Perguntou o amigo curioso.

            Eva procurou a medalha que encontrara nos dentes de Pit, no dia em que fora passear com ela no Parque de Maio.

            _ Veja o que encontrei, Gabriel.

            Eva estendeu a medalha para o amigo com um grande sorriso.

            _ Minha medalha, Eva._ Gabriel estava muito espantado. _ Como a encontrou? Fiquei tão triste quando a perdi no Parque de Maio.

            _Estava passeando com Pit. Foi ela quem a encontrou. Soube que era tua porque havia uma foto minha.

            _ Que bom que a encontrou. Era da vovó. Ela me deu no último aniversário. Foi um presente que ela ganhou do vovô. Tinha uma foto de cada um aqui.

            _ Por que ela te deu esta medalha?_ Perguntou Eva.

            _ Eu não sei.

            Eva pegou a medalha das mãos de Gabriel e a observou.

_ Parece o tesouro de um pirata. È de ouro?

Como Gabriel conseguira aquela medalha? Será que Gabriel achara o tesouro de um pirata?

_ Sim. _ Respondeu Gabriel.

Eva abriu a medalha. Havia apenas a foto de Gabriel. Tão pequena. Mas o outro lado estava vazio.

_ Por que deixou o outro lado vazio? Aqui é pra botar outra foto. Por que não põe uma foto de Pedro?

_ Não. Uma foto de Pedro? Não pode. É pra botar a foto da minha esposa. Como a da vovó e do vovô.

_ Mas você ainda não tem uma esposa.

Gabriel deu uma gargalhada.

_ Claro, Eva. Ainda sou uma criança.

_ Mas vai ficar vazio até você se casar? _ Eva perguntou.  Vai demorar muito. Você não acha?

_ Posso me casar cedo.

Casar-se cedo? Quem ia querer se casar com Gabriel. Ainda era um menino tão pequeno.

_ Mas mesmo assim vai demorar._ Eva parou e pensou um pouco. _ Por que não põe a minha foto?

_ É uma boa idéia. Mas vou ter que me casar com você?

_ Claro que não. Quando você encontrar uma moça por quem esteja apaixonado, você tira a minha foto e coloca a dela.

_ Boa idéia. Quando me trás a foto.

_ Tenho uma aqui. _ Disse Eva procurando entre as folhas do caderno. – Tirei meia dúzia para colocar na carteirinha da escola. Achei. Tome. _ Disse entregando a foto a Gabriel.

_ Obrigado. _ Disse o menino enquanto tentava colocar a foto na medalhinha. _ Não cabe, é muito grande.

_ Podemos recorta-la. _ Disse Eva. _ Vou pegar uma tesourinha.

Eva recortou a foto e a colocou dentro da medalhinha.

_ O que achou? _ Perguntou ao menino.

_ Não sei. _ Disse Gabriel enquanto examinava o resultado. – Você parece tão maior que eu.

_ Mas eu sou maior que você.

Eva lhe deu aquele sorriso que as crianças mais velhas dão às pequenas. Gabriel era mesmo seu amigo. Podia até ser uns dias mais velho. Mas não parecia. Ela era maior que ele. Parecia mesmo ter mais idade. 

_ Mas não tanto.

_ É que sua foto era menor. Deixe de bobagens, Gabriel. Além disso, não tem importância. Esta foto é provisória, até que você cresça e encontre a moça com quem vai se casar.

_ É verdade. _ Disse o menino dando-se por satisfeito. – Vamos brincar com a Pit?

Na infância, as discussões não tem muita importância. Os adultos é que tem a mania de guardar mágoas. De pelejas sem fim. As crianças resolvem tudo e esquecem. Viram a página e deixam tudo igual. Como se nada  tivesse acontecido.

_ Não posso. _ Disse Eva. _ Tenho que terminar a lição. Mas pode brincar com ela, se quiser.

_ Quero sim. Onde está Guido?

_ Lá fora, no quintal.

_ Pedro deve estar com ele. Vou pra lá. Vou agradecer a Pit por ter encontrado minha medalhinha.

Tão logo terminou a lição. Eva correu para o quintal. Os meninos brincavam com Pit. Eva pegou um copo e colocou água e sabão e foi brincar de fazer bolhas. Ela fez bolhas enormes e uma delas estourou no seu nariz.

Ela escutou uma risada. Era Gabriel.

_ Não ria de mim, Gabriel ou tomo o retrato que te dei.

_ Deu está dado. _ Disse o menino.

_ Também quero brincar de bolhas. _ Disse Pedro para Eva.

_ Eu também. _ Disse Guido.

Deixe o copo com os meninos, Eva. Vamos brincar com Pit.

Eva não queria deixar o brinquedo. Gabriel sempre era mais conciliador do que ela. Fazia tudo por Pedro. O tratava como um reizinho. Eva e Guido sempre andavam às turras.

_ Por que não tratas Guido como Gabriel trata a Pedro, Eva? _ Sempre perguntava a mãe. _ Gabriel é um ótimo irmão mais velho.

Mas Eva não era como Gabriel. Não deixava que Guido lhe fizesse de gato e sapato. Pedro parecia um príncipe. No entanto, aceitou a idéia de Gabriel e estendeu o copo aos meninos. Brincar com Pit era mais divertido.  

A mãe lhe chamou logo cedo.

_ Eva, levante-se. É hora de ir para a escola.

Mas  Eva não tinha vontade de sair da cama. Tinha se levantado um pouco antes para ir ao banheiro. Ainda estava escuro, mas breve amanheceria. Eva olhou pela vidraça. Chovia lá fora. Grossas gotas de chuva escorriam.

Voltou para cama. Pretendia dormir mais um pouco, ou muito mais, se a mãe deixasse.

Mal deitou e dormiu de novo. Mas agora a mãe a chamava. Abriu os olhos e olhou para a janela. Ao contrário do dia anterior, que fora quente e abafado. Abafado demais para o gosto de. O dia de hoje amanhecera bem feio. Queria ficar o dia inteiro naquela cama.  

O dia estava frio. Assim não poderia ir ao parque, como combinara com as amigas da escola.  Que tempo é este que vive mudando? Eva sentia os pés gelados. Não gostava andar em dias chuvosos. Queria continuar na cama.

_ Eva. _ A mãe chamou, novamente, tirando-a de sua nebulosa sonolência. 

_ O que é, mãe?_ Perguntou Eva.

_ Como o que é? Levante-se, que já está na hora de ir para a escola. Há muito Guido já se levantou.

_ Não quero ir na escola hoje, mamãe.

_ Você não tem escolha, Eva. Disse a mãe lhe retirando as cobertas de cima. _ Vá logo para a escola.

Eva se levantou. Que escolha tinha? Estava um pouco desanimada.

Muitas crianças faltaram naquele dia. Por que a mãe não a deixara faltar também.

_ Dia, crianças._ Disse a professora.

_ Bom dia, professora._ Disseram as poucas crianças sem muito ânimo.

A professora colocou um exercício na lousa. Eva abriu o caderno. Não conseguia se concentrar. Tinha tanto sono agora. Olhou em volta. Ninguém parecia muito animado para fazer nada.

_ É uma pena não podermos ir ao parque hoje, Eva. _ Disse Gina.

_ Fica para uma outra vez.

_ Pode ir lá pra casa para brincarmos de boneca.

_ Talvez. _ Disse Eva pouco animada.

A professora olhou de cara feia e as duas voltaram a se concentrar nos estudos.

Eva voltou para casa. Ainda chovia. Trocou o uniforme. Era melhor não ir a casa de Gina naquele dia. Que vontade de voltar para a cama. Mas a mãe não iria deixar. Depois do almoço, resolver praticar no piano. Eva gostava de piano. Sempre estudava, se esforçava. Guido sempre fugia das aulas. Dizia que aquilo era coisa de meninas.

_ Gabriel também gosta de piano, Guido e não é menina! Dizia-lhe a mãe.

_ Mas Pedro não! _ Retrucava Guido. _ Gabriel é um bobalhão, como Eva!

_ Gabriel é um menino muito inteligente, Guido! _ sempre dizia a mãe.  _ E esforçado como tua irmã!

Às vezes Eva estuda piano com Gabriel. O menino era um bom companheiro.

Veja quem está aqui, Eva. _ Disse a mãe. _ Pedro e Gabriel. Elisa precisa ir ao dentista e deixou os meninos aqui.

_Oba. _ Disse Guido. _ Vamos brincar de xerife, Pedro.

_ Vamos. _ Respondeu o outro. _ Eu serei o xerife.

_ Não. _ Disse Guido. _ Eu inventei a brincadeira. O xerife serei eu.

_ Venha, Gabriel._ Convidou Eva. _ Vamos tocar piano.

_ Está bem._ Disse o menino.

Os dois tocaram algum tempo até que Eva disse:

_ Queria que tu fosses meu irmão, Gabriel. Não Guido.

_ Por quê?

_ Guido é peralta demais. _ Respondeu Eva com um sorriso._  Não seria melhor que trocasse Guido por ti? Pedro bem que gostaria da troca.

_ É verdade. _ Disse Gabriel rindo. _ Mas eu sairia perdendo.

_ Então preferes Pedro a mim? _ Perguntou a menina exasperada.

_ Decerto, Pedro é menino. Sabe empinar pipas e jogar bolinhas de gude.

_ Também Guido, mas não sabe tocar piano como nós, nem desenhar.

_ Tudo bem. Nisso somos melhores do que eles, Eva. Mas na certa irias também querer que eu brincasse de bonecas contigo.

_ Qual nada, Gabriel. Também não gosto de brincar de bonecas. Quando crescer, quero ser aviadora, quero dirigir carros tal e qual uma mocinha das fitas de cinema.

_ Está certo, Eva. Mas penso que nossos manos ficariam bem tristes de nos desfizéssemos deles.

_ Está bem. Por que não nos casamos então?

_ Te casarias comigo, Eva? _ Perguntou Gabriel, abrindo um grande sorriso.

_ Pois é certo que sim. _ E soltou uma gargalhada.

_ Por que riu?_ Perguntou o menino com cara de muxoxo.

_ Tu és muito pequeno, Gabriel.

_ Qual nada!_ Disse o garoto irritado. _ Sou mais velho do que tu.

_ Poucos dias não importam nada. Até bem porque, es bem menor. Não me caso com um toquinho de gente.

Assim já era demais. Naquela hora Eva passara dos limites.

_ Chega, Eva! _ Disse Gabriel levantando-se, enquanto deixava cair com grande estrondo a tampa do piano. _ Eu é quem  não quero me casar com você.

E lá se foi Gabriel, brincar com os outros dois meninos no quintal.

Que bem importava. Não se casaria com Gabriel mesmo. É certo que daria um irmão bem melhor que Guido. Era inteligente. Tocava bem o piano e gostava de desenhar como ela. Mas isso não fazia de Gabriel um perfeito marido. Era da mesma idade dela e ainda era menor. Era capaz que nunca crescesse. Irmão ainda vá lá. Mas marido? Isso não mesmo!

_ Há quanto tempo não aparece, Elisa  _ Disse Helena abraçando a amiga._ Onde estão as crianças? 

_ Só Pedro veio comigo.

_ Por que Gabriel não veio?

Dona Helena se espantou do menino não ter vindo.

_ Não sei bem. _ Disse dona Elisa um tanto sem jeito. _  Mas acho que anda agastado com Eva.

_ Mas o que Eva fez ao amigo? Vou já ralhar com ela. Foi por isso que não apareceu mais?

_ Claro que não, Helena. São coisas de crianças. Tenho andado muito ocupada.

_ Mas achei muito feio o que Eva fez a Gabriel. Vou mandar que ela lhe peça desculpas.

_ Deixe de bobagens, Helena. Quem não garante que foi Gabriel quem agastou Eva? Sabe como são as crianças. Brigam por tudo e por nada.

_ É verdade. Mas entre que acabei de passar um café quentinho.

As duas entraram e acabaram esquecendo as rugas de Eva e Gabriel. Sabiam que não passavam de duas crianças e que logo acabariam esquecendo. As preocupações são para os adultos. Eram apenas crianças e logo resolveriam aquela pequena rusga. Não deviam dar muita atenção aquilo.

Quando dona Elisa e Pedro foram embora, dona Helena chamou por Eva.

_ Eva, venha até aqui.

_ o que foi, mamãe? –A menina perguntou.

_ O que foi que você fez a Gabriel, Eva?

_ Não fiz nada. _ Disse a menina já esquecida do incidente de alguns dias atrás.

_ Como não fez nada? Elisa disse-me que Gabriel não veio hoje com ela porque está agastado contigo. Seja lá o que foi, quero lhe peças desculpas já.

_ Está bem, mamãe. _ Disse Eva já entretida com a boneca. Não dando muita importância ao ocorrido. 

_ Mamãe mandou que te pedisse desculpas. _ Disse Eva poucos dias depois numa visita que ela, a mãe e Guido fizeram à casa de dona Elisa.

_ Está bem. _ Disse Gabriel um tanto frio.

Não se esquecera do que Eva falara. Mas se estava pedindo desculpas, não ia dar uma de menino mal educado.

_ Mas sabes que não te fiz nada._ Disse Eva na defensiva. Sabia que Gabriel não tinha razão para fazer aquele circo todo. Como costumava dizer a sua avó, Gabriel estava fazendo uma tempestade me um copo d’água.

_ Pouco me importa, Eva.

_ Falando assim, pareces um menino da idade de Guido ou Pedro.

Talvez Eva ao invés de paz, estava mesmo querendo começar uma guerra. Mas Gabriel não estava para brigas naquele dia.

_ Talvez o seja. _ Disse o menino por fim. _ Mas mesmo assim, nunca ia querer me casar com você mesmo.

_ Por quê?

_ És uma menina muito feia.

Isso Eva não podia aceitar. Como Gabriel tinha coragem de lhe dizer uma coisa daquelas? Quem ele pensava que era?

_ Muito feia? Mas não sou mesmo.

Eva não estava brincando e estava com cara de poucos amigos.

_ É feia sim.

Gabriel também parecia não ceder.

_ Feio é você, Gabriel._ Disse Eva, estourando de uma vez. Já perdera a paciência com ele. _ E nunca hei de me casar com você.

_ Que assim seja. _ Disse Gabriel. _ Posso arranjar uma noiva muito melhor do que você.

_ Duvido muito.

_ Espere e verás.

Eva saiu de perto de Gabriel. Não queria assunto com ele. Não era um bom amigo. Se o fosse, não falaria aquelas coisas horríveis para ela. Não brincaram mais naquele dia.

 Mas em pouco tempo esqueceram do incidente e voltaram a ser amiguinhos como sempre. Assim são as crianças. Logo se esquecem dos arroubos. Eram bons amigos. Gostavam das mesmas coisas. Guido e Pedro eram muito barulhentos. Não conseguiam se concentrar em nada. Talvez mesmo pela pouca idade que tinham.

O tempo foi passando. As crianças crescendo. Logo já não eram tão unidos. Passa o tempo, muda-se o interesse. As visitas de dona Elisa começaram a escassear e logo, Gabriel e Pedro já não eram mais assíduos na casa de Eva. Tão pouco ela e Guido iam à casa dos dois.

O tempo de meninice acabava. Eva desabrochava para a adolescência. A menina bonita que fora, transformar-se em formosa mocinha. Os olhos de Eva eram muito expressivos. Sua beleza desabrochara.

Já não sentava-se no chão como muitas vezes fazia com Guido.

Já não subia tanto em árvores. Dedicara-se com mais afinco ao piano. Estava mais ainda amiga dos livros. Gostava de ler os contos românticos.  Dona Helena se orgulhava da filha. Logo seria uma moça. Assim é o tempo. Parece voar. Ontem mesmo Eva era apenas um bebê e agora já era uma mocinha.

Mal piscaria os olhos e encontraria Eva uma moça. Quem sabe logo não se casaria e lhe daria netos. Netos? Guido apenas era um menino. Ainda tinha muita águia para rolar debaixo dessa ponte. Mas era bom estar preparada para o futuro. Era uma mulher que gostava de olhar sempre para frente.

O tempo de menina havia se acabado. Os garotos passaram a interessar Eva de um modo diferente. Renato foi o primeiro namorado de Eva. Durou poucos meses, como costumam durar as paixões da juventude. Mas o que parece tão fugaz, para um adolescente é como se fosse para durar para sempre.

Logo que Eva conheceu Renato, sabia que ele seria seu par para a vida inteira. Como se engana a juventude. A metade da laranja quase nunca aparece nesta idade. Mas vai se explicar isso a um jovem. Naquele momento Renato era a metade da laranja de Eva. Ela se sentia nas nuvens. Renato era o rapaz mais lindo que conhecera e agora estavam namorando.

Um dia estava sentada em um banco do parque com Renato, quando Gabriel passou. Ele fez um ar de contrariado e Gabriel.  Naquele mesmo dia encontraram-se. Eva não tinha contado nada sobre o Renato para a mãe. Não sabia como ela iria reagir. Nem mesmo Guido sabia. Eva ainda não tinha quinze anos. E se o pai achasse que era muito cedo?

_  Quero falar com você, Gabriel. _  Ela disse.

_ Sobre o quê?_ Ele perguntou.

_ Você sabe muito bem.

_ Não sei de nada.

Gabriel parecia muito contrariado naquele dia e Eva não conseguia entender por que.

_ Você me viu com o Renato.

Ela já estava se impacientando com ele.

_ E daí?

_ Já sei que vai contar tudo para mamãe.

Como Eva podia pensar uma coisa dessas dele? Ela estava passando dos limites.

_  Não sou nenhum leva e trás. _ Disse o garoto bastante irritado. _  Aliás, sua mãe já está sabendo?

Eva baixou os olhos, meio encabulada.

_ Ainda não contei. _ Disse por fim.

_ E Guido?

_ Também não, Gabriel.

_ Deveria contar.

Assim já era demais. Quem ele era para ficar lhe dando conselhos?

_ Como você ousa se intrometer em minha vida, Gabriel? Não é nada meu.

Gabriel fez aquela cara de irritado que Eva conhecia desde pequena.

_ Problema é seu. Tomara que ela descubra e te dê uma surra.

_ Pare de se meter na minha vida, Gabriel. Já chega Guido. Você não é meu irmão.

_  Ainda bem.

_ Então pare de se comportar como se fosse Guido. Deixe que eu resolvo com os meus pais.

_ Faça o que quiser, Eva._ disse Gabriel, botando um ponto final na conversa. _  Eu não quero nem saber. Adeus, Eva.

_ Adeus, Gabriel.

Eva estava irritada. Gabriel fora um grande intrometido. Mas achou que era melhor contar para os pais. Se Gabriel sabia, outros também poderiam saber. Se Guido descobrisse antes, estaria perdida.

Eva pensou e pensou e achou que era melhor contar tudo para os pais. Não estava certo o que estava fazendo. Criou coragem e falou com os pais. Para surpresa sua, eles aceitaram muito bem. Por que tivera tanto medo? Tudo acabara bem. Deveria mesmo agradecer a Gabriel. Se ele não os tivesse visto juntos, não teria coragem de ter contado sobre o namoro com eles.

_ Breve você fará quinze anos. – Disse o pai. _ É melhor que traga o rapaz em casa para nós o conhecermos.

Eva estava muito feliz. Tudo estava dando tão certo. Não devia ter discutido com Gabriel por aquilo. O rapaz era seu amigo desde pequena. É certo que não eram tão unidos agora e quase nunca se viam. Mas não era certo jogar fora uma amizade tão antiga. Gabriel era quase como um irmão para ela. Guido no seu lugar, talvez não tivesse gostado também. Não devia ter se aborrecido tanto com ele.

...

A festa de quinze anos de Eva foi de arromba. Muita gente da cidade compareceu. Dona Helena quis que tudo estivesse perfeito. Para dona helena, a perfeição era questão de honra. Tudo estava maravilhoso naquele dia. A decoração de flores. O bolo de dois andares. Os doces que dona Elisa viera ajudar a fazer. O lindo vestido branco que fazia Eva parecer uma princesa.

Foi naquele dia que Eva ganhou flores pela primeira vez. Foi de um casal amigo de seu pai. Eva não os conhecia.

A mulher chegou e lhe entregou um grande buquê de rosas amarelas.

_ Felicidades, querida. _ Disse a senhora enquanto lhe dava beijos na face. _ Este é um dia importante na vida de uma mocinha.

Renato chegou e entregou um embrulhinho para Eva. Ela abriu e encontrou uma linda pulseirinha de ouro.

_ Muito obrigada, Renato. _ Disse Eva com um grande sorriso.

Ele levou Eva pela mão e a levou até o jardim.

_ Eva, quero lhe dizer uma coisa muito importante. Este dia é apenas teu._ Ele lhe disse com os olhos cheios de ternura. _ Não quero que você o gaste comigo.

_ Como assim? _ A moça pareceu não entender.

_ Sabe que somos namorados. Mas não quero que esta noite fiques apenas ao pé de mim. Não precisa ficar me dando atenção. Quero que converse com seus amigos, seus parentes. Divirta-se em sua festa. Quinze anos só se faz uma vez. Quero que você se lembre para sempre deste momento.

Eva achou bonita a atitude do namorado. Convidara muitos amigos e parentes. Tinha muita gente que não via há muito. Queria conversar com todos. Estava muito feliz naquele dia.

Elisa veio com os meninos. Entregou um belo embrulho para Eva.

_ Felicidades, Eva. _ Disse Pedro lhe dando um forte abraço.

_ Felicidades, Eva. _ Disse Gabriel com um leve roçar de lábios na face de Eva. _ Ultimamente já não se davam tão bem. Desde a última briga por causa de seu namoro com Renato, que não conversavam.  Eva continuava gostando muito de Gabriel. Mas este estava cada vez mais distante. 

Pouco tempo depois da festa de quinze anos de Eva, o namoro com Renato acabou. Eva pouco se importou. Na verdade se sentiu até aliviada. Aquele negócio de namoro era muito maçante. Era muito bom ter sua liberdade de volta.

_ Eva. _Disse Gina a puxando pelo braço. – Não sabe quem esta aqui.

_ Quem? _ perguntou Eva curiosa.

_ Nossa professora da primeira série.

_ Não me diga!. Ela veio mesmo.

E as duas correram como crianças, para cumprimentarem a velha professora que não viam há muitos anos.

A festa foi mesmo perfeita e comentada por muitos dias. Eva jamais a esqueceria.

O fim do namoro de Eva com Renato aconteceu logo depois de um passeio no parque que Eva fizera com as amigas. Ela estava um pouco tensa. Gina achava que as coisas entre ela e o Renato não estavam tão bem quanto no começo.

Você anda muito quieta, Eva. _ Disse a Gina, finalmente.

Eva não queria fazer comentários com as meninas.

_ Não é nada. _ Respondeu.

_ Conte logo, de uma vez_ Disse a Rosa.

_ Já está decidido, eu vou terminar com o Renato.

_ Por quê?_ Perguntaram em coro.

Não podiam acreditar que aquele namoro logo acabaria. 

_ Não está dando certo? _ Perguntou Teresa.

_ Não muito.

_ Mas ele é um bom rapaz. _ Disse a Rosa.

_ Também acho. _ Concordou Eva. _ Mas isso não basta.

_ Eva quer um homem perfeito. _ Disse a Gina _ Mas isso só existe nas fitas de cinema.

As meninas riram.

_ Deixem Eva em paz. _ Disse Rosa

_ O que te falta? _ Perguntou a Teresa.

            _ Não é mais paixão. Não tem aquela saudade que sentia no começo, nem mesmo o frio na barriga.

_ Frio na barriga?! _ Se espantou Teresa.

_ Isso é o que se espera de um namoro._ Disse Eva._  Ontem ele me perguntou se eu ainda gostava dele.

            _ O que você respondeu? _  Perguntou a Gina.

            _ Eu desconversei.. _ Disse Eva

            _ O melhor é mesmo desmanchar, Eva. _ Disse Teresa. _ Não adianta ficar num namoro que não tem futuro.

E assim fez Eva tão logo teve oportunidade de conversar com Renato. Não era moça de ficar enrolando. Não gostava de protelar nada. Tudo o que tinha para resolver, resolvia logo. Sempre fora assim, desde menina.  É a vida que segue.

 

Algum tempo depois Eva conheceu Aristeu. Um pouco mais velho que Eva. Forte, decidido. Bonito não era, mas não de se jogar fora.

Eva não sabia se gostava de Aristeu ou não. Gostar era uma palavra muito forte. Tinha um certo interesse por Aristeu. Mas não chegava a gostar dele. Sabia o que era gostar de um rapaz. Já gostara de um rapaz antes. Sabia que com Aristeu era diferente. Apenas um leve interesse e nada mais.

Aristeu sempre olhava para Eva, parecia interessado. Eva se sentia bem com aquilo. Se não gostava de Aristeu, gostava da atenção que o mesmo lhe dispensava. Era isto o que acontecia. Renato era mais bonito, mas não tinha a idade de Aristeu. A atenção de um rapaz mais velho dava um certo ar de importância para Eva. Aristeu não era um rapazola, como Renato. Já era um homem.

Pouco tempo depois, Emília segredou-lhe que Alicinha, uma mocinha bem pirralha, estava espalhando a quatro ventos que Aristeu estava interessado nela.

_ Imagine! _ Se riu Eva. _ Como um rapaz já feito vai se interessar por uma menina daquele porte?

Eva sabia que Aristeu estava interessado nela. Alicinha devia estar delirando. Mas não contou nada à Emília. Não queria a outra caçoando dela.

Interessado em Alicinha. Pois sim! A menina não tinha olhos para ver? É claro que Aristeu estava interessado em Eva. Ainda que um pouco reservado, ela via o olhar de interesse de Aristeu nela. Como a menina podia pensar uma coisa daquelas? É claro que Aristeu não estaria interessado numa menina que mal deixara as fraldas,l como Alicinha. Quem não estava vendo?

Um dia, todos compareceram a um piquenique organizado por Tereza. O lugar escolhido não poderia ser outro: Parque de Maio. Aristeu compareceu e para espanto de Eva, ficou ao pé de Alicinha. Pareciam mesmo de namoro. Eva ficou mordida de ciúmes.

Então era verdade o que Emília lhe dissera. Estava mesmo amofinada. Não esperava por aquilo.

Umas meninas resolveram brincar com o casal. Riram, fizeram as piadinhas comuns aos adolescentes. Eva entrou na brincadeira.

_ Quero bolo, quero bolo! _ Gritavam em coro.

Aristeu

Até que levaram um pito de dona Zinha, mãe de Tereza.

_ Vocês, moças, se comportem! _ Gritou-lhe a senhora.

Eva se amofinou de vergonha. Todas se amofinaram, porque logo arranjaram outra brincadeira.

Era muito vergonhoso levar uma bronca daquelas. Eva estava com muita vergonha.

Se Aristeu queria ficar com Alicinha, que ficasse, ponderou Eva. Bem que repara que Aristeu lhe parecia um tanto feio. Pensou a moça um tanto despeitada. 

Eva merecia um rapaz bem melhor. Aquele moço não era para ela, bem sabia. Nem mesmo gostava dele! Pois sim, não gostava mesmo. Estava um pouco envaidecida com o interesse do rapaz. Nada mais que isso. Nada mesmo.

Mas Eva não demorou muito pensando nisto. Logo depois estava interessada em Renato. Dessa vez era pra valer.

 

Eva estava sentada no parque com Janice, uma antiga amiga do colégio. Gostavam de ver as pessoas passarem. Algumas com pressa, apenas para atravessar o parque, para cortarem caminho. Sem reparar nas árvores, nas flores, nas pessoas.

Gabriel passou a acenou para as duas.

Depois que Gabriel passou, Janice comentou:

_ Gabriel está muito bonito. Não acha, Eva?

_ Sempre achei Gabriel muito bonito. _ Eva respondeu.

_ Mas está um rapagão, agora! Quantos anos tem?

­_ A mesma idade que eu. Gabriel é do mês de maio, como eu. _ Mas parece tão rapaz.

Janice parecia decepcionada.

_ É hora de procurar um casamento. Não quero ficar para tia.

_ Nem eu. _ Disse Eva, sorrindo. _ É uma pena que Gabriel não seja mais velho! Mas se ele fosse mais velho, quem casava com ele era eu! Afinal, eu vi primeiro!

_ Bota primeiro nisso. Que eu saiba, suas famílias se conhecem há muito.

_ Sim. Brincávamos muito, quando crianças. Mas as visitas começaram a escassear. Ainda somos amigos. Mas já não muito.

Eva estava ao piano. Gostava de tocar. Sentia-se livre. Guido aproximou-se de Eva.

_ Queria tocar como tu, Eva!_ Disse o rapaz enquanto lhe beijava os cabelos.

_ Se tivesses te dedicado ao estudo, certamente tocaria. _ Respondeu Eva com um sorriso.

_ Lembra no dia em que eu e Pedro  ficamos escondidos em cima da árvore para que eu fugisse da lição de piano?_ Perguntou Guido, enquanto soltava uma gargalhada. Quando menino, aprontava muitas.

_ De nada adiantou. Gabriel entregou vocês. Não se lembra? Gabriel sempre foi muito compenetrado nos estudos.

_ Dona Elisa foi embora mais cedo por causa da briga. Estive com Gabriel por estes dias. Sabe o que ele falou?

_ O quê?

_ Que a moça de quem ele gosta tem a mesma idade que ele?

 _ Quem é a moça?_ Perguntou Eva curiosa. Nem sempre tinha notícias de Gabriel. Gostava muito do rapaz. Era uma pena não serem mais tão próximos.

_ Você, Eva!

_ Gabriel disse que gosta de mim, Guido?

Eva espantou-se. Não esperava por aquilo. Nos últimos tempos Gabriel se mostrava muito frio com ela. Aquilo era estranho. Muito estranho. É certo que sempre foram amiguinhos. Que Eva achava que Gabriel ficara bem interessante depois que chegara à adolescência. Mas depois Gabriel se tornara arredio e os dois estavam meio afastados. Esta declaração de Guido causou-lhe mesmo surpresa.

            Levou o caso na brincadeira. Eva já estava com dezenove anos. Em idade de casar. Gabriel também tinha dezenove, mas as meninas amadurecem mais rápido. Mas gostou de saber disso. Gabriel era lindo! Eva riu-se. Se ele gostava dela, não estava demonstrando. Não ultimamente. 

Eva fora fazer um passeio de tarde com algumas amigas. Aproveitaram pra tomar uma fresca da tarde, no parque. Outros amigos se juntaram ao grupo e logo estavam numa animada conversa. Gabriel estava entre eles, mas ultimamente estava arredio. Notara isto desde a vez em que se reunira com um grupo para tirar uma foto. Eva gostava muito de fotos. Sentou-se ao lado de Gabriel. Abraçou e sorriu para a câmera, mas ele não estava à vontade.

Um gato miava em cima de uma árvore. Era pequeno. Subira lá e não conseguira sair.

Gabriel subira em uma árvore para tentar salvar o gato. Eva sorriu.

_ Vê se não fica pendurado também, Gabriel. Senão, teremos que salvar os dois. _ Disse-lhe Eva, em tom de pilhéria.

_ É uma pena Guido não estar aqui. _ Falou Gabriel com azedume. Decerto que subiria com melhor maestria que eu.

Eva sentiu muita raiva de Gabriel. Por que lhe fora tão ríspido? Foi pega de surpresa. Devolveu-lhe em resposta:

_ É uma grande pena mesmo, Gabriel. Na certa o gato já estaria no chão._ Disse a moça com azedume.

O moço a olhou com cara de poucos amigos. Alcançou o gato e rapidamente o colocou no chão. Então partiu sem ao menos lhe dizer adeus. Eva o detestou naquele dia.Aborrecera-se com Gabriel. Se era a primeira vez ou não. Não lembrara de outra que fosse tão significativa. Falar mal de Guido. Vingar-se dela em Guido. Gostava muito dele. Sempre! Mas Guido era seu sangue, seu único irmão! Desgostou de Gabriel. Ele havia estado diferente nos últimos tempos. Primeiro aquele quase flerte, muito mais uma brincadeira, depois Gabriel entrara na brincadeira. Quase  um flerte de verdade. Eva só brincava, mas passara a vê-lo com outros olhos. Era verdade que Gabriel não era para ela. Mas se fosse mais velho. Quem sabe?

Mas não adiantava pensar nisso agora. Estava tudo acabado. Não restara nem mesmo a amizade que sempre os unira. Falar mal de Guido. Colocar Guido em uma discussão que fora só deles. Eva apenas brincara com Gabriel e ele viera com quatro pedras na mão! E colocar Guido na história. Gabriel decididamente estava fora de seu círculo de amizade. Doravante seria apenas bom-dia e boa-tarde. E ele que não se metesse mais com Guido.

A partir de então, assim foi! Não cortou relações com ele. Mas já não lhe tinha mais amizade.

 

Eva estava sentada ao piano. Acabara de completar vinte anos, acabara de terminar seu noivado com Júlio. Pensara estar apaixonada no princípio. Júlio tinha lhe pedido em casamento e Eva prontamente aceitara. Júlio era rapaz honesto, trabalhador, bem bonito até. Mas faltara a Eva algo mais. Aquele frio no estômago, o coração acelerado. Nada disso sentira com Júlio.

            Arrependera-se do noivado na mesma hora que aceitara. Mas ia ficar tão feio desmanchar um noivado tão logo iniciara. O que as pessoas pensariam dela?

            Lembrou-se do namoro com Renato, que fora tão rápido. É certo que enfadara-se logo do rapaz, mas estivera mesmo apaixonada por ele. Ainda que fosse por pouco tempo. Com Júlio era diferente. As coisas não pareciam nunca engrenar.

            Impacientava-se com o noivo. Contava as horas para vê-lo partir. Pareciam não se entender. Era fria com Júlio. O noivo também parecia frio com Eva. As visitas começaram a escassear. As amigas começaram a reparar. Júlio não era atencioso com Eva. Eva se convenceu disso. Numa tarde chuvosa o noivo compareceu depois de uma semana de ausência. Eva aproveitou para despacha-lo. Tudo que sentiu foi alívio. Não derramou uma lágrima. Tinha vontade de dar uma festa. Mas fez cara de luto. Não ficava bem demonstrar tanta alegria.

            _ Júlio era um noivo muito desatencioso! _ Disse para as pessoas.

            Não sabia por que, mas estava desconfortável com aquela situação. Tinha medo que as pessoas pensassem que era culpa dela. Talvez julgassem que Júlio era bom e ela má. Que ela não sabia amar.

            Para alívio de Eva, todos concordaram: a mãe, o pai, Guido, as amigas.

            _ Melhor assim! _ Concordou a mãe.

            _ Arranja-se outro. _ Disse o pai num gracejo.

            _ Você merece coisa melhor. _ Anuiu Guido.

Eva estava aliviada. A culpa era mesmo de Júlio. Ela mesma passou a acreditar nisso.

Alguns dias mais tarde, Marilda, uma prima de Eva, veio de visitas. Fazia tempos que Marilda não vinha. Era uma alegria só quando a prima chegava. Marilda era sempre tão alegre e espirituosa.

Dona Helena contou sobre o término do noivado de Eva. A mãe não cansava de tocar num assunto que Eva gostaria de esquecer.

_ Mamãe, me contou. Disse-me que Júlio era desatencioso. Ri de mamãe, tia Helena! Isso é coisa de Eva! Quem não conhece? Duvido que ela quisesse realmente Júlio. Conheço muito bem a minha prima.

A moça levou um susto com a declaração de Marilda. Posara de ofendida, mas tudo que sempre quisera foi se livrar de Júlio. Tinha convencido a si mesma que Júlio fora o culpado, quando a culpa sempre fora dela. Que amor floresce se não for regado? Fora desmascarada.

Deu uma gargalhada.

_ É verdade, Marilda. Tens toda razão. Mas sabe que nem eu sabia disto?

_ Eu te conheço, Sara.

_ Também me conheço, Marilda e sei que você está coberta de razão.

A mãe pareceu não entender nada. Mas há muito que desistira de entender a cabeça da filha.

Estava absorta nestes pensamentos quando ouviu a mãe chamar.

_ Eva, Gabriel está aqui. Quer falar contigo, filha!

Gabriel queria falar com ela? Há muito que não se falavam. É certo que se cumprimentavam, que não cortaram relações de vez. Mas não passavam nos acenos, desde que discutiram por causa de Guido.    

_ Mande Gabriel entrar, mamãe!

A mãe veio até a sala.

_ Disse que é rápido, Eva. Prefere esperar no jardim.

A moça chegou ao jardim. Gabriel estava sério. Era a primeira vez que se falavam, depois da discussão.

_ Aconteceu alguma coisa, Gabriel?

_ Nada, Eva. Vim apenas para me despedir. Vou fazer uma viagem. Terminei os estudos. Quero descansar um pouco. Tomar novos ares. Não sei quando volto.

Eva sentiu um grande pesar. Discutira com Gabriel, perdera sua amizade. Agora ele partia, assim como aquele laço de amizade de partira e Eva sabia que era para sempre.

_ Partes aborrecido, Gabriel?

_ Não, Eva. Nossa amizade sempre será a mesma.

Ela sabia que não era verdade. Arrependeu-se de ter brigado com ele. Abraçou Gabriel.

_ Boa viagem, então. E quando voltares, conte-me tudo que aconteceu.

Ele sorriu amarelo e disse:

_ Está bem, Eva.

Ele caminhou até o portão e não olhou para trás. Eva sabia que mesmo que voltasse a vê-lo, nada seria como antes e não foi.

Poucos meses Gabriel voltou da viagem, mas não a procurou. O laço rompera-se de vez.

 

Resolveu caminhar pelo Parque de Maio. Olhou para o céu. O dia estava claro. O sol brilhava. Caminhou um pouco sozinha. Precisava pensar na vida. Sentia que precisava fazer algo para que sua vida que fosse muito bom. Não queria ser alguém muito comum. Queria ser uma pessoa de grandes conquistas.

Encontrou-se com Gina.

_ Como vai, Eva?

_ Bem e você?

_ Melhor agora que te encontrei.

_ Vamos dar uma volta. _ Convidou Eva.

_ Claro! É uma ótima idéia.

Caminharam um pouco, até que sentaram num banco.

 Ficaram admirando as árvores que balançavam ao vento.  

_ Gabriel vai ser papai! _ Gina disse, de repente, para Eva.

_ Gabriel, filho da dona Elisa?

Eva não podia crer que aquilo era verdade.

_ Isto!

_ Não fomos convidados para o casamento. _ Eva sentiu um desconforto.

_ Ninguém foi, Eva. Foi coisa muito simples. A moça estava de luto pelo pai. Vocês eram muito amigos. Não é?

 _ Não nos vemos mais com tanta freqüência. Nem sabia que Gabriel havia se casado.

Quando João casou-se, Eva encontrou Gabriel pela primeira  vez, depois que recebera a notícia de seu casamento e do bebê que estava a caminho. Seu Antônio, Pedro e a esposa, não compareceram ao casamento. Dona Elisa foi na companhia de Gabriel, a esposa e o bebê que já nascera.

Em determinada hora, ela aproximou-se da mesa deles. Queria ver o bebê, que estava no colo de dona Elisa.

_ Este é seu netinho, dona Elisa? _ Perguntou.

_ Sim. _ respondeu a vovó, toda coruja.

 Eva cumprimentou Gabriel e a esposa. A moça não conhecia Eva. Retribuiu, assim como o marido. Mas Eva notou que o moço estava frio, sem jeito. Ele não era mais o mesmo.Não se pode voltar a infância. A amizade se fora. Quem era aquele estranho que estava a sua frente?

Eva fez mais um agrado ao bebê e despediu-se.

Falou com demais amigos.Tirou retratos, sorriu. O vestido era velho. O mesmo que usara no casamento de Guido. Guido casara se jovem, é certo! Mas Eva já passara do ponto. Sentiu-se velha, como o vestido. Tinha alguns mais novos. Por que escolhera aquele? Guido já estava casado, assim como Pedro e Gabriel. Hoje quem se casava era João. Emília tagarelava em sua mesa, sobre as gracinhas da filha.

O tempo passara para ela. Agora já se sentia cansada. Queria ir embora para casa. Queria dormir. Decididamente ficara no caritó. Mas já não ligava pra isso. Cansou-se! Eva desistiu.

Eva voltava das compras e encontrou Gabriel na rua.

_ Gabriel! Quanto tempo._ Disse enquanto abraçava o rapaz.

Viu em seus olhos algo diferente. Não sabia o que. Eva enrubesceu.

_ Como vai a família? _ Ela perguntou.

_ Meu filho está bem. _ Ele disse e continua a olhar Eva com aquele mesmo olhar.

_ E a esposa?

_ Estou viúvo, Eva.

Eva levou um grande baque. Que tragédia na vida de Gabriel. Não esperava por aquilo. Era tão jovem.

_ Sinto muito!

Ela gostaria de não ter tocado no assunto.

_ Já faz algum tempo. É hora de continuar a vida.

_ Está certo! Ainda é jovem. Pode refazer sua vida. Casar de novo.

_ Caso-me com você!

Eva sorriu sem graça. Mas levou na brincadeira.

_ Devia ter me pedido antes. Agora que já tem um filho é que me pedes.

Os dois sorriram. Conversaram amenidades e Eva se despediu.

_ Apareça para uma visita. _ Falou Eva.

Ele disse que apareceria, mas não apareceu. Quando os caminhos se descruzam, não há jeito de coloca-los na mesma direção.

Olhou para o céu. O dia estava um pouco abafado. Parecia que ia chover.O sol já não brilhava. As árvores balançavam ao vento, que parecia um tanto morno. Folhas voavam. Não tardava a chuva cair.

Pegou no braço da mãe. Era melhor que se apressassem.

Uma folha de papel veio voando em sua direção. O que seria aquilo? Eva pegou um prospecto e leu:

 _Um curso de desenho! _  Falou.

_ Onde? _ A mãe perguntou.

_ Aqui mesmo na cidade. Acontecerá todas as manhãs de sábado. No Parque de Maio. Parece interessante.

_  Por que não vais? _ Disse Natália, a prima mais jovem que estava de visita.

Natália era ótima menina. Estava segurando uns pacotes para a tia.

_ Já estou velha para estudos. _ Respondeu Eva com um sorriso.

_ Velha, você, Eva. Nem tem trinta anos ainda!

_ Natália tem razão, Eva. O que te custa?_ Perguntou a mãe.

_ Um curso de desenho, mamãe! Para que me serviria?

_ De certo te faria bem. Ficaste interessada quando lestes o prospecto. Isto não podes negar.

_ Porque gosto de desenho! Sempre gostei. A senhora bem sabe.Mas não tenho ânimo para o curso.

Uns dias mais tarde, Eva recebeu a visita de Natália. Logo que adentrou, a moça lhe estendeu um pacote.

_ Um presente para mim, Natália! O que é?

_ Abra e veja! _ Disse a mocinha.

Eva abriu o pacote que continha um bonito bloco de desenho, carvão e um papelzinho dobrado.

_ O que tem aqui?

Eva abriu o papel.

_ Uma inscrição para o curso de desenho feita em meu nome?! O que significa isso, Natália.

_ Que tu irás fazer o curso de desenho, Eva._ Disse Natália com grande ênfase._  Não admito negativa!

_ Gastando teu dinheirinho com isto, menina. Não posso aceitar!

_ Não foi o meu dinheiro. Foi o dinheiro de papai!

A menina riu.  

_ Pedindo dinheiro ao teu pai por mim. Isto é uma vergonha!

Eva estava envergonhada com aquela situação.

_ Deixe de bobagens, Eva. É apenas um presente. _ Sorriu a garota. _ Papai e mamãe acharam a idéia genial. Gostaram mais ainda quando disse que também faria o curso.

_ Está bem, Natália._ Eva deu um longo suspiro. _  Você me venceu pelo cansaço. Quando começa este curso.

_ No sábado que vem! Aposto que vais gostar, Eva.

_ Tem razão, Natália. Como vai a tua mãe?

_ Mamãe está bem, mas diz que tu és uma prima muito ingrata, que nunca a visita. Tia Marilda diz o mesmo.

_ São duas linguarudas aquelas duas. Diga a tua mãe que em uma próxima oportunidade irei ter com ela.

_  Quem acredita nesta história, Eva?

_ Até você, menina? _ Eva sorriu. _ Venha, vamos comer um delicioso bolo de chocolate que preparei.

As duas saíram rindo para a cozinha.

O curso começou numa bonita manhã ensolarada.O dia estava claro. O sol brilhava muito e isso a deixava muito feliz. As árvores balançavam ao vento, que agora parecia um tanto frio, mas acalentado pelo sol..Estavam no início do inverso, mas o tempo estava ameno. Eva se espantou por encontrar tantos conhecidos. No outro sábado o grupo estava maior, e ainda maior no seguinte. Foi nesta terceira aula que Gabriel entrou no curso. Ele sorriu para Eva e foi sentar-se um pouco afastado.

Ele pegou a prancheta de desenho e alinhou cuidadosamente os lápis.

Então Gabriel também não esquecera os tempos de desenho. Pedro e Guido eram bons nos esportes. Sempre venciam os jogos. Gabriel e Eva eram melhores desenhistas, sempre recebiam elogios dos pais. Também gostavam de música e livros. Fora por isso que sempre preferira à companhia de Gabriel, que a de Pedro.

_Tudo bem, Eva? Posso me sentar ao seu lado?!_ Perguntou Gabriel, lá pela quinta o sexta aula.

_ Estou ótima, Gabriel. _ Respondeu Eva com um sorriso.­_ Claro que pode! Será um prazer. Posso ver os seus progressos?

Os desenhos de Gabriel eram muito bons.

Estava contente por poder ver Gabriel de novo. Era bom ver um rosto do qual não se cansava, por mais que passassem os anos. Gabriel era em sua essência, lindo. Gostava do seu rosto, do seu porte. Quase tudo a agradava em Gabriel.

_ Gosto quando chego na aula e vejo seu rosto. _ Gabriel disse de repente para Eva.

Esta levou um susto. Também gostava de ver Gabriel.

_ Então somos dois. – Eva sorriu. _ Também gosto de ver você.

Era bom ver Gabriel. Senti-se feliz na companhia dele. Gostava das aulas, dos outros alunos. Mas dentre todos, Gabriel era especial para ela. Gostava de ver o seu rosto. Gostava quando ele sorria para ela. Quando a cumprimentava ou quando se sentava junto dela para desenhar.

_ Eva, se eu te chamasse para tomar um sorvete ou assistir um filme, você iria?

Eva sorriu sem graça, não sabia o que dizer. Sabia o que significava aquilo.

_Mas é só para tomar um sorvete ou assistir um filme, não é?

Gabriel deu uma gargalhada.

_ Claro, é só para tomar um sorvete ou assistir um filme. E então, você iria?

Eva sabia muito bem onde iria terminar aquilo. Só não queria arriscar. Dizer que não e perder um amigo. Aceitar e perder do mesmo jeito.

_ Está bem. Qualquer dia desses, mas não vai passar disso.

_ Está bem. Qualquer dia desses.

Eva sabia que este dia não chegaria! Gabriel entendera o recado.

Eva  achou que ele não gostou muito. Homem nenhum gosta. É claro que o ego incha quando um homem que a gente considera bonito, chama a gente pra sair. Mas Eva não podia. Uma porque não tinha pique! Estava muito cansada! Outra porque não podia estar topando sair com um rapaz que estava imaginando um encontro romântico e que iria levar um toco. Isso não é justo com ele e Eva estava muito cansada para esse tipo de saia justa.

Eva achava o Gabriel lindinho, mas não era o que ela queria. Queria um homem mais maduro para si.

 Não podia e era só isso. Ela o vira criança. Brincara com ele. Como é que iria sair com ele, agora? Conheciam-se demais, eram amiguinhos. Realmente não iria dar. Esperava que ele não ficasse magoado com ela.

_Eva, você lembra de quando éramos pequenos e que você dizia que íamos nos casar?

Como ele ainda se lembrava daquilo? Eles eram tão eram pequenos.

_ Claro que me lembro, Gabriel! ­_ Respondeu Eva com um sorriso sem graça. Não estava preparada para aquela pergunta. _ .Mas isso quando éramos bem pequenos.

Gabriel riu com gosto.

_ Então está na hora de você cumprir a sua parte no acordo. Já fiz vinte e seis.

_ É que eu pensei que quando chegasse a época, você já haveria desistido. Ainda interessa?

_ Interessa e muito.

_ Jura?!

_ Todo aniversário que eu fazia, ficava pensando nisto. Ainda penso Eva. Tenho que te falar uma coisa.

Gabriel parecia meio encabulado. Era como se de repente, ele fosse um  menino novamente.

_ Vou dizer logo, Eva. Eu sempre gostei de você. Desculpe a sinceridade.

_ Tudo bem. Gosto de sinceridade. A idéia me agrada. Mas é meio estranho. A gente se conhece desde criança.

_ E o que tem?.

_ Não te parece estranho? O que as pessoas vão pensar?

_ Eu não ligo para o que as pessoas pensam.

_ Eu ligo!

_ Pare de bobagens e vamos logo sair para tomar um sorvete, ir ao cinema. Vamos nos conhecer. Nos aproximarmos de novo.

_ Não dá, Gabriel. Quando as coisas começaram a ficar assim para você?

_ Sei lá, desde sempre. Sempre que eu te via, Eva. Eu sentia uma coisa...

Eva fazia perguntas para Gabriel. Perguntas que ela fazia para si mesma, mas que não tinha respostas. Sempre gostara de Gabriel, mas não foi sempre desta maneira. . Quando isso havia começado? Quando deixara de enxergar Gabriel como um quase irmão? Que responsabilidade Eva tinha sobre os sentimentos de Gabriel? Será que tinha sido ela mesma quem incutira aqueles sentimentos na cabeça de Gabriel? Quem sabe fizera algo para que ele pensasse assim?

_ Eva, eu estou falando com você.  _ Gabriel chamou Eva de volta à realidade.

_ Desculpe, Gabriel. Estou muito confusa com esta situação. Todas estas perguntas que te fiz, estou fazendo para mim mesma. E o pior de tudo, é que não tenho respostas para nenhuma delas.

_ Não vá começar a me evitar.

_ Eu nunca vou te evitar, Gabriel! O problema não é você. Sou eu. Eu sempre estrago tudo. Eu não quero perder o carinho que você tem por mim.

_ Você nunca vai me perder, Eva.

Gabriel estava com a cabeça baixa. Parecia derrotado. Eva se sentia estranha com aquela situação.

Então o Gabriel sempre gostara dela? Isso é muito louco.Eva pensou.  Sempre como? Será que é desde pequenos?

É claro que ser cortejada por um homem como Gabriel, que Eva considerava bonito massageava o seu ego. Mas eu não sabia definir, onde acaba o Gabriel menino, companheiro de suas travessuras, e onde começa o Gabriel homem. Isto não estava muito claro para ela.

Eva gostava muito dele porque sempre gostara.

Eva não ia negar que se sentia bem com isso. Achava que fazia parte da natureza humana. Todo mundo gosta de ser amado. Mas não é justo exibi-lo como um troféu. Não sabia até que ponto o que ele sentia por ela era  uma atração ou uma paixão de menino. Atração não é nada. Todo mundo tem. Paixão de menino é coisa muito frágil, não pode ser pisada por ninguém. Não queria rejeita-lo. Ao mesmo tempo não podia se aproveitar dele. Não queria se casar com o Gabriel. Se a gente não pode se casar, não pode flertar. Nada de beijos e depois adeus.Não era correto de maneira alguma. Não era justo com ele. Não é justo com ela mesma.

 Ele havia dito que agora Eva passaria a evita-lo, mas Eva nunca o evitaria. Iria continuar a tratá-lo do mesmo jeito. A menos que ele pedisse para que Eva mudasse. Gostava de histórias românticas e a que ele pintara era muito linda, ainda que a nossa sociedade considere feia. Ela mesma quando via a história pelo ângulo dele, achava que era algo muito lindo. Alguém que ama (ou coisa parecida) uma pessoa a vida inteira e depois consegue dizer isto a ela. É muito lindo! Lindo mesmo! E muito emocionante. Merece um final feliz, com beijo na boca. Mas quando via esta mesma história pelo seu próprio ângulo, achava meio vago.

Aceitar este amor e retribuí-lo, parecia uma coisa estranha de sua  parte. Não dava para escrever uma história com dois finais, o Gabriel merecia ficar ela, mas ela não podia ficar com ele.

Como iria faze-lo entender isto? Tudo que ele queria é ficar com ela!  Ficar com ela era o certo para ele, e ele tinha razão. Mas ficar com ele era surreal para Eva e ela tinha razão.

Mas ela o entendia e via a pureza de sentimentos dele. Via beleza nesta história, porque via a parte dele. Então não iria evitá-lo. Deixaria tudo como estava. Se ele quisesse, é claro. E deixaria o tempo passar. O tempo é o melhor remédio para muitas coisas. Não tinha nenhum problema, o amor mais duradouro é sempre o platônico porque ele é e sempre será o que poderia ter sido.    

            Guido chegou para uma visita e deu um abraço em Eva.

_ Como está, mana.

_ Bem e você?

_ Estou bem.

_ Mande um beijo para Carolina e as crianças. Por que não as trouxe?

_ Vim correndo do trabalho para saber como estão papai e mamãe.

_ Estão bem.

_ Vou falar com eles. Parece um pouco desanimada, Eva.

_ É sua impressão, Guido.

Ele caminhou até o piano e o dedilhou.

_ Venha, Eva. Toque uma canção para mim.

_ Você poderia tocar as suas, Guido. Se não fugisse das aulas.

_ Não me atormente, Eva. _ Ele riu. _ Venha.

Eva sentou-se ao piano e tocou uma canção.

_ É tão bom te ouvir no piano, Eva. Lembra meus tempos de infância. Que saudades eu tenho dele.

_ Também tenho. _ Disse Eva pensativa.

_ Lembra-se de Gina?

_ É  claro! _ Disse Eva. _   Minha  inseparável  amiga  de  infância.

_ Gina também tocava bem o piano, como você e Gabriel.

_ É verdade. Lembra-se do que dizia mamãe?

_ Como não? ”Estais  vendo, Guido?  Gina  já  toca  muito  bem.  Quanto  a  você,  Guido,  não  sabe  fazer uma escala!”

_ Pobre Guido. _ Disse Eva.

_ Não  dizia  nada,  porque  responder  a mamãe era castigo na certa, mas  aquilo  era  mesmo  de amargar.  Gina, como tu e Gabriel  eram  mais  velhos  do  que  eu.  É  por isso que estavam em  vantagem.

            _ Mas você poderia ter se esforçado mais, Guido. Aprendi  a tocar  bem  mais  pequena. Não sei o por que  de você não gostar de piano.

_ Claro que gosto! Mas  nunca  fui  de  grandes  progressos.  Mas  o  que  importa  isso agora?

_ Nunca é tarde para aprender.

_ Deixe de bobagens, Eva. Agora sou um pai de família.

_ Que saudades me deu de Gina agora. _ Disse Eva, voltando os olhos para o passado._ Ela  era  do  tipo  que  atrai  a  simpatia  das  pessoas.  Todos  gostavam  de Gina.

_ Era mesmo uma boa moça. O que foi feito dela?

_Casou-se com um militar e mudou-se para o Sul.

_ Mesmo! _ Espantou-se Guido. _ Pedro era apaixonado por ela. 

_ Verdade? Não sabia. Tão pequeno o Pedro. Não teria a menor chance.

_ É o que eu lhe dizia. Falava que seria mais fácil para Gabriel.

_ Gabriel gostava de Gina? _ Espantou-se Eva.

_ Claro que não, Eva. _ Guido lhe deu um olhar significativo. _ A história de Gabriel sempre foi com outra.

Eva ficou com vergonha. Será que Guido sabia que Eva e Gabriel voltaram a estreitar a amizade? Mas Guido olhou para o piano e não falou mais nada.

_ Costumávamos brincar  de  muitas  coisas. _ Eva mudou de assunto. _   Piques  de  todos  os  tipos.  Jogo  de  bola    de gude. 

_ Mas não gostávamos de brincar  de bonecas. _Riu Guido.

_ Não mesmo. _ Concordou Eva. _ Gina  era  a  companheira  constante.

_Uma  das  coisas  que  mais  gostava  era  visitar  a  casa  de  dona Elisa. _ Disse Guido.

_ Também eu._  Concordou Eva.  Ela era a única conhecida que mamãe visitava que tinha os filhos  próximos  a  minha  idade.

_ Dona Elisa era  tão  boa _ Disse Guido. _  E  fazia  doces  tão  gostosos.

_ Que guloso que você é, Guido.

O irmão deu uma gargalhada.

_ É verdade, Eva. Mas você também gostava.

_ E como. _ A irmã riu.

_ Era  bem  divertido.. _ Disse Guido. _   Brincávamos  muito  e  de  muitas  coisas.  _ Não  sei  como  mamãe  e  dona  Elisa agüentavam._ Disse Eva.

_ Não mesmo. – Concordou Guido. Mas chega de boas lembranças, Eva. Vou ver papai e mamãe.

Ele lhe beijou os cabelos e subiu para conversar com os pais. Deixando Eva absorta em seus pensamentos, com as lembranças da infância.

_Que tal um concurso de desenhos? _ Fez a sugestão uma das alunas do curso.

_ Bravo. _ Disse Gabriel.

Todos aplaudiram a ideia.

Eva trabalhou um desenho com o qual participaria do concurso. Não o fez muito elaborado. Se desse mais de si, poderia fazer um trabalho bem melhor. Gostava de fazer tudo com perfeição. Do contrário não estava bom. Era uma questão de honra para ela. Se fazia algo, queria fazer o melhor.

Entregou o trabalho ao professor.

_ Está muito bom, Eva. _ Disse o professor de desenho. _ Penso que poderia dar uma melhor finalizada neste jardim. Assim estaria perfeito.

Eva pegou o trabalho e sabia que a sugestão do professor era boa. Mas se o levasse para casa, não seria justo.

_ Deixe assim como está, professor. Posso fazer outro, em casa, mas quanto ao trabalho da competição, é injusto com os demais colegas.

_ Como quiser, Eva.

_ Fez o desenho para o concurso, Eva? _ perguntou Eleonor

_ Olá, Eleonor._ Disse Eva. Já!

_ E você, Gabriel? _ Perguntou para o moço que acabara de chegar e se sentara num banco próximo às duas.

_ Não! Acabei esquecendo.

Esquecendo-se? Aquilo não era típico de Gabriel, sempre tão compenetrado nos estudos.

_ E você, Eleonor?_ perguntou Gabriel.

_ Já. _ Disse a moça com um grande sorriso.

_ por que não fez o seu, Gabriel? _ perguntou Eva.

_  Não consigo pensar em mais nada. _ ele disse com um suspiro.

_ Sem inspiração? _ perguntou Eleonor.

_ Talvez. _ Ele disse.

_ Sobre o que conversam? _ Disse Henriqueta, uma das estudantes do curso.

_ Sobre o desenho do concurso. Já o fez? _ Perguntou Eleonora.

_ Que nada! Ainda tem muito tempo. _ Disse a moça rindo.

_ Não sei como você pode deixar tudo pra cima da hora, Henriqueta._ Disse Eleonor.

_ Coisas da juventude. _ Disse Gabriel.

_ Ai, gente. O senhor Gabriel é um velho! _ Disse Eleonor.

_ E também não fez o seu. _ Disse Eva.

Todos riram..

A aula continuou. O tempo estava agradável. Era uma pena o curso estar findando. Eva sentiria falta nos novos amigos. Também sentiria falta de Gabriel. Era muito bom vê-lo mais vezes, como fazia agora no curso.

Passaram-se os dias.

_ O resultado sai hoje, sorriu Sarita, a moça que dera sugestão do concurso.

_ Vamos anunciar o resultado do concurso. O Primeiro lugar está perfeito.

Eva sabia que não era o dela. Seu trabalho não estava perfeito.

_ O primeiro lugar vai para... Eleonor.

Era justo. Eleonor era muitíssimo aplicada. Não seria justo que dividisse o primeiro lugar com Eva.

_ O segundo lugar vai para Eva.

Ficou feliz com o resultado, ganhou de prêmio um livro sobre pintura. Estava feliz com o resultado. Sarita ficou com o terceiro lugar.

_ É tão, Gabriel. Não vi nenhum trabalho seu.

_ Não competiria com nada que não fosse minha melhor obra.

_ E por que não competiu?

_ Por você, talvez por mim.

_ Acha que ficaria triste se perdesse pra você, Gabriel? Que injustiça! Se fiquei feliz por Eleonor, que mal conheço, muito mais ficaria por você.

_ Não é isso.

Ele abriu sua pasta de desenhos e de lá tirou um retrato. Era um retrato de Eva no parque, debruçada sobre sua prancheta de desenho. Tão perfeito como se fora uma fotografia. Ele realmente tiraria o primeiro lugar.

_ Só um homem apaixonado pintaria com tamanho esmero, Eva. Uma pintura diz mais que muitas palavras.

_ Já está na hora de ir, Gabriel. _ Eva desconversou. Não estava preparada para aquela conversa.

_ Tudo bem. _ Disse Gabriel, enquanto guardava o desenho na pasta. _ Foi melhor não ter mesmo competido. _ Disse resignado.

_ Até breve, Gabriel.

_ Até breve, Eva.

Não gostava daquela situação entre os dois. Estava fugindo ao seu controle. Mas o que fazer? Não estava preparada para assumir um romance com Gabriel.

Eva estava sentada no parque. O tempo estava morno. Era como se o ar estivesse parado. Pensou em Gabriel. Só conseguia pensar nele nos últimos dias. Fazia tempos que não se sentia assim por ninguém. O que Gabriel estava tentando fazer com sua cabeça? Isso era demais para ela.

Sentiu que alguém se sentara ao seu lado. Não precisa olhar para saber que era Gabriel. Sentira a sua presença.

_ Eva, por que você não me dá uma chance?

_ Não posso, Gabriel. Não tem cabimento uma coisa dessas.

_ Por que, Eva?

_ Nos conhecemos desde crianças.­_ Respondeu Eva, mas sua resposta não foi convincente.

_ Sou viúvo. Tenho um filho. Não seria por causa disso, Eva?

_ Claro que não, Gabriel. Que coisa!

_ E se tivesse te conhecido agora, seria diferente? Eu teria alguma chance? Diga-me com sinceridade, Eva.

_ Claro, Gabriel.

_ Não adianta, Eva. Mesmo que você tenha cinqüenta anos, eu vou beijar você. Aí você vai lembrar deste dia e vai se perguntar: “ Por que não o beijei antes? Quanto tempo nós perdemos!

  _ Não faz isso comigo, Gabriel!

_ Não faz isso comigo, você, Eva! Por favor, me dê uma chance!

Gabriel não apareceu na aula seguinte. Também não procurou Eva! Numa sexta feira, quando saía rapidamente ao encontro de prima Marilda, que a esperava para irem juntas ao cinema, Eva quase deu de encontrão com Gabriel. Sorriu-lhe, parou e lhe deu um beijo na face.Mas estava muito atrasada. Marilda não admitia atrasos. Eva também detestava começar a ver uma fita desconhecendo o princípio. Gostava de uma história com começo, meio e fim.

Despediu-se de Gabriel rapidamente. Depois arrependeu-se. Achou que não lhe dera a devida atenção. Não depois de toda aquela declaração que Gabriel tinha feito a ela.

No outro dia, na aula de desenho, Gabriel lhe disse:

_ Nem me deu atenção, ontem!

Então ele achara mesmo isso?! E se ele pensasse que Eva realmente o estava evitando.

_ Me desculpe, Gabriel. Estava muito atrasada! Marilda ia ter um ataque. Já saímos tão pouco!Desculpe-me por ter sido indelicada com você, Gabriel.

Eva realmente não queria que ele pensasse que ela não lhe dava atenção.

_ Não tem nenhuma importância, Eva!

Ele sorriu e Eva esqueceu tudo. Gabriel estava revolucionando suas ideias! Será que as pessoas imaginavam o que estava acontecendo entre eles? O que todos iriam pensar deste novo sentimento que surgira entre ambos? Será que este sentimento era tão novo assim? Novo ou velho, certamente era muito mais intenso agora. Disso Eva tinha certeza e não havia como negar.

  

Era final de primavera. Eva fora para o parque desenhar alguma coisa. Sempre gostara do parque, mas agora gostava muito mais, porque ele lhe fazia lembrar de Gabriel. Quanta saudade!

Caminhou um pouco sozinha. Precisava pensar na vida. Às vezes pensava que não tomara as decisões certas na vida. Sempre esperava que algo de muito intenso estaria por acontecer. Mas este dia nunca chegava e Eva achava que o tempo não parecia passar, ou passava muito rápido. Não tinha muita certeza de tudo isso. Sentia que precisava fazer algo para que sua vida desse uma guinda. Não queria ser tornar uma velha ranzinza e sofrida. Queria ser uma pessoa de grandes conquistas.

As aulas de desenho haviam terminado. Fazia tempo que Eva não via Gabriel. Estava com saudade dele. Gabriel sabia ficar em silêncio. Tentava, mas não insistia. Outros em seu lugar, teriam enfadado Eva.

Por onde andará Gabriel agora? Eva pensou. Sentia um vazio dentro de si. Estava cansada. Sem ânimo para desenhar. Rascunhara árvores, crianças que brincavam. Nada conseguia prender a sua atenção.

Olhou para o céu! Estava claro, de um azul pálido, com algumas nuvens brancas. Será que o tempo firmaria? As árvores balançavam ao vento. Eva sentiu os olhos pesados. Por que não ficara em casa para tirar uma soneca?

Sentia falta de Gabriel. Essa era a pura verdade. Estava tão quietinha, até que ele apareceu e vez uma reviravolta em sua vida. 

            Eva estava sentada ao piano. Acabara de fechá-lo. Tocara algumas músicas que a mãe ouvira em silêncio, enquanto cerzia algumas meias do pai.

            _ Mamãe, conte-me sobre a senhora e o papai._ perguntou Eva de repente. _  Onde vocês se conheceram? Como foi que vocês se apaixonaram?

            _ Que pergunta é essa, Eva?_ Espantou-se a mãe. _ De onde você tirou isso,menina?

            Eva nunca fizera pergunta de igual feitio para a mãe. Era natural que a senhora de espantasse.

            _ A senhora nunca disse nada, só queria saber..

            _ O que exatamente você quer saber?

            Eva não sabia o que realmente responder. A história com Gabriel estava martelando sua cabeça.

            _ Fala-me como foi no dia em que vocês se conheceram.

            _ Ah, sei lá. Já faz tanto tempo.

            _ E como foi? _ Interessou-se Eva.  _ Se apaixonou no mesmo instante?

            _ Claro que não!

            Que bom! Se ela dissesse que tinha se apaixonado no mesmo instante, acabaria por pensar que todos os romances começavam co amor à primeira vista.

            _ Como foi então? Diga-me, mamãe, como começaram a namorar, como foi que se casaram.

            _ Primeiro começamos a conversar, depois ele falou com meu pai. Depois ficamos noivos e então nos casamos e aqui estamos.

            _ Só isso?!

            _  O que você mais queria?.

            _ Sei lá. E não teve nada mais? E a paixão? Como foi que a paixão aconteceu?

            _ Que paixão, Eva? Isso não é assunto para você.

            A mãe estava um pouco encabulada.

            _ Mas não se casaram?

            _ Nos casamos e daí?

            _ Quero saber da história toda.

            _ Isto não é assunto para uma mãe e filha. Vou fazer um café. Quer uma xícara?

            A mãe saiu da sala dando o assunto por encerrado. Eva queria falar sobre Gabriel, mas não tinha coragem.

No seu aniversário, Eva recebeu a visita de Gabriel. Ele lhe trouxe flores. Rosas amarelas. Eva preferia que fossem vermelhas! Rosas vermelhas são muito românticas!

_ Vinte e sete anos, Eva! É uma bela idade!

_ Como sabe que fiz vinte e sete anos?

_ Você é de maio, como eu e temos a mesma idade. Se já fiz vinte e sete, agora você também fez. Como se sente?

_ Velha!

Disse Eva em tom de pilhéria.

_ Não está velha! _ Gabriel riu. _ Está linda, como sempre! Você é como o vinho, Eva. Quanto mais o tempo passa, melhor fica!

_ Deixe de galanteios, Gabriel. Como tem passado tua mãe? E seu filho, como está?

_ Gustavo está bem! Tem cinco anos, mas parece ter sete! Puxou o pai, Eva. É tão bonito quanto eu!

_ Gabriel, Gabriel! Elogio em boca própria é defeito.

Os dois riram. De repente Gabriel ficou sério e olhou Eva intensamente! Ela se sentiu um pouco desconfortável com a situação.

_ Parece que vai chover! _ Eva tocou no velho assunto do tempo.

_ Não, Eva. Não vai chover! O céu está estrelado! Não mude de assunto!

_ Sobre qual assunto estamos falando?

Ela tentava ganhar tempo.

_ Você nem deixou eu começar!

_ Como posso adivinhar o que você quer falar, Gabriel? Por que iria desviar uma conversa?

_ Não seja infantil, Eva!

_ Vamos brigar no dia do meu aniversário? _ Eva impacientou-se.

_ Claro que não. Desculpe-me! O que pretende fazer agora?

_ Como assim?

Ela pareceu não entender o propósito da pergunta.

_ Está com vinte e sete anos! Não se casou. Mas devia. É tão linda! Tudo bem que não queira um viúvo com um filho de cinco anos para criar! Mas pode escolher outro! Não precisa ser eu. Ainda que eu quisesse muito que fosse.

_ Está me pedindo em casamento, Gabriel?

Eva riu, mas Gabriel ficou sério.

_ Se você quiser...

_ Não quero falar sobre isso, Gabriel.

_ Eva, você é única em minha vida. Para mim você sempre foi Eva, com toda força do sentido da palavra. Eva, a primeira mulher de minha vida. A primeira e única!

_ Não fui eu quem me casei, Gabriel!

Ela estava séria.

_ Eu me casei, Eva. E devo admitir que estava apaixonado por ela. Não podia ficar a vida inteira nutrindo um amor impossível! Eu tentei ser feliz. E quase consegui. Mas ela partiu Eva e quando te vi novamente, todo aquele sentimento voltou. E com muito mais força! Eu nunca amei alguém como amo você!

_ Gabriel, por favor ...

_ Não fala nada, Eva! _ Gabriel parecia cansado. _ Parece que não foi uma boa idéia ter vindo! Desculpe-me se estraguei o seu aniversário.

_ Você não estragou nada, Gabriel. A culpa não é sua. Não consigo ser tão forte como você!

Gabriel deu um suspiro e se encaminhou para a porta.

_ Está bem, Eva. Eu não entendo, mas aceito! Só não posso ficar te esperando a vida toda. Seja feliz, Eva. Casa-te com outro. Mas por favor. Não desperdice sua vida! Adeus.

Gabriel partiu e Eva sentiu um imenso aperto no coração. Mas uma vez estava jogando sua chance de ser feliz pela janela. Sua mãe desceu alguns minutos mais tarde.

_ Quem estava aí? _ Ela perguntou.

_ Era o Gabriel, mamãe.

_ Veio por causa do teu aniversário?! _ Nisto viu as flores amarelas. _ E te trouxe flores. Que menino gentil!

Nenhuma sombra de desconfiança passou pelo rosto de sua mãe. Se ela não desconfiava de nada, é porque aquele amor era mesmo impossível. Tão impossível, que nem passava pela cabeça de sua mãe que havia entre Gabriel e Eva algo mais que uma amizade e das mais fraternas. Eva tinha mesmo que esquecer Gabriel.

  

Estava chovendo bastante. A campainha tocou. Eva foi atender. Era Gabriel. Pediu para ele entrar, mas disse que estava em frente a casa de uma amiga, vizinha de Eva, juntamente com Pedro e mais um amigo.

 Ele estava pedindo uma partitura de determinada música para Eva. Tentou achar, mas não conseguiu. Eva pegou um guarda-chuva e foi falar com Gabriel.

Os três estavam em frente à casa da nova vizinha. Eva nunca tinha visto a moça. Mas só Gabriel  veio falar com Eva. Ele mostrou Pedro. Fazia tempos que Eva não o via. Acenou para ele. Gabriel estava na chuva. Eva pediu para que ele ficasse junto com ela, para que não se molhasse.

 Falaram sobre a partitura que Gabriel lhe pedira, ele  mostrou um papel com o nome, mas conversa vai, conversa vem e ele acabou disparando:

_ Quando é que você vai me dar uma chance, Eva? Por que você não acredita em mim. Eu sinto uma coisa quando te vejo!

_ A partitura...

_ Não muda de assunto, eu sou apaixonado por você desde criança!

_ Estava cortejando uma senhorita, no meio de uns retratos antigos, ela achou um antigo bilhete em que você dizia que me amava! É verdade Eva?

_ Claro que é, Gabriel!

_ Não digo este amor de amiguinhos que você sempre me teve, Eva. Falo sobre o amor de homem e mulher.

_ Eu misturo tudo, Gabriel, não consigo separar. A moça ficou agastada? Posso falar com ela.

_ Não precisa! Eu quero me casar com você! Cuidado,Eva. Você vai envelhecer e pode ficar sozinha!

_ Acha que posso me arrepender?

_ Tenho certeza!É por causa do meu filho?

_ Claro que não, Gabriel! Mamãe ia se apavorar. O que as pessoas iriam dizer?

_ Ninguém tem nada com a nossa vida, Eva! Me dá uma chance, vamos sair. Tomar um lanche. Você sabe que sempre gostei de você. Não sei o que há de errado num relacionamento como o nosso.

_ E as outras, Gabriel?!

Eva sabia que Gabriel arranjava namoradas. Isso não era segredo para ninguém.

Ele lhe olhou seriamente.

_ Eu sigo com a minha vida, Eva. Não posso ficar na dependência de alguém que não quer nada comigo, mas que era só você falar que eu largo qualquer uma pra ficar com  você.

Eva sorriu. A chuva caía torrencialmente. Sua sombrinha não era suficiente para os dois.

_ Você não acredita em mim, não é Eva?

_ Acredito sim, Gabriel. Mas não posso.

Gabriel beijou a mão de Eva que segurava a sombrinha. Pedro, e os amigos que Eva não conheciam já entravam no carro.

_ Eles não pretendem te deixar debaixo desta chuva, não é? _ perguntou Eva com o instinto protetor que teimava em continuar.

_ Não, eu já vou. _ Disse Gabriel, enquanto começava a se afastar.

Chovia muito. Eva não queria que ele se molhasse.

_ Espere, Gabriel. Vou te levar até o carro. Não posso te deixar na chuva.

Levou Gabriel até o carro. Despediu-se também de Pedro, com quem nem chegara a conversar. Será que Pedro sabia de alguma coisa? Certamente sabia! Estava estampado para todo mundo ver. Eva e Gabriel pareciam um casal de namorados conversando sob a chuva.

Era inacreditável! Eva se sentiu feliz. Na mesma noite recebeu um buquê de rosas vermelhas de Gabriel com a seguinte mensagem: “Eu te amo! Por que você não acredita em mim?”

O pior de tudo é que Eva  acreditava.

Menos de uma semana depois, encontrou Cidinha, uma velha amiga de infância, no parque. Cidinha conversava com uns amigos. Eva lembrou-se de Gabriel, porque sabia que Cidinha e ele eram vizinhos.

Eva cumprimentou Cidinha e esta sorriu como quem sabe de alguma coisa. Será que Gabriel falara algo com Cidinha?

_ Preciso falar com a senhorita! _ Cidinha disse logo que Eva se aproximou.

O que será que Cidinha queria falar com ela?

_ Fale logo!

_ É particular.

Cidinha sabia! Agora Eva tinha certeza. Que bom! Há tempos que Eva tinha vontade de comentar sobre Gabriel com ela. Mas não tivera coragem. Precisava de alguém de fora para conversar sobre isso.

As duas caminharam até um banco. No caminho Eva perguntou:

_ Tem a ver com Gabriel?

Cidinha soltou uma gargalhada,.

_ Eu não acredito, Eva. Sim, tem a ver. Gabriel esteve lá em casa. Pediu-me para sondar-te.

_ Como posso, Cidinha? Tu mesma sorri de tudo isto.

_ Eu ri tanto, Eva. Gabriel pediu-me que falasse por ele. Disse que tu não acreditavas.

_ O pior é que acredito!

_ Não pode ser, Eva! E tua família? Como acha que tua mãe reagiria? O que acharia teu pai, tua mãe e teu irmão?

_ Muito mal, Cidinha. Não posso suportar o escárnio de todos. Não vou dizer que não sinto nada por Gabriel. É um homem bonito. Mas não sei como as pessoas reagiriam. Fomos tão amigos quando crianças. Era como se fôssemos quase irmãos.

_ Acho que estás fazendo tempestade em um copo d’água. Não acredito mesmo que reagiriam assim. Se gostas dele, Eva. Por que não tenta? Acreditas mesmo nos sentimentos de Gabriel? Eu não acredito muito.

Eva espantou-se. Será que Gabriel apenas brincava com Eva? Talvez não. Acreditava mesmo em seus sentimentos. Ele não teria motivos para enganá-la. Isto era claro como o dia.

_ Sim, acredito. Ainda que ache que ele goste de mim de uma forma fantasiosa. Um amor de menino. Mas não posso, Cidinha.

_ Siga teu coração, mas tenha cuidado.

As duas se despediram. Na verdade, Cidinha acreditava muito menos em Gabriel do que Eva. Não era nos sentimentos de Gabriel que desacreditava. Era o que tinha que enfrentar por estes sentimentos.

Passaram-se dias e depois meses. Os sentimentos por Gabriel chegaram mesmo a embotar. Não há mal que sempre dure. Via-o bem poucas vezes. Às vezes torcia para que não o visse nunca mais. Estava cansada.

Chegou a época de seu aniversário. Era época do aniversário de Gabriel também. E se lhe mandasse um cartão? Será que Gabriel mereceria. Era seu amigo. Que mal tinha? Ninguém iria estranhar.

Enviou-lhe um cartão com os seguintes dizeres: “Lembra-te de tua amiga Eva? Feliz aniversário. Sinto saudades”.

Não recebeu nenhuma resposta, mesmo quando o seu aniversário chegou também. Tanto fazia! Não queria mesmo saber dele.

Resolveram fazer uma grande festa no Parque de Maio, para comemorar o aniversário do mesmo. Enfeitaram o coreto com flores.Todos estavam animados. Não Eva. Ia só por consideração. Não tinha mesmo vontade de ir. 

Ainda assim, arrumou-se com o maior esmero . Podia ser que encontrasse muitos conhecidos. Não queria estar descomposta. Era capaz que Gabriel fosse. Isto era quase certo. Não ia nem ao menos cumprimentá-lo. Já estava farta de tudo aquilo. Se Gabriel queria distância. Que tivesse.

Desencontrou-se das amigas, para chegarem juntas. Agastou-se. Antes não tivesse vindo.

_ Volto para casa. _ Disse Eva para Guido.

_ Que nada, Eva. Deixe de gasturas. Vamos. A festa deve estar bem bonita.

O irmão insistia. Que mal havia? Resolveu que iria. Mesmo contra sua vontade. Toda a vontade de comparecer ao evento, que já não era muita, de antes tinha ido pelo ralo.

Viu a família de Gabriel passar, inclusive o menino. Gabriel não estava entre eles. Menos mal. Não estava com ânimos de vê-lo. Era a primeira vez que o veria depois do episódio do cartão. Se Gabriel queria ficar agastado, tanto fazia. Ela tinha levantado a bandeira branca.

_ Estava mesmo. Eva até que se divertiu. Mas não engoliu o fato do desencontro. Em outra não a pegavam mais. Logo que chegou, viu Gabriel. Ele se destacava entre todos. Estava animado, bem mais do que ela. Era risonho, amigo de todos. Menos dela. Não procurou Eva. Ela também não o procurou. Nunca mais procuraria Gabriel. Isto estava decidido e ponto final.

Ele não estava com nenhuma moça. Tanto fazia. Ela não tinha nada a ver com isso. Ficou lá por algum tempo. Encontrou velhos conhecidos. Mas estava desanimada. Desanimada com as amigas que lhe deram bolo. Desanimada com Gabriel, que em nenhum momento a procurara. Nunca mais falaria com Gabriel. Pensara em praticar a política da boa vizinhança e passar a cumprimentar Gabriel de uma maneira mais formal. Mas depois de hoje, estava decidido. Nunca mais falaria com ele. Ele que pensasse o que pensasse. Ela não se importaria.  Não perderia mais o seu precioso tempo com ele.  Resolveu voltar cedo para casa.

Quando se perde o descompasso cedo, por mais que se busque um contorno, não se consegue deixar tudo nos eixos.

Não queria ser como era. Não gostava do modo como agia. Queria ser uma moça mais refinada. Às vezes se achava com tão pouco verniz social. Queria saber vestir-se melhor, pentear-se melhor. No entanto, tudo o que conseguia era ficar daquele mesmo jeito de sempre. Uma simplória. Nada fazia de exuberante. Será que passaria toda sua vida daquele mesmo jeito?

Deitou-se em sua cama e ficou olhando para o teto. Aborrecera-se, ponto. Sua vida estava passando e ela estava deixando a vida passar. Era como se esperasse o tempo passar em conta-gotas.

Precisava ser mais do que estava sendo. Tinha tantos talentos. Já não desenhava, não bordava. Não tinha nem mais coragem  de destampar o piano. Não queria secar como uma ameixa. Queria produzir, florescer, brilhar.

E se estivesse enganada? Será que todas as pessoas são mesmo estrelas? Na semana anterior tinha comparecido a um almoço de uma amiga que não via a muito. Tudo lhe parecera estranho e sem sentido. Não que tivesse sido destratada ou que tivesse se arrependido. Mas alguma coisa não encaixava. Era como se o tempo tivesse desgastado as peças de um quebra-cabeça, que ainda que fosse as mesmas, não conseguiam de encaixar de fato.

Virou-se na cama. Olhou para o céu. O dia que amanhecera tão lindo, agora era cinza e sem brilho, como os pensamentos de Eva.

Não dá pra viver de manhã ensolarada o tempo todo. Algumas horas do dia são mesmo cinzas. Resolveu dormir um pouco. Talvez descansasse e tivesse até bons sonhos. Não se dá pra viver do passado. É preciso encarar o mundo de frente. Fazer novas amizades e regar as antigas. Não há amizade que resista ao tempo sem que seja regada. Não se pode cobrar o que não se dá em troca.

Depois daquele dia, os dois não olharam mais na cara um do outro. Se Gabriel querias evitar Eva, tanto fazia. Ela é que não correria atrás dele. Depois de algumas semanas, os dois acabaram se esbarrando numa loja.

            _ Você está com raiva de mim, Eva? _ Perguntou Gabriel.

            _ Não. _ Ela quis negar. Mas ela realmente estava. _  Está certo, Gabriel. Eu estou com raiva mesmo. Você tem me evitado. Estou certa?

            _ Claro que não.

 Ele tentou negar. Mas Eva sabia que ele estava disfarçando. Ele realmente a evitara. Gabriel sempre fazia isso, desde menino. Lembrara do dia em que a mãe a fizera pedir desculpas, quando crianças, porque tinham se aborrecido e ele não quisera vir à casa de Eva com a mãe e Pedro.

 _ Está bem, Gabriel._ Disse Eva com um suspiro de quem finalmente entrega os pontos _   Vou fingir que acredito. Você nem estava olhando na minha cara.

            _ Eu não olho pra você porque você não olha pra mim. _ Disse Gabriel um tanto emburrado.

            _ Isso não é verdade, Gabriel.

            _ Por que não foi falar comigo?

            _ Tem graça!

            _ Tem graça por quê? Não somos amigos desde crianças?

            _ Claro que somos!

            _ Então? Podia ter ido falar comigo. Amigos fazem assim.

Nisso Gabriel estava certo. Amigos fazem assim.  Mas a amizade dos dois já não era a mesma. Já não via mais Gabriel como o amiguinho de outrora. Tudo tinha se transformado agora.

           

O tempo continuou passando. Eva via que estava tudo no mesmo lugar. Mais pessoas se casaram. Mais crianças nasceram. Muitas delas. Só a vida de Eva continuava igual.

Resolveu dar umas voltas no parque, mas logo cansou-se. Estava cansada. Algumas noites atrás sonhara com Gabriel. Sonhara que deram-se as mãos e Guido ralhara. Por que sonhara aquilo. Fazia tanto tempo que não via Grabriel.

Sentou-se num banco próximo ao laguinho das carpas. Por que tanto tempo de silêncio? Era bem capaz que tivesse esquecido dela.

Esticou as pernas. Suas costas doíam. Será que estava ficando velha? E se nunca mais visse Gabriel? Há poucos dias atrás visitara Vanir, uma amiga dos tempos de colégio. Casara-se, tivera dois filhos. Sua filha agora era sua amiga. Vanir lhe mostrara uma carta que lhe escrevera a pequena. Tão logo seria uma moça. E Eva? Não tinha nada. Agora nem mesmo Gabriel.

Estava tão absorta em seus pensamentos que nem sentiu uma aproximação.

_ Ora, quem vejo aqui. _ Aproximou-se Luana, uma mocinha que estudara piano com Eva. _ Anda tão sumida, Eva.

_ Tu es quem fugiu da aula de piano, Luana.

As duas riram. Luana sentou-se ao lado de Eva, a abraçou e beijou.

_ Quantas saudades. Uma pessoa tem me pedido para ir comigo te fazer uma visita.

Eva teve um sobressalto. Luana era vizinha de Gabriel. Será que ele desejava vê-la?

_ Quem? _ Perguntou Eva.

_ Meu namorado.

_ Seu namorado?

Eva estranhou. Mal conhecia o rapaz e mesmo assim, não simpatizava muito com ele. Luana era uma moça especial. Merecia um rapaz especial também.

_ Isso mesmo.

_ Aquele seu namorado? _ Certificou-se Eva.

 Luana deu um sorriso.

_ Não namoro mais aquele rapaz.

_ Mesmo? Quem é seu namorado agora?

Eva estava espantada. Não sabia que a moça tinha desmanchado com o outro namorado.

_ Adivinhe.

_ Como posso adivinhar. Sérgio. _ Disse Eva, dando o nome dom primeiro conhecido mútuo.

_ Não, Sérgio vai se casar. _ Explicou Luana.

Mais um que deixava o time dos solteiros. Tanto mais, Sérgio já estava noivo há um bom tempo. Tanto tempo que Eva até achou que já tivesse trocado de namorada. Noivados longos era uma especialidade de Sérgio.

_ Quem então? _ Rendeu-se Eva.

_ Evandro.

_ Evandro. Que Evandro?

_ Seu ex-aluno de piano.

_ Não me diga, Luana. Evandro é um doce de rapaz. E tão lindo. Fico tão feliz por você, Luana. Mas onde foi que se conheceram? Vocês estudaram comigo em épocas diferentes.

_ Foi num recital de música aqui no parque.

_ Mas que lindo. Foi uma pena não ter vindo. Dizem que estava muito lindo. Várias pessoas se apresentaram. Trouxeram um grande piano de cauda para o parque. Foi um luxo só.

_ Posso fazer uma idéia.

_ Evandro se apresentou. Toca piano tão bem, Eva.

_ Eu sei. Fui sua professora. Nem todos os alunos fogem das aulas._ Disse Eva de forma significativa.

_ Perdoe-me, Evinha querida. _ Disse Luana com as mãos em forma de prece. _ Não levo o menor jeito para música. Eu juro que tentei. Tentei aprender piano, flauta, violino, por fim até pandeiro e me dei mal em todos. Decidi antecipar minha aposentadoria.

_ Mas tem uma bonita voz. Por que não tenta o canto? Já a vi cantar e gostei muito. Seria bom pensar no assunto.

_ Pode até ser. Talvez tente umas aulas com dona Frida. Mas dizem que é muito exigente.

_ Isso é verdade. Eu até que tentei. Mas acabei deixando. _ Disse Eva um pouco desanimada.

_ Ta vendo, Eva? Não sou a única fugitiva.

_ É verdade.

Ambas riram.

_ Por que não foi ao recital. Você fez falta. Toca piano muito bem. Seria maravilhoso vê-la tocar.

_ Minha prima teve um bebê e fui ajuda-la. É uma marinheira de primeira viagem.

_ Cuidar de um bebê recém nascido? Acho que ia ter um desmaio. Nunca dei um banho em um bebê muito pequeno. Na verdade, se não estão bem enrolados em cueiros, nem mesmo os pego. Sou traumatizada.

_ Por quê?

_ Quando era menina, fui visitar uma prima que acabara de ter um bebê. Ele era tão bonitinho. Pedi para que minha prima deixasse pegá-lo. Ela mandou que eu sentasse na cama e colocou o menino só de fraudas no meu colo. Era tão molengo que pareceu espalhar-se em meu colo. Fiquei tão apavorada e pedi pra minha prima que tirasse o bebê logo dali. Nunca mais tive coragem de fazer outra tentativa.

_ Mas logo terá os seus. É melhor ir treinando. Evandro é um bom rapaz. Acho que com esse você casa. O que sua mãe achou dele.

_ Disse que é um rapaz muito bonito. Um tanto tímido, mas bem bonito. Acho que mamãe deixou Evandro um tanto envergonhado.

_ É verdade. Mas parece que ela gostou dele. Não foi? De outra maneira não seria tão brincalhona.

_ Sim.

_ Bom pra você. Está gostando dele?

_ Muito. É um rapaz maravilhoso. E toca piano tão bem. Fez a segunda melhor apresentação do recital.

_ Verdade?! Como sua primeira professora, estou orgulhosa. E a primeira, de quem foi.

_ Um vizinho meu. Acho que vocês se conhecem. Chama-se Gabriel. Ele toca piano de forma maravilhosa.   

 

Olhou para o céu. Tão azul, tão  claro. Tão ensolarado. Nenhuma nuvem no céu. O dia estava quente e abafado. Eva estava com muito calor. Acordara com um pouco mais de disposição que nos últimos dias, por isso, resolvera exercitar um pouco de piano. Coisa que não fazia há um bom tempo. Terminara sua lição há pouco. Estava suada e cansada. Era fim de tarde, mas o sol continuava tão claro e quente como se fora o meio do dia. Lembrou-se de Gabriel. Quantas saudades! 

Às vezes tinha vontade de vê-lo. Estar com ele. Por outras pensava que era melhor assim. Queria não vê-lo nunca mais. Deixa-lo viver sua própria vida. Estava tão cansada! Será que tomara a decisão certa? Era tarde para ficar pensando nisso.

Sentia-se solitária. Com a sensação de que errara nas escolhas. Por que não aceitara o amor de Gabriel? Às vezes se quer tanto, quando tudo o que se deve fazer é aceitar o que é simples.. Como tocar a vida pra frente, se era lá trás que estava o seu destino?

Algumas vezes pensava que a sua estivesse emperrada. Era como se tudo estivesse em suspense, esperando que algo de novo acontecesse. O que seria este algo novo? Sempre achara que seu destino estivera ligado ao futuro. Mas por que sempre voltava ao passado? O que Eva esperava? Nada de novo acontecera. Apenas Gabriel e o passado ocupavam os seus pensamentos.

Deixasse o tempo passar. Que mal tinha? A vida era assim mesmo.Gabriel nunca mais retornara a sua casa. Parece que saiu de sua de vez. Eva pressentia que agora era para sempre.

Viram-se poucas vezes. No parque, na rua, em festas ou casas de amigos. Cumprimentavam-se. Trocavam uma ou duas palavras.

Gabriel agora, como ela,  já tinha trinta e dois  anos. Em nada lembrava o menino que Eva conhecera. Alto, forte. Seu rosto já apresentava toques de maturidade. Apanhara da vida. Tão jovem perdera a esposa e tivera que criar um filho sozinho.

Eva soube que há poucos meses, ficara noivo. Não a conhecia e nem queria conhecer. Sentira uma pontada no peito quando recebera a notícia. Bem maior do que a que sentira quando soube que Gabriel havia se casado pela primeira vez.

Não tardou  para que o que Eva mais temia acontecesse. Um belo dia, cruzou com Gabriel na rua e ele não estava sozinho. A moça era linda, inegavelmente, e muito mais jovem do que Eva.

Gabriel apresentou as duas.

_ Eva, esta é Alice. Minha noiva. Alice, esta é Eva, uma amiga de infância, quase uma irmã!

Gabriel reforçou a palavra irmã e Eva  sentiu vontade de lhe dar uns tapas!

_ Como tem passado?_ Dirigiu-se a moça, que em nada se parecia com ela. Era bem jovem, com uma aparência muito delicada. Um encanto de menina!

_ Bem e a senhora?

Senhora? Isto já era demais. Eva teve vontade de voar naquela menininha irritante.

_ Senhorita. _ Gabriel corrigiu. _ Mas não nos vemos há tanto tempo. Não é mesmo, Eva?  Casou-se?

_ Não, Gabriel! Ainda estou solteira.

_ Mas que pena! _Disse Alice. _ A senhorita é tão bonita! Quando nos casarmos, a convidaremos para jantar. Conheço bons partidos. Seria bom arrumar alguém para sua amiga. Não acha Gabriel?

Gabriel fez uma cara azeda.

_ Não é do feitio de Eva deixar que lhe arranjem um marido. Sempre foi muito independente.

Ele estava com ciúmes ou era impressão de Eva?

_ Deixe disso, Gabriel. Será um prazer, Alice! Quando será o casamento?

_ Gabriel ainda não marcou a data. Mas espero que breve!

_ Temos muito ainda que resolver! _ Ele disse.

_ Espero que não enrole a moça, Gabriel.

_ Você sabe que eu não faço este tipo de coisa!

Frisou a palavra eu e Eva entendeu o recado. Aquilo não era coisa  dele. Eva é quem costumava enrolar os outros. E ele tinha razão. Fora assim com Júlio, o rapaz que fora seu noivo. Assim também fora com os outros que a cortejara. Mas nenhum outro mexera tanto com seus sentimentos, como fizera Gabriel. Mas agora era tarde! Gabriel ia se casar com outra e Eva não tinha o direito de fazer nada quanto a isto.

_ Já está ficando tarde e eu preciso ir. Foi um prazer reencontrá-lo, Gabriel. Prazer em conhece-la, Alice. 

Eles se despediram e se foram. Eva olhou para trás. Eles iam de braços dados. Gabriel encontrara o seu par. Sentiu um aperto no coração.

Eva estava triste. Outra ocupava o seu lugar no coração de Gabriel. Ele seguia com sua vida. Teve raiva. Achava que agora estava tudo acabado. Era hora de seguir com sua vida também. Parecia que o elo entre os dois finalmente tinha se partido.

Teve vontade de lhe escrever. Tomar satisfação. Mas seria ridículo. Não tinha nenhum direito sobre ele. Era hora de fechar o capítulo Gabriel de sua vida.

Fora ela mesma quem botara tudo a perder. Que mal tinha em relacionar-se com Gabriel? Conheciam-se desde meninos. E o que tinha isso?

Deixara sua vida escapar pelos dedos. Não podia quere que Gabriel fizesse o mesmo.

Sempre fora tão senhora de si. E o que tinha agora. Gabriel estava partindo para o segundo casamento e ela estava na mesma. Como ele tivera coragem de fazer aquilo com ela? Onde estava todo aquele amor que ele lhe devotara? Que amor era este que podia muito bem ser substituído por outro?

Quem era ela para pensar em tudo aquilo? Fora ela quem rejeitara a Gabriel. Como podia cobrar devoção e amor. Gabriel até que fora muito paciente. Só se dá valor aquilo que se tem depois que se perde.

           

Eva mal tocou no jantar. Sentia uma dor de cabeça horrível.

_ Vou me deitar mais cedo, mamãe. _ Disse Eva enquanto se levantava da mesa de jantar.

_ Você mal tocou na comida, Eva._ Disse a mãe. _ Está doente?

_ Apenas uma dor de cabeça. Amanhã estarei bem.

_ Quer que lhe faça um chá?

_ Não é preciso, mamãe. Boa noite.

_ Boa noite, filha.

_ Boa noite, papai.

_ Boa noite, Eva. Espero que amanhã acorde bem.

_ Obrigada, papai.

Eva deitou-se, mas não conseguia dormir.Tudo estivera tão bem até que ele aparecera, com aquela moça com cara de boazinha.  Por que tinha que se encontrar com Gabriel?

            O pior de tudo era que aquela moça arrebatara Gabriel de suas mãos. O que estava falando? O tempo passara. Gabriel jamais seria seu. Fora ela quem estragara tudo. Eva  teve vontade de chorar. Mas não choraria. Como Gabriel podia ter feito aquilo com ela?

Eva estava triste. Com os brios feridos.  Quem suporta ser preterida? Ela sentia que ele lhe pertencia. Gabriel não podia ser de mais ninguém. Tinha vontade de brigar com ele. Tirar satisfações. Mas que direitos tinha? Fora ela mesma quem botara tudo a perder.

            Como não conseguira enxergar durante todo este tempo? Por que  não aceitara o amor de Gabriel enquanto podia? Por quê? Que dor de cabeça que não passava. Por que não aceitara o chá que a mãe lhe oferecera? Era sempre assim. Rejeitava as coisas e depois se arrependia. Este era o seu mal. Se pudesse voltar no tempo, tudo teria sido diferente. Ele não estaria com aquela moça e ela agora não estaria sofrendo agora.

           

Duas semanas mais tarde Eva resolveu desenhar no parque. Estava um calor insuportável e Eva não conseguira ficar em casa. Nada costumava agrada-la nas duas últimas semanas. De repente Gabriel apareceu. Eva ainda não se recuperara do último encontro.

_ Quando vai ser o casamento? Espero que desta vez eu seja convidada!

Gabriel fez cara de poucos amigos.

_ Pode deixar, Eva! Desta vez não me esquecerei de você! Ficaria até muito honrado se me desses a honra de ser minha madrinha de casamento!

Os olhos de Eva faiscaram de ciúmes.

_ Não terias o desplante!

 _ E por que não?! _ Gabriel agora sorria. _ Não somos amigos?! Nada mais natural.

_ Não somos tão amigos assim.

_ Claro que somos, Eva. Nos conhecemos desde crianças. Poderia ser minha irmã.

Agora Gabriel já zombava de Eva.

_ Não tem nada melhor para fazer nesta tarde, Gabriel? Por que não fazes uma visita a tua linda noivinha?

_ É mesmo muito linda! Não achas, Eva? Tão jovem...

Gabriel já estava passando dos limites. Eva não tinha que ouvir aquilo. Juntou seus materiais de desenho e levantou-se para sair do parque.

_ Passar bem, Gabriel! Nos vemos no dia do teu casamento.

Gabriel segurou Eva, impedindo que a mesma partisse.

_ Não vai me deixar falando sozinho!

_ Solte-me Gabriel. Já está sendo inconveniente. Não fica bem pra mim. Ainda mais sendo um homem comprometido!

_ Tem alguma aliança em minha mão, Eva?

Eva não havia notado. Gabriel não usava mais a aliança em sua mão direita. Sentiu um certo alívio. Não suportava a idéia de ver Gabriel se casando com outra!

_ O que houve? _ Eva perguntou.

_ Não vai mais haver casamento! Não com Alice.

_ Por quê?

_ Eva, como podes me perguntar uma coisa desta?! Como posso me casar com outra? Eu te amo, Eva! Sempre amei! Não vou cometer o mesmo erro novamente. Antigamente eu achava que não tinha nenhuma chance! Que você me via apenas como um menino. Mas eu não sou mais criança, Eva. E nem você! Pare de lutar contra este sentimento que te sufoca! Deixa-me te amar, Eva! E por favor, me faça feliz!

Gabriel estava angustiado. Eva podia ver isto em seus olhos. Como amava aquele homem que praticamente implorava para ficar ao seu lado. Era lindo, bem posicionado na vida! Podia ter a mulher que quisesse. No entanto, queria ela. Apenas ela!

_ Eva, eu não vou esperar que você faça cinqüenta anos para que eu finalmente te beije!

_ Faltam apenas dezoito anos, Gabriel! _ Eva riu com gosto.

Gabriel também riu.

_ Eva, Eva! O que faço contigo?

De repente ficou sério e perguntou:

_ Posso te dar um beijo, Eva?

Eva balançou a cabeça afirmativamente. Gabriel arregalou os olhos. Não podia acreditar.

_ Posso mesmo, Eva?

_ Pode!

Disse Eva simplesmente. Estava cansada de lutar contra si mesma. Aquilo era muito cansativo. Nunca amara ninguém como o amava. Não tinha premeditado aquilo. Acontecera e pronto.

Podia até ver sua mãe arregalar os olhos diante de um romance que nem passava por sua cabeça!  Gabriel não esperou duas vezes depois da resposta de Eva. Estavam no meio do parque. Mas o que importava? Se convencera Eva de beija-lo, também a convenceria a se casar com  ele.

O primeiro beijo que trocaram foi algo maravilhoso para os dois. Foram feitos um para o outro, só agora Eva entendia. O beijo pelo qual ansiaram por tanto tempo. Ela agora admitia. Agira como uma criança birrenta durante todo aquele tampo. Sabia o que estava acontecendo com ela. Precisava de Gabriel e pronto. Nunca sentira isso por homem algum em sua vida.  Apenas Gabriel despertara este sentimento em seu coração.

Sonhara com tantas coisas a sua vida inteira, mas o homem de sua vida estivera ali o tempo todo.  Por que o amor  tinha que acontecer justo com Gabriel? Não sabia como Guido os seus pais iriam reagir. Que importava? Talvez achassem que Eva só enxergasse Gabriel como um amigo ou irmão, mas Eva não o via assim. Amava Gabriel e ponto final.

_ Você é minha, Eva. Sempre será. Eu amo você.

_ Você também é meu, Gabriel. _ Ela disse. _ Quase soquei aquela garota com quem você ia se casar.Não faça isso de novo, Gabriel. Quase morri de ciúmes.

_ Eu estava com tanta saudade, Eva.

Saíram de mãos dadas pelo parque. Eva nunca se sentira tão bem. Estava feliz por estar com Gabriel, finalmente.

_ Vou falar com seus pais, Eva. Não podemos mais esperar. Quero me casar com você.

_ Como acha que a mamãe reagiria? Ela deve nos considerar quase irmãos, Gabriel.

_ Você  e Guido são irmãos, Eva. Nós não. Nunca fomos. Podemos nos casar, ter filhos. Quero ter uma família com você. Acho que meu filho vai gostar de ter uma irmã. Não será maravilhoso?

_ Está bem, Gabriel. Está mais do que na hora de olhar a vida de frente.

Estava decidido e agora não tinha mais volta, Eva finalmente se casaria com Gabriel. Ainda achava tudo muito estranho, mas estava cansada de lutar contra ela mesma. Gabriel fez o pedido no dia seguinte. Não esperaria nem mais um minuto por Eva.

Guido compareceu com a esposa. Pedro também estava presente. Eva fechou os olhos e de repente se imaginou criança naquela sala. Aqueles homens a sua volta eram os mesmos que lá estiveram quando meninos. Quando poderia imaginar naquele tempo que um dia se casaria com Gabriel?

No começo fora apenas um acalento, uma amizade de meninos, depois um leve interesse. Tão leve que Eva não conseguia admitir que talvez ele sempre estivera ali.  Mas agora queria mesmo aquele homem. Como seria sua vida sem Gabriel? Amava-o.  Tinha plena certeza e não tinha como mudar.

Sabia que dera o passo certo. Eles seriam felizes. Gabriel lutara por isso. Sempre fora tão decidido. Eva lutaria também. Eva pensou que Gabriel estaria nervoso na hora de fazer o pedido. Mas Gabriel não ficou.  Nem mesmo suou frio, ou ficou com as mãos tremendo. Não gaguejou enquanto pedia a mão de Eva. Foi calmo do começo ao fim.

_ Seu Camilo, me concede a mão de Eva em casamento?

_ Até que enfim. _ Gritou Pedro.

Todos riram.

O pai disse que sim. E estava feito.

Dona Elisa respirou aliviada. Ela sempre soubera do amor de Gabriel por Eva. Tudo ia ficar bem agora. Eles trocaram as alianças e foram jantar. Dona Helena prepara tudo com muito cuidado. Como era de seu feitio.

Sentada ao piano, logo depois de ter feito um duo com Gabriel, Eva  passou a mão na grossa aliança de ouro em sua mão direita. Era como se aquilo tudo fosse um sonho do qual de repente fosse acordar. Seria mesmo verdade que os dois se casariam? É claro que sim. Eva estava feliz. Finalmente estava em paz.

Uma semana antes do casamento, Gabriel entregou uma caixinha para Eva.

_ O que é? Eva perguntou.

_ Abra e veja.

_ Eva abriu a caixinha e encontrou uma medalhinha.

_ Não se lembra? _ Ele perguntou.

_ A medalhinha que Pit encontrou no Parque de Maio! Fiquei tão triste quando ela morreu.

Eva abriu a medalhinha e lá encontrou as mesmas fotos que foram colocadas quando crianças.

_ Você a colocou aqui novamente, Gabriel?

_ Ela nunca saiu daí, Eva.

_ Mas você já se casou antes.

_ Não tive coragem de tirar sua foto, Eva. Mesmo quando não tinha a menor esperança de tê-la como esposa. Amava minha esposa, mas achava que esta medalha pertencia a nós dois e tirar a sua foto para colocar a dela não me pareceu direito. Guardei a medalha e achei melhor esquecer a história de vovó. Agora esta medalha pode ser usada de verdade. Quero que você a use no dia do nosso casamento. 

Eva e Gabriel casaram-se com toda pompa. A mãe de Eva não aceitou nada que fosse o melhor. A melhor decoração, o melhor vestido, a melhor festa.

_ Não tão rodado, mamãe. Lembre-se que já não tenho mais vinte anos.

_ São bobagens. O melhor vestido para a melhor filha.

 _Não tanto exagero, mamãe! Lembre-se que Gabriel já casou uma vez, e que foi tudo muito simples.

_ Nada em você é simples, Eva. Se assim fosse, não teria casado tão tarde e certamente o noivo não seria Gabriel.

Pela primeira vez na vida Eva deixou de bater o pé. Casava-se com Gabriel e ponto. Que a mãe fizesse da festa o que quisesse.

E assim foi. Eva entrou na igreja com um pomposo vestido branco. Havia tantas flores que algumas damas ficaram sufocadas. A festa foi na casa de Eva e não no Parque de Maio, como Eva pedira.

_ Uma festa no parque, Eva. Sem cogitação.

_ Tenho que fazer das palavras de mamãe, as minhas. Uma festa de  casamento no parque é sem precedentes. Disse Guido.

            _ Está bem. _ Concordou Eva. Não teimaria jamais. Perdera muito tempo na vida teimando

           

                        FIM